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A mea culpa do dólar alto

Cenário internacional explica parte da desvalorização do Real, mas sinais do governo também cobram seu preço no câmbio

Crédito: Divulgação

Por Paula Cristina

Até parece um déjà vu. “O dólar só vai bater R$ 5 se a gente fizer muita besteira”, disse o então ministro da Economia, Paulo Guedes. De fato ele estava certo. As ações do governo interferem diretamente na cotação do dólar e desvalorização do real, uma gangorra difícil de equilibrar, ainda mais quando o cenário externo também provoca seus efeitos na moeda americana mundo afora. Em evento do FMI nos Estados Unidos no dia 17 de abril, o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, jogou no cenário externo dois terços dos motivos que levaram o dólar a bater R$ 5,28. Mas isso só explica parte da narrativa.

A verdade é que o dólar já vem tremendo diante de outros sinais do governo.
Os impasses na Petrobras abalam o dólar,
a dívida pública bater R$ 1 trilhão também.
A cereja do bolo foi a mudança da meta fiscal, jogando para 2026 (com otimismo) qualquer chance de superávit nas contas públicas.

Questionado se o terço restante poderia ser atribuído à revisão da meta fiscal, o ministro disse que acredita que ainda é preciso ser mais claro com o mercado sobre o que vai acontecer nas contas públicas. “Nós estabelecemos uma trajetória que é consistente com o equilíbrio da dívida pública, mas factível à luz dos movimentos do Congresso Nacional nesses 15 meses, quase 16 meses que estamos à frente do governo. Sopesando as forças que estão envolvidas”, disse o ministro na chegada ao evento do G20, organizado pelo FMI e pelo Banco Mundial. “A mudança [da meta] criou uma trajetória que parece mais consistente do que aquela que foi anunciada em março do ano passado”, disse.

Segundo Haddad, o plano sempre foi antecipar o o equilíbrio fiscal. “Mas nós estamos numa democracia e nós estamos negociando as medidas com o Congresso”, afirmou o ministro.

Sem mencionar explicitamente derrotas recentes do governo no Legislativo, Haddad afirmou que a Fazenda precisa “negociar todas as medidas, caso a caso e, em geral, com perdas”. “Na negociação, sempre a Fazenda acaba ficando desfalcada de algum pedaço que era importante para o fechamento das contas”, afirmou o ministro.

ARCABOUÇO

Ainda que a persistente inflação nos Estados Unidos, a sinalização de manutenção dos juros por um ciclo mais longo por lá e a escalada da guerra no Oriente Médio sejam desafios mundiais, economistas têm apontado sistematicamente o problema do Arcabouço Fiscal, medida que substituiu o Teto de Gastos de Michel Temer, mas que vai, no médio prazo, trazer problemas equivalentes.

Para Alexandre Schwartsman, economista e ex-diretor do Banco Central, a solução apresentada pela Fazenda, que basicamente reposiciona tributos e reduz pouco nos gastos, é inócua. “Não adianta falar de arrecadar mais, se não há um freio factível nas despesas”, afirmou o especialista. Este tipo de comportamento, inclusive, é um dos motivos que podem sustentar um dólar mais alto, e por mais tempo, do que deveria pelo comportamento da economia brasileira.

A questão das despesas, e sua relação com o dólar, também foi citada por Frederico Bello, que ocupou o cargo de secretário no ministério do Planejamento de Temer. “Eu vejo [no Arcabouço Fiscal] o mesmo problema que percebemos no Teto [de Gastos]”, disse. Segundo ele, ainda que a nova âncora fiscal possibilite uma margem de 2% acima do PIB para investimentos no ano seguinte, há setores que vão precisar de mais do que isso apenas para ter manutenção adequada. “A Saúde e Previdência Social, já em 2024, vai exigir mais que isso. E aí?”.

É no “e aí?” que o mercado reage mal. A falta de certeza sobre as despesas públicas torna o Brasil menos interessante para o capital estrangeiro, enfraquece o real e resulta, por exemplo, no atraso da queda da Selic. Em um efeito dominó perverso, a morosidade da queda na Selic desemboca no aumento do custo da dívida pública, o que compromete os gastos e desvaloriza o real. E é por isso que a frase de Paulo Guedes nunca me sai da cabeça.