Credibilidade do Banco Central e expectativas de inflação
Por Vitoria Saddi
As expectativas dos agentes econômicos são a mola crítica para o controle da inflação. Convencer o público do comprometimento da autoridade monetária acerca da trajetória da inflação é tão importante quanto a qualidade e o conteúdo da estratégia do Fed (ou qualquer outro Banco Central). Tais expectativas afetam não apenas as decisões de curto prazo, mas também as projeções de longo prazo e a credibilidade do formulador de política econômica. O objetivo deste artigo é explicar como a formação das expectativas alimentam a inflação e como as atitudes das autoridades monetárias conseguem ancorar tais expectativas.
Quando os integrantes do Comitê de Política Monetária (Copom, do Banco Central do Brasil) ou o FOMC (sigla em inglês para Comitê Federal de Mercado Aberto, responsável pela política monetária dos Estados Unidos) se reúnem, um dos seus objetivos primários é manter a estabilidade de preços, o que significa manter a inflação sob controle. Quando os EUA optaram por iniciar o ciclo de alta de juros em março de 2022, havia dois objetivos. O primeiro e mais imediato era o tradicional desaquecimento da demanda. A alta de juros encarece o crédito, as pessoas passam a comprar menos, o que induz a uma queda do consumo e, assim, após alguns meses há uma queda do PIB. Do lado da produção, juros mais altos também atuam no sentido de retrair a oferta, reduzir o número de pessoas empregadas já que não haverá mais uma demanda tão alta e assim, contribuir também para a redução do PIB. A queda do PIB, por sua vez, irá atuar na ‘mente’ das pessoas e nas suas expectativas quanto ao futuro da economia. Quando percebemos que a autoridade monetária está comprometida com uma trajetória de política iremos acreditar que a inflação em breve irá ceder. E, tomaremos nossas decisões de investimento e consumo com base em tal crença.
O segundo objetivo de política econômica é a capacidade da autoridade monetária em ser crível o suficiente para reduzir e ancorar as expectativas. Não há nenhuma medida amplamente aceita da confiança na autoridade monetária. Não obstante, a credibilidade de qualquer Banco Central pode ser determinada pelo tamanho da recessão que o governo precisa produzir para obter uma estabilização dos preços. No caso dos Estados Unidos, o Fed conseguiu baixar a inflação de quase 10% para 3.2% com um pequeno aumento no desemprego. Ou seja, quanto menor o aumento do desemprego necessário para trazer a inflação para a meta de 2%, mais crível será o Banco Central e menor é o tamanho da recessão necessária para obtê-la.
Há um exemplo clássico do comprometimento da autoridade monetária, que ocorreu em 2008. Durante a crise financeira quando as taxas de juros de curto prazo (a Fed funds rate) chegaram a zero, o país enfrentava aumento brutal do desemprego, falências bancárias e desintermediação financeira. A taxa de juros zero não foi suficiente para tirar os EUA da espiral deflacionária ou de induzir algum crescimento. Ao contrário, os preços continuavam a cair num cenário típico da deflação e o desemprego a subir. O presidente do Fed, Ben Bernanke, surpreendeu o mercado e anunciou a adoção de uma primeira compra massiva de títulos públicos com vistas a combater deflação. O Fed resolveu apostar todas as fichas que o problema em dezembro de 2008 não seria a inflação que viria de compras massivas de títulos públicos. O Fed dizia reiteradas vezes que seu objetivo seria evitar a todo custo uma reedição da grande depressão de 1929 e 1930. O mercado confiou inteiramente que enquanto os EUA não voltassem a registrar taxas de crescimento positivas e o país registrar taxas de inflação de mais de 2% e desemprego menor do que 5% as compras de títulos iriam continuar. Em contraste no Japão as compras de títulos eram menores do que as dos EUA como também eram interrompidas sempre que a inflação registrava algum tipo de alta.
Em síntese, num país como os EUA onde a credibilidade do Banco Central é máxima, é possível que a política de desinflação tenha êxito e a inflação volte a ficar abaixo da meta de 2% sem induzir uma recessão ou mesmo aumento no desemprego. Tal ‘soft landing’ é basicamente fruto da credibilidade ímpar do Federal Reserve.
VITORIA SADDI é estrategista da SM Futures. Dirigiu a mesa de derivativos do JP Morgan e foi economista-chefe do Roubini Global Economics, Citibank, Salomon Brothers e Queluz Asset, em Londres, Nova York e São Paulo. Também foi professora na California State University, na University of Southern California e no Insper. É PhD em economia pela University of Southern California.