Selic: mesmo com nomes de Lula, BC mantém ritmo de queda na mão de Campos Neto
Redução de 0,25 p.p. na taxa básica de juros, para 10,5%, evidencia discordância política dentro do Copom e consolida o antagonismo de Campos Neto aos desejos do governo Lula
Por Paula Cristina
A escolha do ritmo de queda da taxa básica de juros, a Selic, talvez seja um dos mais claros retratos do Brasil de hoje — pelo menos sob a ótica econômica. Há um consenso sobre a melhora do ambiente de negócios, retomada da confiança e controle de preços, mas ainda resta uma nuvem de dúvida motivada por fatores externos e internos.
No palco principal desse enredo estão Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central e líder do Comitê de Política Monetária (Copom), e Fernando Haddad, ministro da Fazenda, que é a face e a voz do governo quando o assunto é redução brusca dos juros para estimular a economia. E os dois lados têm apoiadores dentro e fora do Copom. Tanto que na reunião do dia 9 de maio, a mais aguardada pelo mercado pela incerteza da decisão, ficou determinada a redução de 0,25 ponto percentual na Selic, em uma vitória de Campos Neto.
A votação, que terminou em cinco votos pela redução do ritmo contra quatro favoráveis pela manutenção da cadência, prova que a cautela, marca registrada do presidente do BC, imperou.
A informação não foi bem recebida pela equipe econômica de Haddad, que entendeu a decisão como uma quebra no padrão das reduções, que já começaram mais tarde do que o desejado por Lula e, na visão de Haddad, afetou o resultado do PIB em 2023. A expectativa era de que as quedas constantes de meio ponto percentual ajudariam a destravar o crédito em um momento em que é necessário escoar dinheiro na economia real para estimular o crescimento.
Em condição de anonimato, um assessor palaciano de Lula afirmou à DINHEIRO que “se havia alguma chance de o petista manter Campos Neto à frente do BC, ela ficou ainda mais distante”. O fato é que Lula já tinha clareza sobre essa dinâmica.
Os cinco votos favoráveis ao corte de 0,25 p.p. foram de pessoas indicadas no governo Bolsonaro, o que, na visão do palaciano, comprova um “viés político no Copom”. Para Nicola Tinga, economista chefe da Acrefi, a decisão do Copom prepara o terreno para a mudança de gestão do Banco Central, que acontece no final do ano. “Diretores indicados pelo atual governo, entre eles Gabriel Galípolo, deixam claro o entendimento de condições melhores da economia atualmente, o que justificaria um corte mais acentuado.”
0,5 p.p.
é o tamanho do corte desejado para a Selic pelos quatro diretores indicados por Lula
Cautela maior na política monetária antecipa a mudança no comando do Banco Central que o governo Lula deve promover no final do ano
0,25p.p.
foi a escolha para a redução feita pelos cinco membros escolhidos por Jair Bolsonaro
A questão partidária de fato tem seu peso no contexto atual do Comitê, mas não é apenas uma posição política. Há indicadores que corroboram a decisão mais cautelosa na política econômica, em especial a dificuldade de redução da inflação nos Estados Unidos e Europa, a manutenção da taxa básica de juros pelo banco central americano (Fed) e os indicativos de continuidade nas guerras de Israel/Hamas e a da Ucrânia/Rússia, que tem seus efeitos no preço do petróleo. Por aqui, as incertezas com a política fiscal e os indícios de aumento dos gastos públicos contradizem a ideia de uma queda mais brusca.
Para Daniel Miraglia, economista-chefe da Integral Group, o lado positivo da decisão foi a antecipação da pressão para diminuir os preços. “Agora a tendência é de uma convergência ao centro da meta, para 2025, ainda mais acelerada”, disse.
INFLAÇÃO
Foram com esses argumentos que, além de Campos Neto, os diretores Carolina de Assis Barros, Diogo Abry Guillen, Otávio Ribeiro Damaso e Renato Dias de Brito Gomes optaram por pisar no freio e diminuir o ritmo de queda da Selic.
Do outro lado da mesa ficaram Ailton de Aquino Santos, Gabriel Galípolo, Paulo Picchetti e Rodrigo Alves Teixeira. Para eles, o fato de o Brasil ter conseguido equalizar as dificuldades inflacionárias advindas do período pandêmico antes de quase todos os os países emergentes e desenvolvidos abriu margem para uma queda brusca, mas ainda assim controlada, da taxa de juros.
Há ainda argumentos que envolvem a desaceleração do crescimento econômico em comparação com o ano passado e elevação do desemprego na margem, o que já aponta para um arrefecimento da atividade compatível com a manutenção do ritmo de 0,5 ponto de corte na Selic por reunião.
Oficialmente, o comunicado do Copom para justificar a decisão não contém nenhuma sinalização explícita sobre o andamento da taxa Selic para o próximo encontro, marcado para os dias 18 e 19 de junho.
Há, no entanto, ênfase sobre a extensão e adequação de ajustes futuros na taxa de juros que “serão ditadas pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta”.
Até lá, a dicotomia política segue trazendo seus efeitos no Fla x Flu encabeçado por Campos Neto e Haddad.