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Dados com alma: as lições de um século da P&G

Gigante dos bens de consumo compartilha com seus parceiros os dados das pesquisas que realiza há 100 anos. Resultado: todo mundo vende mais

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Segundo estudos da P&G, o design do estabelecimento, a organização das gôndolas e a disposição dos produtos são fatores importantes para o cliente se sentir mais à vontade nas lojas e comprar mais (Crédito: Divulgação )

Por Beto Silva

Dividir para multiplicar. O conceito não é novo. Tampouco simples. Pode-se dizer que é tão antigo quanto complexo. É uma fórmula usada por muitos no mundo corporativo, mas com raros resultados práticos. A P&G é um desses casos de sucesso. A gigante americana de bens de consumo de saúde, beleza e higiene realiza desde 1914 pesquisas para conhecer melhor os consumidores e seus hábitos. Por décadas esses dados foram utilizados apenas internamente. De uns anos para cá, a companhia resolveu dividir essas informações com os lojistas parceiros, para multiplicar as vendas. Deles e da própria empresa, pioneira em estudos do consumidor. Tem dado certo.

Globalmente, a receita da P&G tem aumentado.
O faturamento registrado em 2019, antes da pandemia, foi de US$ 67,7 bilhões.
O ano fiscal de 2023 fechou em US$ 82 bilhões.
São aplicados US$ 2 bilhões por ano em P&D de novos produtos e em conhecimento dos consumidores.

“Aprendemos a compartilhar tudo o que sabemos com nossos parceiros. Quem melhor conseguir usar os dados para melhorar o relacionamento com seus shoppers e consumidores, vai obter melhores resultados”, disse o presidente da P&G Brasil, André Felicíssimo, a players do setor de farmácias na semana passada, na sede da companhia na capital paulista. Foram cinco dias cheios de encontros dos executivos da empresa com representantes de drogarias, mercados, atacarejos, distribuidores e de outros segmentos de parceiros.

“Levantamos informações quantitativas e qualitativas. Dados precisam ter alma. Só com dado não se consegue contar uma história.”
Tirso Mello, VP de Vendas

(claudiobelli.com)

Percebeu que Felicíssimo utilizou os termos “shoppers” e “consumidores”? Para muita gente é a mesma coisa. Mas a P&G os diferencia bem. Os shoppers são os compradores, quem vai no ponde de venda adquirir um produto. Um marido que compra absorvente para a esposa é um shopper. E, nesse mesmo exemplo, a mulher é a consumidora.

O que a P&G faz é um trabalho de consultoria que vai muito além de buscar números e levá-los aos parceiros. Realizado anualmente, o levantamento engloba questionários com 6 mil consumidores, que respondem a 40 perguntas sobre organização, atendimento, localização e preços de 55 varejistas cm operação física e outros tantos com atuação on-line.

Desse trabalho são extraídos alguns dados quantitativos, que se somam a uma análise mais crítica e qualitativa, parte que inclui avaliação de comentários das pessoas nas redes sociais, rodas de conversas e até acompanhamento dos consumidores no momento da compra. “Dados precisam ter alma. Só com dado não se consegue contar uma história”, disse Tirso Mello, vice-presidente de vendas da P&G Brasil.

“O modo de consumo mudou durante a pandemia. Inclusive o meu. Agora, todo mundo compra tudo em todo lugar.”
Marcos Bauer, diretor de Inteligência de Mercado

(claudiobelli.com)

O estudo dos hábitos de consumo é tão importante que os executivos graúdos da companhia acompanham os shoppers para fazer observações. Felicíssimo já foi dezenas de vezes a campo verificar o comportamento dos shoppers. Recentemente, o indiano Shailesh Jejurikar, COO (Chief Operating Officer) global da P&G esteve no Brasil e também esteve ao lado de brasileiros comprando seus produtos para ver e comprar com pessoas de outras nacionalidades.

As diferenças entre brasileiros dos demais mundo afora também estão nas planilhas centenárias da P&G. O dado geral é que o Brasil é a nona maior economia do planeta, mas o mercado de beleza brasileiro é o terceiro maior do mundo. O dado específico é que as brasileiras compram de seis a sete produtos do ramo, enquanto mulheres de outros países adquirem um ou dois.

Jejurikar observou isso com os próprios olhos, quando uma shopper abraçou, sem quase conseguir segurá-los com os dois braços junto ao corpo, uma dezena de produtos dentro de uma loja em Salvador (BA).

“É do Brasil o maior consumo per capita de itens pós-xampu do mundo”, disse Marcos Bauer, diretor sênior de inteligência de mercado da P&G Brasil. “E cresce ano a ano”, afirmou, ao complementar que esse é um dos motivos da mudança dos negócios das farmácias, que passaram de exclusivamente vendedoras de remédios décadas atrás para dedicar espaço significativo para produtos de higiene e beleza e, mais recentemente, atuar como centro de saúde e bem-estar geral.

Executivos da P&G deram insights sobre consumidores e shoppers aos principais parceiros durante uma semana, na sede da empresa, em São Paulo (Crédito:Divulgação )

NO DETALHE

A P&G disponibiliza insights de consumo tanto macros quanto detalhados para seus parceiros. No campo de informações mais gerais está a diferenciação do pensamento do consumidor sobre os tipos de varejo.

Segundo dados da companhia, o brasileiro não gosta de ir ao atacarejo. Mal-humorado, ele vai pelos preços atrativos, sabendo que passará por aborrecimento das intermináveis filas para pagar as compras.
Já o pensamento sobre o supermercado é diferente, pois lá ele sabe que encontrará os produtos necessários.
Na farmácia, as pesquisas mostram que os shoppers gostam de visitá-la.

“Muitas pessoas se arrumam para ir à drogaria”, afirmou em tom bem-humorado Marcos Bauer. Ele revelou ainda que o modo de consumo mudou em decorrência da pandemia. Inclusive os dele. Faz por aplicativo a compra mensal, que normalmente seria feita no canal físico, em um supermercado. E realiza em grandes lojas as compras emergenciais, que poderiam ser feitas por app ou no pequeno varejo de proximidade. “Todo mundo compra tudo em todo lugar”, disse Bauer.

Para integrantes do canal farma, o executivo apresentou dados pormenorizados de como as lojas podem vender mais.
Em média, cada pessoa compra 2,1 produtos.
O desafio é aumentar essa quantidade, já que esse setor registra boa frequência de consumidores.

“As pessoas vão na farmácia e ficam 5 minutos. Em 80% desse tempo estão numa fila, seja do balcão de atendimento ou do caixa”, explicou o diretor, ao apontar algumas dicas, baseadas em números, claro, para solucionar o problema.

O design do estabelecimento, a organização das gôndolas e a disposição dos produtos são importante para o cliente se sentir mais à vontade. Nas prateleiras, menos é mais.
Um estudo com duas gôndolas de biscoitos, uma com 27 opções e outra com oito, revelou que a que tinha menos tipos vende mais.
No local com mais itens, o número de consumidores que foram embora sem comprar nada foi cinco vezes maior.

“Às vezes, mais sortimento estressa o shopper”, afirmou Bauer. Arrumar gôndolas com produtos alinhados na vertical foi outra dica. “As pessoas não sabem o nome da marca, mas sabem a cor do produto.”

Oferecer o mix perfeito em determinadas categorias rende 17% mais vendas.
E o simples fato de separar lâminas de barbear masculina de lâminas de depilar femininas incrementa 8% as duas categorias.

Pelos dados tabulados pela consultoria da P&G a partir dos números e experiências, o Pão de Açúcar inaugurou um espaço inovador em uma de suas lojas na cidade de São Paulo. “Não podemos revelar os resultados ainda, mas são muito positivos”, disse Tirso Mello, VP de vendas da P&G Brasil. Assim, a companhia usa o velho e bom conceito de dividir para multiplicar.

Nova fralda Pampers tem P&D no DNA

A P&G acaba de colocar no mercado um novo tamanho de fralda Pampers. O modelo XXXG da marca líder em vendas do segmento no Brasil e no mundo poderia ser apenas mais um lançamento de tantos outros da companhia, que possui cerca de 1,4 mil SKUs (Stock Keeping Unit, sigla para cada unidade de produto) ativos no País, de 20 marcas, entre elas Gillette, Pantene, Oral-B e Downy.

Mas exemplifica bem o trabalho de P&D realizado pela empresa que estuda tanto inovações em produtos quanto o comportamento do consumidor. “É resultado da nossa estratégia de conhecer melhor o consumidor. Essa tendência para fralda maior foi observada mais depois da pandemia”, disse Diego Cerda, vice-presidente de cuidados com bebês e cuidados femininos da P&G na América Latina.

(Divulgação)

O produto, para bebês acima de 19 quilos, já está à venda. Tem cintura maior, comprimento expandido e centro absorvente mais robusto em 10%. Está sendo produzido na fábrica de Louveira (SP) da P&G. Um dos poucos do mundo da companhia que, além do parque fabril, conta com um laboratório e uma estrutura de distribuição.

Lá estão 150 cientistas, sendo 58% mulheres, de oito nacionalidades, que são responsáveis por ouvir, vivenciar e entender tudo sobre o consumidor latino-americano. O Centro de Inovação é responsável por abrigar pesquisas para as unidades de Cuidados com Bebês, Beleza, Casa e Higiene, Femininos e Orais. É dedicado também a pesquisas com shoppers e consumidores, que vão desde conversas com grupos de clientes até sessões de realidade virtual.