A quinta era do czar Putin
Reeleito em pleito de cartas marcadas, o ditador russo deve se tornar o mais longevo líder russo em 200 anos
Por Jaqueline Mendes
Um pensamento atribuído ao filósofo russo Mikhail Bakhtin (1895-1975) diz que há três formas de se interpretar a realidade: a perspectiva do Ocidente, a ótica do Oriente e a visão da Rússia, que diverge de todas as outras. Na última semana, com mais de 87% dos votos, o presidente Vladimir Putin, reeleito para mais seis anos no Kremlin, mostrou que a visão russa distingue, de fato, da forma da grande maioria do planeta. Prestes a se tornar o mais longevo líder do país, com 30 anos de poder, o ex-espião da KGB prolonga sua permanência no Kremlin de forma suspeita e pouco ortodoxa.
Todos seus adversários políticos estão mudos, presos ou mortos, o que revela uma provável eleição de cartas marcadas. Curiosamente, os outros candidatos na corrida eleitoral eram camaradas de partidos aliados. A oposição foi impedida de concorrer e organizar comícios, já que a Comissão Eleitoral Central não inscreveu os seus candidatos, que apoiavam a retirada das tropas da Ucrânia, por motivos técnicos ou irregularidades formais. Com isso, hoje com 71 anos, Putin está perto de governar a Rússia por mais tempo do que qualquer outro. Até então, o posto era do ditador soviético Josef Stalin, que atravessou 26 anos no poder.
Um grupo independente de monitoramento eleitoral da Rússia disse que a eleição presidencial vencida por Vladimir Putin de forma esmagadora, com quase 90% dos votos, foi a mais fraudulenta e corrupta da história do país. O grupo Golos disse, em uma reportagem da agência Reuters, que as eleições de três dias que terminaram no domingo não podem ser consideradas genuínas porque a campanha ocorreu numa situação em que os artigos fundamentais da Constituição da Rússia, que garantem os direitos e liberdades políticas, não estavam essencialmente em vigor. “Nunca antes vimos uma campanha presidencial que ficou tão aquém dos padrões constitucionais”, afirmou o grupo, em um comunicado oficial. Os Estados Unidos, a Alemanha, o Reino Unido e outros afirmaram que a votação não foi livre nem justa devido à prisão de opositores políticos e à censura.
Além de fraudulenta, o problema é que a reeleição de Putin é uma péssima notícia para quem vislumbrava o fim da guerra na Ucrânia. Em seu discurso de vitória, o presidente reafirmou sua ambição de anexar mais territórios da Ucrânia.
Para surpresa de ninguém, ele voltou a ameaçar o mundo com mais força militar e uso de armar nucleares. “Não importa quem quer nos intimidar ou quanto, não importa quem quer nos esmagar ou quanto, nunca ninguém conseguiu fazer nada assim na história. Não funcionou hoje e não vai funcionar no futuro”, disse o presidente.
No mês passado, o presidente americano, Joe Biden, o chamou de louco. Já o presidente francês Emmanuel Macron disse que não descarta o envio de tropas à Ucrânia para evitar que a Rússia vença a guerra. Mas Putin reagiu afirmando que um desdobramento que inclua tropas ocidentais na Ucrânia provocaria um conflito direto com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e uma Terceira Guerra Mundial.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, definiu Putin como um homem “embriagado pelo poder” e com a intenção de “governar para sempre”. Sobre a eleição, o Brasil manteve o perfil discreto, parabenizou Putin e reforçou os laços comerciais com o país.
A narrativa da popularidade interna de Putin (86% de aprovação, acima dos 71% antes da invasão da Ucrânia), é sustentada pela boa performance da economia. Em 2022, após o início da guerra, economistas previam que o PIB russo encolheria até 10%. Mas a queda foi de apenas 1,2%, um minúsculo recuo para um país em guerra.
Em 2023, a Rússia cresceu 3,6%, superando o crescimento de todos os países do G7 e o avanço tímido de 0,4% da União Europeia. Para 2024, o FMI prevê que o PIB da Rússia cresça 2,6%, bem acima da projeção para a Zona do Euro de 0,9%.
Na avaliação de Vicente Ferraro, cientista político especialista em Rússia e professor da FGV, o regime de Putin é baseado em três pilares principais: econômico, ideológico e o da repressão, algo comum em vários regimes autoritários. “E a economia é, sem dúvida, um pilar importante de sustentação do regime”, disse.