Casas Bahia vai sair do buraco? Conheça o plano de recuperação extrajudicial
Gigante varejista consegue reestruturar extrajudicialmente uma dívida de R$ 4,1 bilhões com bancos, que aceitam começar a receber em suaves parcelas a partir de 2026
Por Hugo Cilo
Poucas empresas de varejo dominam tanto a combinação prazo-parcela quanto a Casas Bahia. Foi com a estratégia de parcelinhas em boletões que a empresa da família Klein construiu um império no comércio brasileiro durante décadas. Mas o cenário mudou. Hoje, é a companhia que recorre ao parcelamento de longo prazo para resolver seus problemas. Na segunda-feira (29), a 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Tribunal de Justiça de São Paulo deu sinal verde para o pedido de recuperação extrajudicial da rede de varejo Casas Bahia (BHIA3), com dívidas que somam R$ 4,1 bilhões com bancos como Bradesco e Banco do Brasil. O plano não considera, segundo a empresa, dívidas com fornecedores e parceiros, e não afeta empregados e clientes.
A reestruturação da dívida bilionária da empresa agradou o mercado.
• As ações que derreteram 81,03% no ano passado dispararam mais de 34% no dia do anúncio do pedido de recuperação extrajudicial.
• Embora não seja o fim dos problemas da companhia, a manobra é vista como fundamental para dar alívio para o caixa da rede e uma forma de ganhar tempo para fazer a reestruturação do seu modelo de negócios.
• Além do alongamento dos prazos, o pedido envolve uma série de emissões de debêntures.
• De acordo com fato relevante divulgado no dia do acordo, o plano contempla sexta, sétima e oitava emissões de debêntures a mercado e a nona emissão de debêntures e CCBs emitidas junto a instituições financeiras.
Embora o plano tenha sido aceito pela Justiça, a homologação do acordo pode levar até 40 dias. Isso porque a empresa já tem o apoio de credores que detêm cerca de 55% da dívida listada no processo, segundo o presidente-executivo da Casas Bahia, Renato Franklin, em apresentação a analistas na segunda-feira (29).
O plano inclui alongamento de amortização de dívida, incluindo carência de 24 meses para pagamento de juros e de 30 meses para pagamento de principal.
Além disso, a estratégia inclui possibilidade de credores apoiadores converterem parte de dívida em participação na empresa.
“Reperfilamento”
• O “reperfilamento” (como a empresa definiu) da dívida da Casas Bahia preservará cerca de R$ 4,3 bilhões no caixa da companhia nos próximos quatro anos.
• Além disso, o prazo médio da dívida sairá de 22 para 72 meses, com redução de 1,5 ponto percentual no custo médio, “que representa uma economia de R$ 400 milhões no período”, afirmou a empresa.
• Antes do acordo, a Casas Bahia teria pela frente este ano pagamentos de R$ 1,24 bilhão em amortizações e R$ 313 milhões em juros.
• A varejista, agora, poderá retomar os pagamentos a partir de 2026, com R$ 150 milhões em amortização e R$ 103 milhões em juros.
• No entanto, segundo reportagem da Reuters, terá em 2030 pagamentos de R$ 2,58 bilhões em amortizações e R$ 1,9 bilhão em juros para cumprir.
Com o pedido, de acordo com a reportagem, a Casas Bahia reforça o grupo de varejistas no País que tem sido obrigado a renegociar com credores desde o escândalo criado com o rombo contábil na Americanas.
Segundo relatório do Safra, o acordo com os bancos é positivo em termos de fluxo de caixa, já que reduz os desembolsos da empresa até 2026 em R$ 3,1 bilhões. “Entretanto, no longo prazo, apesar da redução no custo da dívida, o pagamento total de juros vai crescer substancialmente — de R$ 971 milhões para R$ 2,397 bilhões — impactando o fluxo de caixa futuro.”
Franklin afirmou que a empresa deverá apresentar no balanço do 1º trimestre, previsto para publicação em 8 de maio, “redução maciça de custos e redução de estoques” depois de ter realizado no ano passado 8,6 mil demissões e fechado 55 lojas, com quatro centros de distribuição readeaquados.
“Temos 10 (CDs) ainda para trabalhar em devolução ou sublocação de espaço ocioso”, afirmou o executivo. Segundo ele, o pedido de recuperação extrajudicial não muda o foco da empresa no plano “transformacional”, que foca a empresa em suas principais categorias de eletrodomésticos, celulares e móveis com investimentos em novas frentes como monetização de receitas com publicidade.
Com o fôlego adicional de R$ 4,3 bilhões em fluxo de caixa nos próximos quatro anos obtido no acordo com os credores, Franklin afirmou que a Casas Bahia poderá até antecipar a execução de “algumas alavancas” do plano de transformação que será concluído em boa parte até o final deste ano.
Além disso, a empresa poderá aproveitar o ciclo macroeconômico mais positivo que tem sido sinalizado com a redução de juros da economia, afirmou Franklin. O executivo disse que a empresa vai continuar processo de abertura de novas lojas físicas e trabalhar em novos produtos financeiros para clientes e fornecedores. “Vamos ver algum crescimento no crediário nosso ao longo de 2024.”
Na avaliação de Ricardo Nunes, fundador da Ricardo Eletro, que passou por profunda crise financeira e de gestão, o desafio da Casas Bahia será reduzir o peso de sua estrutura operacional para, no futuro, voltar a ter margens saudáveis. “Muito além de ter bons produtos e serviços, empreender é ter a habilidade de analisar mercado para assegurar que as decisões diárias são o que vão garantir a segurança e crescimento do negócio”, disse. “As lojas físicas não vão acabar, mas não será possível suportar custos para que o cliente tenha experiência. Essa conta não fecha nunca.”
4,1 bi
é o valor da dívida da rede negociada com os bancos
24 meses
é o prazo de carência para pagamento dos juros
Além de renegociar as dívidas, a empresa aposta na participação ativa da família Klein para obter sucesso nas mesas com os credores.
Atualmente, a família Klein possui 24% das ações da companhia.
No entanto, só Raphael Klein, neto do fundador, Samuel Klein (1923-2014), possui assento no conselho de administração.
A rede de varejo, especializada em eletroeletrônicos e móveis, foi criada em 1952, a partir das vendas como mascate de Samuel Klein, nascido na Polônia e que fugiu do extermínio nazista durante a Segunda Guerra, antes de se estabelecer em São Caetano do Sul (SP).
Segundo Michael Klein, a crise tem relação com a tentativa de crescimento acelerado da empresa durante a pandemia de Covid, com investimentos massivos em comércio eletrônico. Não deu certo.