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“Haddad enxerga o Brasil como um todo”, diz João Camargo, Presidente do Conselho da Esfera Brasil e da CNN Brasil

“Haddad ouve as demandas do setor produtivo. Paulo Guedes só gostava de falar”

Crédito: Rogerio Cassimiro

João Camargo, fundador e presidente do Conselho da Esfera Brasil: "Não dá para destinar R$ 17 bilhões a projetos culturais em um país em que há tanta gente passando fome" (Crédito: Rogerio Cassimiro)

Por Sergio Vieira

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem sido uma boa surpresa para o setor produtivo brasileiro, principalmente pela disposição em ouvir as demandas da classe empresarial. A avaliação é do empresário João Camargo, fundador e presidente do Conselho da Esfera Brasil, uma think tank criada em julho de 2021 para discutir os caminhos da economia nacional. “Do governo Lula, Haddad é o ministro que enxerga o Brasil como um todo. Ele sabe que precisa ter dinheiro para o Bolsa Família, mas também não pode deixar de olhar para os empresários”, afirmou.

Na avaliação dele, o cenário é bem diferente do que o vivido na gestão Bolsonaro, com Paulo Guedes à frente da Economia. Ele entende que a falta de diálogo da administração anterior prejudicou muitos segmentos. “Paulo Guedes, apesar de ser brilhante, não deixava ninguém falar. Ele não gostava de ouvir e só de falar. O governo anterior sucateou as indústrias brasileiras.”

O charmain da Esfera, no entanto, demonstra contrariedade com o grande volume de subsídios a alguns setores, como a desoneração da folha de pagamento, mantida pelo Congresso. “É algo muito ruim, porque a economia deixa de ser livre e passar a andar mais por meio de lobby empresarial. Hoje há R$ 18 bilhões em subsídios. O que precisa é diminuir esse privilégio de forma gradativa.”

Camargo deixou o posto de CEO da Esfera em outubro do ano passado, quando transferiu o cargo para sua filha, Camila Funaro Camargo, que, segundo ele, vem fazendo um grande trabalho à frente da entidade. Desde então, ele passou também a acumular a função de presidente do Conselho da CNN Brasil.

Qual era seu sentimento, enquanto empresário, quando decidiu criar, em 2021, a Esfera Brasil?
Sempre achei que Brasília agia sob demanda. Como muda muito o governo, muitas vezes os planejamentos são interrompidos. Tinha uma visão clara disso. A Operação Lava Jato afastou muito a classe produtiva do governo. E eu achei que deveríamos resgatar isso. Naquele momento os empresários não estavam olhando para o coletivo e sim para os interesses pessoais. Com isso, procurei construir uma semente nos empresários de relevância em participação no PIB, para a gente fazer algo extremamente republicano, levando as dores e ideias para o Executivo.

E quanto ao Legislativo?
Nossa missão também era reaproximar os empresários do Parlamento. Se perguntar para um empresário americano se ele já foi alguma vez na Comissão de Constituição e Justiça, ele vai dizer sim. Aqui dificilmente sabem onde é o Anexo 2 da Câmara. Nesse sentido, a gente começou a mostrar que, no caso de deputados e senadores, a gente ajuda a mudar o Brasil, e, no caso do Executivo, a gente ajusta.

Os empresários entenderam a necessidade de conversar mais com a classe política?
Eu me deparei com animosidade muito grande. Naquela época, muitos empresários tinham tido problemas por causa de críticas ao então presidente da Câmara Rodrigo Maia. Alguns deles se filiaram em movimentos e se sentiram usados. Por isso construí um estatuto muito rígido, em que eu não posso dar declaração de voto, aceitar cargo público, me candidatar. As multas estabelecidas no estatuto são pesadas. E minha mulher é a fiadora.

A Esfera participou ativamente na manutenção do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse)?
As empresas fizeram um planejamento de investimentos calculando a questão tributária. Este setor gera 8 milhões de empregos. E no dia 28 de dezembro isso mudou, criando uma insegurança jurídica. A gente teve, então, que trabalhar com os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, para organizar uma espécie de phase out (redução aos poucos). Então fizemos esse diálogo com os empresários e mostramos o impacto que traria essa interrupção repentina. Mas a Esfera tem clara a posição de ser contra a desoneração da folha de pagamento.

Por qual razão a Esfera é contra?
A desoneração começou em 2012 pelo Guido Mantega (ministro da Fazenda na gestão Dilma Rousseff). Naquela época o desemprego estava acima de 20%. O conceito, então, era privilegiar os setores com mais empregabilidade, por dois anos. E foi sendo prorrogado. Sou contra a desoneração em momento de retomada de emprego, como agora. Não há razão para dar privilégios a alguns setores, mas a gente respeita a decisão do Congresso de manter a desoneração.

Isso mostra que a entidade nem sempre apoia integralmente os empresários?
A gente é a favor do equilíbrio. Tudo que é privilégio ou subsídio a gente é contra. Nos quatro anos de Bolsonaro, em que pese nunca ter gostado de propagar a cultura, ele liberou R$ 12 bilhões em Lei Rouanet (legislação federal de incentivo à cultura). No governo Lula, foram R$ 17 bilhões somente no ano passado. E eu entendo que o ministro Fernando Haddad deveria definir limite anual, como algo em torno de R$ 6 bilhões. No momento em que é necessário apertar os cintos, não dá para destinar R$ 17 bilhões a projetos culturais em um país em que há tanta gente passando fome. Sou a favor da cultura, só não acho justa essa conta.

Nessa análise, então, o quanto o senhor acredita que o subsídio prejudica o setor produtivo brasileiro?
É algo muito ruim, porque a economia deixa de ser livre e passar a andar mais por meio de lobby empresarial. Hoje há R$ 18 bilhões em subsídios. O que precisa é diminuir esse privilégio de forma gradativa. Essa não é uma falha só desse governo, é uma falha do Brasil. A Esfera defende o crescimento do Brasil e um País mais justo. O subsídio deteriora e atrapalha outros setores. Alguém vai ter que pagar essa conta. Aqui, a gente discute o Brasil como um todo e não apenas com visão setorial.

Quais as principais diferenças de Fernando Haddad e Paulo Guedes no comando da economia no Brasil?
Haddad ouve as demandas do setor produtivo. Paulo Guedes, apesar de ser brilhante, não deixava ninguém falar. Ele não gostava de ouvir e só de falar. O governo anterior sucateou as indústrias brasileiras. Com a unificação dos ministérios pelo Paulo Guedes, não houve política industrial nos quatros anos do governo Bolsonaro. Do governo Lula, Haddad é o ministro que enxerga o Brasil como um todo. Ele sabe que precisa ter dinheiro para o Bolsa Família, mas também não pode deixar de olhar para os empresários. Ele é completo.

Isso o credenciaria para ser o sucessor natural de Lula?
Eu o vejo, sim, como um sucessor natural. Se o presidente Lula não exercer seu direito de ser candidato à reeleição ou depois de um possível segundo mandato, Haddad deve ser o nome natural. Lula é o político vivo mais preparado, mas muitos empresários se assustam com falas como ingerência no Banco Central, Vale, fim do Marco do Saneamento. Ainda assim, ele dá banho no governo anterior, principalmente em sustentabilidade. O mundo hoje tem certeza de que o Brasil vai cuidar da Amazônia.

O quanto será positivo para a imagem do Brasil a oportunidade de presidir o G20?
Teremos três grandes oportunidades. A primeira, que é conjuntural, e que é gigante a favor do Brasil. A segunda é o G20, que vai projetar o País para o mundo. E ainda teremos a COP30, em novembro do ano que vem, em Belém (PA), que o Brasil vai dar um show. A gente ainda não entendeu a quantidade de dinheiro relacionado à crédito de carbono que o Brasil vai receber. Mudança de matriz energética para energia limpa será um dos caminhos de crescimento do País.