Coca-Cola: entenda a importância da operação brasileira, que vai receber R$ 4 bi
Gigante global de bebidas anuncia investimento de R$ 4 bilhões no País para crescer de forma sustentável com inovação. A estratégia prevê garantia de acesso à água para pessoas em situação de crise hídrica
Por Sérgio Vieira
RESUMO
• Brasil é a quarta maior operação global da Coca-Cola e um mercado estratégico da gigante dos refrigerantes
• América Latina representa quase 1/4 da receita global e o Brasil performou em 2023 o dobro da média internacional
• Sob comando de Luciana Batista, primeira mulher presidente da operação brasileira, País vai receber R$ 4 bilhões em investimentos em 2024
• Parte desse aporte vai para inovação, como IA, para atender B2B e consumidor final – são mais de 1 milhão de pontos de venda no Brasil
• Executiva reforça compromisso da Coca-Cola em ajudar regiões com maior índice de estresse hídrico
O segredo mais bem guardado na história da indústria de bebidas no mundo perdura desde 1891. Foi há 133 anos que o americano Asa Griggs Candler comprou os direitos sobre a fórmula de um refrigerante desenvolvido por John Pemberton e fundou a companhia Coca-Cola em Atlanta, nos Estados Unidos. A partir daí, o visionário empreendedor criou a aura de mistério em torno dos ingredientes, mantendo a receita original em um cofre, muito bem protegida. Mas se a fórmula secreta do principal produto da gigante global de bebidas segue intacta, o caminho para o crescimento da companhia não é segredo para ninguém.
Parte da chave dessa alavanca está justamente no Brasil, quarta maior operação global da Coca-Cola, atrás apenas de Estados Unidos, China e México. Para se ter uma ideia de como a empresa tem o foco no consumidor brasileiro, o País é citado quatro vezes no balanço financeiro de 2023.
Na receita mundial de US$ 48,5 bilhões registrada no ano passado (com crescimento de 6% no faturamento e 2% no volume), a América Latina foi responsável por 22% do total (pouco acima de US$ 10 bilhões), impulsionada pelo desempenho de Brasil e México, o dobro da média internacional.
Para crescer ainda mais, a empresa enxerga a necessidade de mais investimentos.
• Para o Brasil, estão previstos R$ 4 bilhões em 2024.
• O valor é R$ 1 bilhão a mais do que tem sido aportado no País nos últimos anos.
• O volume será aplicado em quatro pilares: inovação, crescimento sustentável, iniciativas ambientais e ações concretas de acesso à água a pessoas em situação de crise hídrica.
Para liderar essa nova fase de crescimento está Luciana Batista, a primeira mulher presidente da história da Coca-Cola no Brasil (e que também comanda as operações na Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai e Bolívia).
No cargo desde julho do ano passado, a executiva, que antes ocupava a função de senior partner na consultoria Bain & Company, entende que o desenvolvimento da companhia está diretamente ligado à agenda de sustentabilidade e diversidade. “A gente quer ter orgulho de seguir como alavanca de crescimento para a Coca-Cola, investindo nas pessoas, na diversidade do time, nas comunidades e no meio ambiente”, disse Luciana, em entrevista exclusiva à DINHEIRO.
“Estabelecemos compromissos importantes de fornecer informações para que a população possa escolher a bebida que faz parte de seu estilo de vida.”
Victor Bicca, presidente da Abir
A estratégia também passa por ações inovadoras nas unidades fabris para uma produção mais eficiente e, por consequência, mais sustentável. No Brasil, a companhia possui sete engarrafadores (Andina, Bandeirantes, Brasal, Femsa, Solar, Sorocaba e Uberlândia), além da Leão Alimentos e Bebidas. “Há uma oportunidade muito grande de crescimento em consumo das nossas categorias no País e temos investido nisso. Para crescer, é necessário investir”, disse a presidente da Coca-Cola.
Os recursos aportados envolvem modernização e ampliação da capacidade de produção dos parceiros brasileiros da Coca-Cola. “Todos eles estão com investimentos em curso, além de ampliação de frota para entrega dos produtos”, afirmou, ao dimensionar o maior volume de recursos feito nos últimos anos pela empresa. “É a soma dos pilares que compõe nossa aposta no Brasil”, disse. Entre as ações está o compromisso em garantir mais eficiência no uso de água e no consumo de energia dos refrigeradores.
O grande desafio nessa jornada, como reconheceu a presidente, é fazer com que a agenda positiva esteja diretamente ligada à sustentabilidade do negócio. “A redução do consumo de água é boa para o meio ambiente e reflete uma redução de custos. É o cenário ideal”, afirmou. “Quando adotamos garrafas retornáveis, o produto fica mais acessível, com preços competitivos. O impacto total é muito positivo.”
A inovação se estende ao aumento de opções para o consumidor, com um portfólio amplo de produtos para atender quem procura um refrigerante com menos açúcar, prefere beber chá mate ou um suco à base de soja, por exemplo. “Como consequência desse foco, temos aumentado nossa participação nesse segmento em que garantimos o sabor, mas com menos calorias”, disse a executiva.
Para o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e Bebidas não Alcoólicas (Abir), Victor Bicca, a ideia de que o setor tem grande responsabilidade nas taxas de obesidade da população está errada. Os números oficiais mostram justamente o contrário, com a preocupação das empresas em contribuir nessa jornada. “Não somos os culpados, mas queremos ser parte da solução. Estabelecemos compromissos importantes de fornecer informações para que a população possa escolher a bebida que faz parte de seu estilo de vida.”
15 bilhões de litros
Pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde mostra que, entre 2006 e 2023, a taxa de obesidade aumentou 105,9% no País. Na contramão desse dado, o estudo também traz que, entre 2007 e 2023, houve uma redução de 51,8% no consumo regular de refrigerantes.
Para corroborar com essa tese, pesquisa do IBGE verificou que o consumo de refrigerantes e outras bebidas adoçadas representa somente 1,7% das calorias ingeridas pela população brasileira. “A Anvisa comprovou que reduzimos muito a quantidade de açúcar dos produtos, bem acima do índice estabelecido”, afirmou o executivo, que representa 72 empresas, com mais de 2 milhões de empregos e que compõem mais de 90% do mercado de bebidas não alcoólicas. No ano passado, as companhias produziram no País 15 bilhões de litros de refrigerantes.
A fortaleza de crescimento da Coca-Cola e da presença do portfólio amplo no mercado nacional está na enorme capilaridade do alcance de distribuição das bebidas comercializadas pela empresa.
No Brasil, a companhia tem mais de 1 milhão de pontos de venda. Além do apoio no varejo tradicional, a gigante de bebidas realiza investimentos no desenvolvimento dos canais digitais, tanto para atender o cliente final quanto o formato B2B, incluindo o uso da Inteligência Artificial.
“A Coca-Cola tem um peso desproporcional na importância do desenvolvimento dos pequenos lojistas. Eles são parte da alma do nosso negócio”, disse a executiva. “Sem excluir o contato humano, que é muito importante, a conexão tem sido cada vez mais digitalizada, incluindo recomendações de compra e facilitando o trabalho para o empreendedor”, afirmou Luciana.
Justamente por isso que o tema empoderamento econômico também está no topo das iniciativas na nova gestão da Coca-Cola no País. A meta da companhia é impactar na América Latina, até 2030, 3 milhões de pequenos negócios. Somente no Brasil, a empresa já beneficiou mais de 600 mil pessoas com apoio comercial e capacitação desses pequenos comerciantes.
E até para ampliar ainda mais sua fatia de participação, a empresa tem entrado de forma mais significativa no mercado de bebidas alcoólicas. Recentemente, a companhia lançou a bebida Jack & Coke, mix entre a Coca-Cola e o uísque Jack Daniel’s, muito comum em casas noturnas.
Nesse conceito de drinques prontos, a empresa também ampliou o portfólio de gin tônica produzida pela Schweppes.
“O que a gente deseja é estar em todas as opções de bebidas das pessoas. Nosso papel é oferecer para que o consumidor faça sua escolha”, disse.
Ao mesmo tempo, ela entende que é preciso olhar para as comunidades em áreas de situação de vulnerabilidade e seus desafios. O empenho da Coca-Cola tem sido em garantir água a pessoas que vivem em áreas de crise hídrica. “A gente vende bebidas, mas tem o compromisso de dar acesso à água para a população. Nossas iniciativas alcançam 430 comunidades em 10 estados, beneficiando 180 mil pessoas.”
Para proteger também os recursos hídricos locais, a empresa acabou de celebrar uma aliança com o Pacto Global da ONU e Instituto Cerrados, chamada Coalização Brasileira de Resiliência Hídrica.
FAZER A DIFERENÇA
Para a presidente da Coca-Cola, a chegada ao comando da unidade brasileira da multinacional representa a chance de colocar em prática as iniciativas que ela sempre sugeriu às empresas enquanto atuou na consultoria. “O papel de consultora é mais fácil, com análises e recomendações para empresas. Agora, do outro lado, a missão é entender e mobilizar ações tão importantes como a sustentabilidade”, afirmou Luciana. “A chance agora é tirar do papel e fazer a diferença.” Tudo isso sem nenhum segredo. E com muito trabalho.
ENTREVISTA
Luciana Batista, presidente Coca-Cola Brasil e cone sul
Como tem sido o desafio de comandar a Coca-Cola no Brasil e Cone Sul nesses nove meses?
Tem sido importante esse papel de mobilizar as pessoas, de colocar a agenda ESG no topo das iniciativas da empresa. A gente precisa ter consciência de nossas prioridades, que é assegurar o impacto nas comunidades em que a gente atua, e clareza de nossa agenda ligada à água, empoderamento econômico, circularidade. E sustentabilidade não se faz sozinha. A gente tem espaço de colaboração com parceiros, ONGs e hubs de inovação. Um problema complexo precisa ser resolvido a várias mãos. E o que precisa ser parte do DNA da companhia é avançar nestes temas. Uma decisão de investimentos em capacidade produtiva precisa estar conectada com eficiência no uso de água e consumo de energia, por exemplo. A gente tem um papel multiplicador muito grande e não podemos fugir dessa nossa responsabilidade.
E como garantir com que essa agenda sustentável esteja conectada com o crescimento do próprio negócio?
Essa é a questão central. Sustentabilidade deve ser vista como oportunidade de crescimento. Quando a gente junta as duas coisas, é muito positivo. Dá para aliar eficiência com ações sustentáveis, colocando menos material no meio ambiente e economizando recursos. É interessante de ver como uma empresa centenária como a Coca-Cola segue se reinventando e pensando sempre em seu modelo de negócio. Prioridade é investir no crescimento, com um conjunto enorme de oportunidade a partir de nosso grande portfólio, dando todas as opções para o consumidor. A Coca-Cola tem que estar onde o consumidor estiver.
Para a empresa, isso passa também por garantir a perenidade dos recursos hídricos?
Totalmente. A gente tem, desde 2007, o compromisso de neutralidade hídrica. Foi a primeira empresa a assumir essa questão, em um momento em que o tema ainda não era tão discutido. E como consequência, a gente atingiu, em 2015, o índice de reposição de 100% nas bacias hidrográficas. E hoje estamos com 160% de reposição em toda a água que a gente consome. Aliado a isso, a gente apoia projetos de recuperação de bacias, desde iniciativas de conservação de áreas verdes até projetos que estão conectados à inovação.
De que forma?
O desafio tem sido justamente atuar em regiões com maior índice de estresse hídrico. Identificamos 60 bacias hidrográficas no mundo inteiro nessas condições, e ali buscamos a neutralidade dentro das bacias, que é mais difícil. Temos no Brasil 10 fábricas prioritárias para reposição hídrica.
Essa proteção envolve as pessoas que vivem em área sem acesso à água?
Sim. Esse é um pilar muito importante para nós. Multiplicar esse impacto é algo fundamental para nós. Temos parcerias com 17 organizações. No Brasil e Cone Sul, realizamos nos últimos anos investimentos da ordem de R$ 100 milhões nos pilares ligados a proteção de bacias e acesso da população de baixa renda. Em 2024, vamos investir mais R$ 13 milhões para a continuidade e expansão desses projetos. Como empresa de bebidas, somos mobilizadores nessa pauta. A gente está falando de 40 mil pessoas impactadas.
Como primeira mulher presidente da Coca-Cola no Brasil, como o tema diversidade e inclusão tem sido importante?
É uma empresa que tem o foco enorme nesse tema. Na América Latina, 60% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres. O primeiro papel, como presidente, é esse de representatividade, em que as mulheres podem olhar e ver que é possível. Nossos parceiros engarrafadores também estão junto conosco nessa pauta. Isso é muito importante. Para mim, como propósito pessoal, é algo no qual eu me identifico. É possível ter performance com pessoas diversas e com mínimo de impacto ambiental.