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“Com apostas regulamentadas só vão sobrar empresas sérias”, diz Marcos Sabiá, da Galerabet

Depois de lei aprovada em 2023, setor deve ter regras definidas pelo governo até o fim do ano. Expectativa é de que menos de 100 casas de apostas, das 2 mil existentes hoje no País, sejam autorizadas a atuar ­— o que dará mais garantias para o apostador com emprego de mão de obra qualificada e geração de tributos para a União

Crédito: Andre Lessa

Marcos Sabiá: "O benchmarking para esse setor é o sistema financeiro. Porque as casas de apostas são similares a bancos" (Crédito: Andre Lessa)

Por Beto Silva

Marcos Sabiá tinha tudo para não atuar no setor de apostas esportivas. É pastor evangélico, com carreira como executivo de RH em empresas como Braskem e Odebrecht (atual Novonor) e formado em Direito, sem sequer ter jogado truco na faculdade. Com amplo network, foi apresentado por um amigo a integrantes da Playtech, fornecedora de tecnologia para a indústria de jogos on-line. Fundada em 1999 e listada na Bolsa de Valores de Londres, a companhia registrou receita de 1,7 bilhão de euros no ano passado. Ela é proprietária majoritária da Galerabet, criada em 2022 para atuar no mercado brasileiro. Sabiá foi convidado a comandar essa operação no Brasil. É um dos mais ativos na defesa da regulamentação do setor, que vai trazer para o Brasil o registro das bets, que hoje estão em paraísos fiscais, e gerar arrecadação de R$ 12 bilhões com tributos.

DINHEIRO — O sr. é pastor evangélico, formado em Direito e nunca atuou na área de jogos. O que lhe atraiu para assumir como CEO da Galerabet?
MARCOS SABIÁ — Uma série de aspectos. O principal deles é de ser um grupo com compromissos muito sérios e sólidos, com compliance de jogo responsável. E por entender que é um setor de entretenimento e diversão, não de jogo.

Quais são os desafios do setor?
Tem o desafio de ser um mercado que precisa passar, como está passando, por um processo de regulamentação. Esse processo pode tirar o Brasil do mundo da ilegalidade nos jogos, desse estigma do jogo relacionado ao [jogo do] bicho, crime organizado, prostituição, e trazer isso para um outro nível. Que é onde ele está inserido nos países desenvolvidos, na indústria de entretenimento e da diversão.

Mas muita gente que joga não vê dessa forma e acaba perdendo tudo o que tem em apostas…
Fiz questão de estudar e entender a ludopatia, a compulsão por jogos. Existem muitos estudos sérios olhando para isso, em universidades como Harvard e Oxford. Eles demonstram que é uma compulsão com percentuais de adição muito similares a qualquer outra indústria. De 2% a 5% das pessoas que têm contato podem desenvolver algum tipo de compulsão, que o mesmo percentual que se encontra no álcool, no cigarro, no consumo, na comida… Mas isso não significa que seja tolerável.

O que tem sido feito para evitar esse problema?
A Playtech sempre mostrou seu compromisso de implantar tecnologias que identifiquem essa compulsão. Somos uma empresa que também desenvolve tecnologia para entender comportamentos compulsivos através de inteligência artificial para dar avisos ao jogador, bloquear o jogador, a partir da identificação de que está ficando muito tempo na plataforma e está gastando cada vez mais dinheiro. A indústria tem que ter o compromisso de combater os efeitos nocivos do produto dela. Se a gente tiver uma indústria robusta, séria, que combate esse tipo de malefício, construiremos uma indústria de longo prazo.

Esse mercado é visto como porta de entrada para fraudes financeiras, lavagem de dinheiro. É possível combater essas situações?
Quando a pessoa cria a conta no Galerabet, coloca o CPF e fazemos mais de 50 checagens de forma instantânea. Verificamos se é menor de idade, se é pessoa viva, se tem alguma sentença condenatória transitada em julgado. A minoria das empresas faz isso. Só fazem as que têm compromisso, que são as entusiastas da regulamentação, porque sabem que no mercado regulamentado não pode ter esse tipo de prática. Só depositamos de uma conta da Galerabet para uma conta bancária no nome da pessoa, nunca em conta de terceiros. Isso tudo coíbe lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, em que o traficante usa conta de casa de aposta para receber pela venda de droga. O benchmarking para esse setor é o sistema financeiro. Porque as casas de apostas são similares a bancos.

“Não adianta tributar muito o jogador porque ele vai para a informalidade. O mesmo vale para as empresas. E se a tributação for baixa, não há contrapartida para o País”

O que o sr. espera da regulamentação da lei aprovada no final do ano passado?
Sempre fomos entusiastas. É a regulamentação que vai dizer para as empresas que não pode vender para criança, que proíbe publicidade enganosa ou apelativa. As pessoas precisam ter a segurança de que é uma casa séria, de que é um sistema robusto. Por isso essa regulamentação não pode olhar só para aspectos de tributação. Não é somente exigir uma outorga de R$ 30 milhões para empresa operar, mas também exigir que ela tem uma plataforma certificada, que não tenha jogo manipulado, que não tenha ferramentas tecnológicas viciadas. Se o Brasil tem o prejuízo de ser penúltimo país do G20 a regulamentar as apostas esportivas [só o Brasil e Indonésia não fizeram isso ainda], também tem o privilégio de ser o 19º. Já existem outros 18 países regulamentados e sabemos o que deu certo e errado.

Quais são os aprendizados?
Sabemos que não adianta tributar muito alto o jogador porque vai para a informalidade. Não adianta botar a tributação alta para as empresas, porque elas vão para a informalidade. E também não adianta ser muito baixa, porque não terá contrapartida para o País. Não adianta só querer cobrar imposto e não exigir que a empresa seja sólida. A Inglaterra tem mais de 100 anos no mercado de apostas, sem escândalo, porque utiliza-se desses instrumentos.

Com relação à tributação, o que está colocado na mesa é satisfatório para as casas de apostas?
Tem a tributação de 12% do GGR [Gross Gaming Revenue], que é o resultado líquido depois do prêmio. E para o apostador tem uma discussão correndo. Tributar eventualmente a partir do limite do imposto de renda ou até não ter tributação. Importante lembrar que as empresas não vão pagar só esse imposto, tem o Imposto de Renda, PIS/Cofins, ISS… Quando chega nesse resultado final, estamos falando numa tributação que vai girar em torno de 25% a 30% do resultado da empresa. Que é uma tributação da maioria dos segmentos ao redor do mundo e é o que essa indústria também entende como saudável para uma operação, para atrair bons operadores.

“Quando alguém manipula um resultado é para tirar dinheiro da casa de aposta. Jogo deve ser uma coisa saudável. Cabe a nós constriuir na opinião pública esse conceito. E o legislador faz parte disso”

Diante disso, as bets vão pagar mais do que estão pagando hoje de IOF pelas transações internacionais?
A lei aprovada em 2018 autorizou a operação das casas de apostas. Tornou-se a indústria legal, mas não se regulamentou. De lá para cá, criou-se um hiato, com a lei autorizando, mas sem regulamentação. O mercado passou a operar com plataformas no exterior, em países como Curaçao e Malta. Sediadas no exterior, as remessas são instantâneas e são recolhidos o IOF de toda operação de câmbio. Com a regulamentação, só vai poder operar quem estiver sediado no Brasil. Pagaremos mais impostos, mas teremos todos competindo sob a mesma regra. E quem não jogar nessas regras, está fora.

Vai ter empresa famosa no mercado que estará fora do jogo?
Será o 11 de setembro das apostas esportivas. Temos em torno de 2 mil casas de aposta atuando no Brasil. Em outubro, o Ministério da Fazenda soltou informe para inscrição dos interessados em operar no País e obter uma licença. Foram apenas 134 empresas que se manifestaram formalmente. Quantos dessas terão R$ 30 milhões para pagar a outorga? Quantas vão ter um capital social de até R$ 100 milhões? Com administrador, compliance, contador, ombudsman, contrato social, sócio brasileiro… Vamos sair de um mercado de 2 mil para 50 ou 60 empresas. O mercado regulamentado é uma urgência para o País.

Mas elas não vão para o mercado paralelo?
Aí entra o papel do governo e da sociedade, que têm de estar muito atentos e cobrar. O governo se compromete a derrubar todo mundo que não tiver a licença. Ou tem a licença ou não é uma empresa séria. Não vai ter outra alternativa. Com regulamentação das bets, só vão sobrar empresas sérias.

Para isso tem de haver uma grande estrutura fiscalizatória, certo?
É imprescindível que haja. Todas as boas experiências no segmento ao redor do mundo dependeram também de uma presença muito ativa do Estado, para coibir essa ilegalidade. Porque se tiver 60 empresas que pagaram a outorga, integralizaram capital, montaram estrutura, contrataram profissionais, construíram plataforma certificada e vão competir com o Joãozinho que não está fazendo nada disso, é desestimulante. Esse mercado pode ter um ciclo positivo e virtuoso de crescimento, onde de fato atraia bons investidores, mas com compromisso de combater os ilícitos que possam ser cometidos.

Como observa a CPI das Apostas Esportivas no Senado?
Primeiramente tivemos que construir o convencimento para as pessoas de que as casas de apostas são vítimas nesse processo. Quando alguém manipula um resultado, é para tirar dinheiro da casa de aposta. Jogo deve ser uma coisa saudável. Tem um trabalho que cabe a nós de construir na opinião pública esse conceito. E o legislador faz parte disso, ele é um ente da sociedade. Existem empresas sérias no mercado. Gera emprego qualificado, quando regulamenta gera tributo e está presente em qualquer sociedade do mundo. O melhor remédio é regulamentar. Uma indústria na ilegalidade traz os piores profissionais, explora trabalha escravo, não paga tributo, desrespeita leis trabalhistas…

Como vê esse inflacionamento das empresas de apostas no patrocínio aos clubes de futebol?
Quando uma pessoa demonstra interesse em apostar, 95% estão interessadas em futebol. Por isso é o mercado que mais inflacionou. Por isso uma camisa de clube que tinha patrocínio máster por R$ 10 milhões, hoje faz R$ 100 milhões. Haverá um esgotamento, pois houve uma pasteurização. Ninguém mais sabe quem está patrocinando o quê. A diferenciação é um processo importante na construção de branding. Por isso estamos indo para o Circuito Sertanejo, para o Carnaval, para as escolas de samba, para o estádio Allianz Parque, que teve 39 shows ano passado. Temos construído essa identidade, um caminho importante até para sair desse oceano vermelho que virou o futebol, tentando construir o oceano azul nesses outros espaços de entretenimento.

No momento em que o governo está atrás de dinheiro para encorpar o orçamento, a regulamentação também terá uma fomentação financeira e social?
O ministro Haddad sinalizou exatamente isso nas primeiras reuniões conosco. Tem a questão de ajuda ao ajuste fiscal. Imagine que é um setor que não existia e de repente, segundo algumas previsões, terá R$ 12 bilhões de arrecadação, de um dinheiro novo. Esse é um dos temas que tornam urgente a regulamentação. Não é só pela questão moral.