Economia

Recursos privados bancam 78% dos projetos com benefício público

Segundo consultoria, maior parte de investimentos em áreas como telecom, energia e saneamento vem de empresas; governo ainda precisa de muito para acompanhar o ritmo

Crédito: Paula Cristina

Por Paula Cristina

“Queremos que o Brasil volte a ser um canteiro de obras. Gerando empregos e ativando a economia.” Com essas palavras, proferidas durante seu discurso após a vitória nas eleições em 2022 para um público que lotava a Avenida Paulista, Lula tentou dar o tom de seu governo. A ideia era que a máquina pública daria tração na economia com infraestrutura — uma estratégia similar à concebida durante suas duas primeiras gestões. Depois do primeiro ano de seu terceiro mandato, o resultado não foi bem assim. Segundo análise da Tendências Consultoria, no ano passado 78% dos investimentos em projetos de transporte e logística, saneamento básico, energia elétrica e telecomunicações partiram de empresas privadas, enquanto 22% foram públicos.

O levantamento usa dados do BNDES e da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB). Segundo Walter de Vitto, sócio da Tendências Consultoria, o Brasil investe entre 15% e 16% do PIB em projetos de infraestrutura (entre público e privado), valor abaixo do considerado ideal pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para um país emergente, que seria entre 20% e 21% do PIB nacional.

“Para chegar lá é importante a continuidade dos avanços na esfera regulatória, como a aprovação de marcos setoriais, como os de saneamento, gás e ferrovias.”

De acordo com ele, para este ano, a perspectiva é de que os investimentos sigam em alta. “Com um ritmo moderado de crescimento e os juros reais recuando de uma média de 8,3% em 2023 para 4,5% em 2028, a expectativa é de aumento dos incentivos para investimentos e consumo.”

Segundo a diretora de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática do BNDES, Luciana Costa, o banco quer se manter relevante nessa estapa. “Aprovamos R$ 57,4 bilhões em novos financiamentos para a infraestrutura em 2023 [alta nominal de 24%] e liberamos R$ 36,1 bilhões para projetos já aprovados [+27%]”, disse, para 2024, a diretora vê aumentos de 25% a 30% respectivamente.

O PAPEL DO PAC

Segundo Matheus Ferreira, economista e consultor da Tendências, o PAC pode ser decisivo para o setor ganhar tração. Pelo programa, 58% dos investimentos previstos no plano virão da área privada, 22% do setor público e 20% do investimento de empresas estatais. “A intenção é que haja a contratação de R$ 1,7 trilhão em investimentos, dos quais R$ 1,4 trilhão seriam executados até 2026”, disse. Parte dos recursos, inclusive, virão de concessões já desenhadas e definidas, como portos, aeroportos e ferrovias.

16% do PIB
é o quanto o Brasil investe em canteiro de obras

21% do PIB
é o quanto o brasil deveria investir em canteiro de obras

Mas para chegar ao ideal indicado pelo FMI é preciso destravar também os investimentos públicos diretos. E para isso o governo resolveu incluir um gatilho no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), enviado no dia 15 para o Congresso Nacional. Pelo texto, as emendas parlamentares que tiverem como destino obras dentro do PAC terão sua execução acelerada. O projeto fala em “tratamento prioritário” e torna lei um plano que o governo tentou emplacar no boca a boca neste ano, mas não obteve sucesso.

Parte do projeto de estímulo do governo Lula é reativar o programa de ferrovias. A ideia é que tanto o governo quanto a iniciativa privada apliquem recursos no avanço do modal (Crédito:Ricardo Stuckert)

Também poderiam “furar a fila” as emendas destinadas a projetos em andamento e, caso a obra durar mais de um ano, o parlamentar que destinar recursos para ela ficará comprometido a repetir o destino de sua emenda ano a ano, até sua finalização.

A medida evita um problema comum, em especial em ano eleitoral: canteiros de obras iniciados e abandonados. Imaginando que a prática não será muito bem digerida pelos parlamentares, o texto também carrega uma espécie de “promoção em dobro”. Trata-se da possibilidade de dobrar o valor da emenda, para destinar a outro fim, quando enquadrar o primeiro recurso no PAC. Uma estratégia para tentar equilibrar uma estrutura que abarque — além do benefício público e do recurso privado — o interesse político.