Desoneração vira caso de Justiça: entenda a contenda entre governo, Congresso e STF
Desoneração da folha de pagamentos coloca governo, STF e Congresso em rota de colisão, amplificando os debates sobre os papeis dos Poderes dentro de questões que deveriam ser negociadas entre o Executivo e os parlamentares
Por Jaqueline Mendes
Os mais recentes movimentos no tabuleiro político brasileiro serviriam de inspiração para um bom filme de suspense de Hollywood. Mas é a pura realidade dos bastidores de Brasília. Na semana passada, a festa do empresariado brasileiro com a aprovação pelo Congresso do prolongamento das desonerações da folha de pagamentos virou clima de velório. A dobradinha do governo federal com o Supremo Tribunal Federal (SFT), que com liminar do ministro Cristiano Zanin suspendeu a desoneração da folha de pagamentos de 17 setores da economia e aprovado na Câmara e no Senado, levou incerteza e preocupação para o ambiente econômico pelas próximas três semanas, pelo menos. Isso porque o prazo de pagamento do imposto para que as empresas desses setores, responsáveis pelo emprego de 9 milhões de pessoas, é dia 20 de maio. Se o embate não for resolvido até lá, o recolhimento da contribuição patronal terá de ser efetivado.
Para relembrar, a desoneração da folha de pagamento estava em vigor desde 2011 e beneficiava 17 setores da economia que mais empregam no País. Conforme o mecanismo, as empresas dos setores contemplados poderiam substituir o pagamento de 20% de contribuição previdenciária sobre os salários dos funcionários por uma alíquota que variava de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Após ter sua renovação aprovada e um veto do governo federal derrubado no Congresso Nacional, a desoneração foi judicializada pelo governo e está em votação no STF.
Por ora, o tributo cheio está contando proporcionalmente sobre os salários desde o dia 25 de abril, quando Zanin publicou liminar suspendendo trechos da lei que prorrogou a desoneração da folha. Como o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) protocolada pela Advocacia Geral da União (AGU) foi paralisado após pedido de vista do ministro Luiz Fux na sexta-feira (26), o que vale é a decisão de Zanin, por enquanto.
Até a data da suspensão, havia cinco votos para a manutenção da liminar — ou seja, faltava apenas um para formação de maioria. Fux tem até 90 dias para retornar com o processo para julgamento e ainda não há expectativa para essa devolução.
O problema é que, seja qual for a razão, o episódio gera o maior atrito entre os Três Poderes desde que Lula voltou ao poder. O presidente do Senado, o sempre liso Rodrigo Pacheco, abandonou o tom ameno e partiu para o ataque. “Levar o caso à Justiça foi um erro primário do governo. Essa é uma vitória ilusória”, afirmou Pacheco, visivelmente irritado.
Na mesma linha, o presidente da Câmara, Arthur Lira, disse que o Parlamento precisa se proteger das interferências do Judiciário. “Temos que subir o sarrafo diante da judicialização de todos os assuntos da nação”, afirmou Lira. “Existe um câncer no Brasil que se chama Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta por qualquer entidade, qualquer pessoa ou qualquer partido político com um representante no Congresso Nacional”, afirmou.
No mesmo dia da canetada de Zanin, o Senado apresentou um recurso no próprio STF contra a decisão monocrática. No recurso, advogados do Senado alegam, inicialmente, que a decisão não observa os preceitos legais e sequer ouviu o Congresso e a Procuradoria-Geral da República (PGR). “A lei que rege o processo constitucional de controle concentrado pelos instrumentos de ADI (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) e de ADC (Ações Declaratórias de Constitucionalidade) jamais previu a possibilidade de deferimento de medida cautelar por decisão monocrática do relator”, disse o Senado, na petição.
PERSPECTIVAS
Enquanto o conflito da desoneração não tem um desfecho, empresários e entidades temem que o aumento dos impostos represente corte de investimentos e demissões. O presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Haroldo Ferreira, destacou que a indústria calçadista criou 6,57 mil empregos no primeiro trimestre deste ano, encerrando março com estoque de mais de 286 mil empregos diretos na atividade, registro ainda 6,2% menor do que no mesmo mês de 2023. Segregando apenas o mês de março, foram criados 1,5 mil postos, ante uma perda de 382 postos no mesmo mês do ano passado. “Temos agora uma liminar que suspendeu a desoneração da folha de pagamentos que deve anular esse movimento de aumento no nível de emprego”, disse o executivo. “Em vez de criar postos, poderemos perder mais de 20 mil empregos até o final do ano”, alertou.
20%
é a tarifa previdénciária paga pelos empresários com o fim do benefício
4,5%
era o teto da contribuição para os setores que mais criam empregos no Brasil
Segundo a advogada tributarista Isabella Tralli, do escritório VBD, existem três caminhos possíveis para as empresas.
• O primeiro deles é seguir a determinação e recolher os tributos.
• O segundo é entrar na Justiça para questionar a reoneração e fazer um depósito judicial com os valores em disputa até o Supremo tomar uma decisão definitiva, no mérito, sobre o tema.
• A terceira opção, mais arriscada, é continuar recolhendo os tributos com base na lei da desoneração.
“Para as empresas que decidam aguardar a decisão definitiva do STF para só então deixar de aplicar a desoneração, é melhor provisionar internamente os valores. Essa decisão é a mais arrojada e não se alinha com a decisão do ministro Zanin”, afirma a tributarista. Nesse caso, será a judicialização da judicialização de um tema que não deveria, em uma primeira análise, ser judicializado.