Estratégia é outra coisa
Por Luís Guedes
Apesar de ser algo para celebrar, acertar o alvo não é uma estratégia. É um evento. “Estrategiar” tem a ver com escolher o tempo todo, tendo como fundamentos o que lhe define — diz respeito mais à essência do que ao objetivo imediato. Uma sequência de escolhas informadas pode nos levar, ou não, a acertar alvos significativos ao longo do tempo, mas o caminho que nos levou até lá é tão (ou até mesmo mais) importante do que o evento em si.
Uma guerra civil é uma contradição em termos. No turbilhão da Guerra Civil Americana, Abraham Lincoln precisou tomar uma decisão dramática em uma nação profundamente dividida. A escolha dos generais em campo era mais do que uma nomeação, mas uma decisão carregada com o peso do futuro do país que se queria, livre da escravidão. A dificuldade que só podemos imaginar era encontrar, urgentemente, líderes militares não apenas competentes no campo de batalha, mas também alinhados com a visão moral e política de Lincoln, especialmente em relação à abolição da escravatura.
George McClellan formou-se com honras em West Point e aos 34 anos foi nomeado segundo em comando da União, assumindo o comando total em seguida. O general McClellan logo se destacaria por suas habilidades organizacionais e de comando da tropa, mas pesou sua hesitação e falta de combatividade nos confrontos. Ao contrário de quem viria a sucedê-lo, ele sempre ocupou alta patente e nunca havia passado por uma derrota em campo. Quando se tornou líder das forças armadas da União, congelou… Ele superestimou a força do inimigo mais de uma vez e sua postura excessivamente cautelosa não apenas frustrou Lincoln, mas também simbolizou um conflito maior: a luta entre a prudência militar e a urgência de decisões audaciosas em tempos de crise.
Fazer estratégia não é atividade livre de riscos, muito pelo contrário. Essa é uma das razões pelas quais deve ser animada pela coragem, construída sobre valores, inspirada pela visão de futuro e articulada com olhos para o resultado
Frente a sua primeira derrota, a história registra a frustração de McClellan, culpando em uma carta à sua esposa seus comandados diretos (“pessoas desprezíveis”) e seu chefe, o presidente, a quem chamou de “um babuíno bem-intencionado”.
A decisão de Lincoln de destituir McClellan foi complexa, calculada, arriscada, veio a tempo e foi orientada por valores, ideais e metas políticas. Liderar é chamar para si a responsabilidade, sobretudo em tempos difíceis. Ulysses Grant, o sucessor de McClellan, graduou-se em 21º lugar na sua turma em West Point. Porém, seu esmero, disciplina, rigor e coragem deram à União o momento necessário para vencer uma, duas, três batalhas e, enfim, a guerra. Grant entrou para história por ser o colega de trabalho que gostamos: tira o máximo dos recursos que tem, nunca pede reforços e não reclama. Não era perfeito, como Lincoln observou, mas fez o trabalho.
A decisão de Lincoln não apenas mudou o curso da guerra, mas vista em retrospectiva, fala sobre a importância da coesão entre a liderança tática e a visão estratégica. Fazer estratégia não é atividade livre de riscos, muito pelo contrário. Essa é uma das razões pelas quais deve ser animada pela coragem, construída sobre valores, inspirada pela visão de futuro e articulada com olhos para o resultado. Estamos em crise, caríssima leitora, estimado leitor, precisamos de estrategistas visionários, corajosos e bons de mira.
Luís Guedes é professor da FIA Business School