Hapvida mergulha na sua maior operação e busca saúde financeira para enfrentar mercado
Por Beto Silva
RESUMO
• Neste ano, a operadora de planos odontológicos e de saúde conclui a integração com a NotreDame Intermédica
• Consolidada, será a maior empresa do setor da América Latina, com 15,8 milhões de contratantes.
• A companhia vai emitir R$ 1 bilhão em debêntures e deve usar dinheiro para reperfilar o passivo financeiro
• Plano de crescimento contempla construção de três hospitais — São Paulo, Rio de Janeiro e Recife
• Em busca de avanços sobre a concorrência, empresa foca em tecnologia
Na sede da Hapvida em Fortaleza (CE), uma grande sala é equipada com diversos painéis que apresentam em tempo real os indicadores da rede de 801 unidades hospitalares, sendo 86 hospitais, 76 pronto-atendimentos, 345 clínicas médicas e 294 centros de diagnóstico por imagem e coleta laboratorial. É uma central de controle de toda a operação. Ali estão centenas de indicadores sobre período de espera dos pacientes por atendimento em cada unidade, número de leitos vagos de internação, ocupação de UTI, consultas de urgência, visitas, realização de cirurgias, avaliação dos usuários e muitos outros índices. Painéis semelhantes, com os mesmos dados, estão em alguns andares do prédio onde funciona a sede da Hapvida em São Paulo, mais especificamente na Avenida Paulista. Na palma de sua mão, com seu smartphone conectado à operação, o CEO da companhia, Jorge Pinheiro, acompanha tudo pari passu. Esse círculo de monitoramento — que envolve conexão de sistemas, ligação entre as regiões Norte-Nordeste e Sul-Sudeste, com comando e gestão — é um retrato do atual momento da Hapvida.
Neste ano, a operadora de planos odontológicos e de saúde conclui a integração com a NotreDame Intermédica para consolidar a maior empresa do setor da América Latina, com 15,8 milhões de contratantes. Os trâmites de fusão das duas maiores do mercado no Brasil, com 8,85 milhões de beneficiários apenas em saúde, começaram em 2020, com o negócio concluído em 2022.
Ao final da junção, societária e de sistemas, em 2024, formam uma gigante, maior do que as três principais concorrentes (Bradesco, Amil e SulAmérica), que somadas possuem 8,05 milhões de vidas. “Estamos em finalização de um processo para oferecer uma experiência única, com prestação de serviço de maneira integrada”, afirmou Jorge Pinheiro à DINHEIRO.
Na prática, já são uma única empresa.
• A Hapvida NotreDame Intermédica registrou faturamento de R$ 27,4 bilhões ano passado, 10,1% maior do que 2022 e quase o dobro dos R$ 14 bilhões apresentados em 2019.
• O lucro líquido ajustado bateu R$ 846 milhões, crescimento de 38,3% em comparação com o período anterior.
• Neste ano, a saúde financeira da companhia continua forte. No primeiro trimestre a receita foi de R$ 6,99 bilhões, 3,9% superior ao igual período do ano passado, e o lucro líquido ajustado de R$ 507 milhões, aumento de 1.433,5% ante janeiro a março de 2023.
Apesar do resultado considerado positivo por alguns analistas — da XP, por exemplo —, Max Mustrangi, especialista em reestruturação de empresas e CEO da Excellence, salientou o perfil da dívida da Hapvida, que no balanço divulgado foi de R$ 4,4 bilhões, equivalente a 1,13x o Ebitda.
A companhia vai emitir R$ 1 bilhão em debêntures e, possivelmente, vai usar o dinheiro para reperfilar o passivo financeiro. “É uma empresa que tem estrutura de capital próprio extremamente pesado, ou seja, uma estratégia errada nesse momento. Deveriam estar querendo ficar um asset light [leve em ativos], mas estão se tornando um asset heavy [grande uso de ativos] extremamente ativado”, ressaltou Mustrangi, frisando que “estão indo por um caminho muito perigoso nesse setor, que já tem margens muito finas e está vivendo uma crise muito pesada”.
Jorge Pinheiro olha para frente com otimismo. “Vamos continuar crescendo”, disse o CEO, sem apontar uma perspectiva, mas com a mira voltada para os R$ 30 bilhões de receita.
A cautela tem dois fundamentos.
• Primeiro, evitar antecipar o guidance para não influenciar o desempenho da empresa no mercado de capitais, que desde 2018 tem suas ações listadas na B3.
• Segundo, porque mantém a simplicidade e o pé no chão da família, que começou a construir a Hapvida em 1979.
Naquele ano, o médico oncologista Cândido Pinheiro, pai de Jorge, inaugurava uma clínica que se transformou no Hospital Antônio Prudente (HAP) na capital cearense. As atividades de operadora de saúde suplementar, como Hapvida, começaram em 1993. Nessas mais de três décadas, expandiu os negócios pelo Norte e Nordeste e agora espalha sua atuação para o Sul e Sudeste, além do Centro-Oeste, com a aquisição da NotreDame Intermédica.
Se por um lado é discreto — inclusive, pouco concede entrevistas —, Jorge Pinheiro mostra envergadura para os negócios. Os próximos passos para o desenvolvimento da empresa já estão traçados.
• Evolução orgânica a partir da construção de três hospitais — um em São Paulo, um no Rio de Janeiro e um Recife —,
• e a reinauguração de uma unidade na Zona Leste da capital paulista.
Os novos equipamentos serão em áreas nobres das cidades.
Em São Paulo, está sendo finalizado o trâmite imobiliário para aquisição da área que abrirá a estrutura de alta complexidade, com padrão de hotelaria sofisticado, 200 leitos, com atendimento adulto, pediátrico e obstetrícia.
Na capital fluminense, a unidade terá as mesmas características. E no final do ano, a maior cidade pernambucana vai abrigar o maior hospital da Hapvida da região Nordeste, com quase 50 mil metros quadrados, na Avenida Agamenon Magalhães, o coração do polo médico do município.
A implantação de unidades próprias é o cerne do negócio da Hapvida. Jorge Pinheiro trata o modelo com diferencial diante da concorrência. “Nosso modelo não é só verticalizado com recursos próprios. É muito mais do que isso. Ele é integrado, com ferramenta tecnológica própria e única”, disse o CEO.
Para Caritsa Moreira, analista da VG Research, a estratégia de manter uma ampla rede de unidades próprias pode ser positiva, mas também apresenta desafios.
Por um lado, permite à Hapvida NotreDame garantir a qualidade do atendimento, padronizar processos e integrar melhor os serviços oferecidos, o que pode resultar em uma experiência mais coesa e satisfatória para os beneficiários. “Mais do que isso, proporciona maior flexibilidade e rapidez na implementação de novas práticas e tecnologias, além de reduzir a dependência de terceiros.”
Mas alertou para o fato de requerer um investimento contínuo e significativo em infraestrutura, pessoal e tecnologia. “A complexidade da gestão aumenta exponencialmente com o tamanho da rede, exigindo sistemas de gerenciamento altamente eficientes e uma coordenação robusta para evitar redundâncias e desperdícios.”
Ricardo Yamim, doutor em Direito e especialista em saúde suplementar, apontou que ter as rédeas da rede própria “facilita a gestão e permite um melhor controle de custos”, mas ponderou. “Por um outro lado, a falta de parceiros pode afastar alguns possíveis clientes, que querem ser atendidos por prestadores específicos.”
TECNOLOGIA
O sistema tecnológico, com softwares proprietários, garante agilidade no atendimento. A integração das ferramentas está em execução. Já rodavam na rede Hapvida e estão sendo implementadas nas unidades NotreDame Intermédica.
Das três ondas de integração, duas já estão concluídas, com 49 hospitais com a tecnologia padronizada. Falta a terceira onda, com pouco mais de 30 grandes unidades em São Paulo, que deve ser finalizada em junho.
Kleber Linhares, CTO da Hapvida, afirmou que o processo está sendo realizado “em uma jornada sem atrito para o cliente”. “Focamos na prestação de serviço”, disse, sobre a base de dados consistente que é formada a partir da passagem dos pacientes pelas unidades.
Tudo organizado para gerar informações e ajudar na tomada de melhores e mais rápidas decisões. “Não dá para esperar um dia ou uma semana para avaliar a situação e tomar uma decisão. Com dados gerados on-line, a tomada de decisão é fluída”, disse o diretor de tecnologia. “São centenas de terabytes que não dizem nada se não tiverem estruturados para gerar insights e dados relevantes. Isso faz diferença no nosso negócio.”
Enquanto a equipe de TI de Linhares trabalha, os pacientes continuam a utilizar os serviços com a tecnologia da operadora embarcada.
• Em 2022, 25% das consultas eram marcadas pelo aplicativo da Hapvida. Hoje esse índice é de 63%.
• Dois anos atrás, eram 5 mil teleconsultas realizadas por mês. Agora são 500 mil mensalmente.
E partir dessas consultas, são gerados mais dados. As informações clínicas do paciente, os resultados dos exames, as orientações dos médicos, tudo é colocado no sistema. O material é processado e avaliado para identificar as melhores práticas e desenvolver os programas e padrões de atendimento mais eficientes.
Na ponta, gera mais eficiência na gestão, como apontou o CEO da operadora, que registrou sinistralidade na casa de 68%, o mais baixo desde fusão com a Notredame Intermédica, em 2022. “Com protocolos assistenciais conseguimos ser muito mais eficientes, por exemplo, em programas de prevenção de doenças”, disse Jorge Pinheiro, ao salientar em que boa parte da concorrência o usuário “tem uma experiência fragmentada e passiva”.
Sistema tecnológico, com softwares proprietários, garante agilidade no atendimento. Integração das ferramentas está na terceira fase de execução
Talvez seja um exagero do executivo, pois os players também tem avançado em tecnologia e, mais do que isso, tem se movimentado no mercado para ganhar terreno.
Bradesco Seguros e a Rede D’Or se uniram em uma joint venture e criaram a Atlântica D’Or, que terá investimento inicial de R$ 1,1 bilhão para construção de três hospitais em São Paulo (Alphaville e Guarulhos) e Rio de Janeiro (Macaé). É o segundo grande movimento da Rede D’Or, que em 2022 comprou a SulAmérica em negócio avaliado em R$ 13 bilhões.
Em um setor tão complexo e regulamentado, as jogadas de fusões e aquisições são dinâmicas. Vide a gigante americana United Health Group (UHG) que comprou a Amil em 2012, por cerca de R$ 10 bilhões, e vendeu a empresa no fim do ano passado, por R$ 11 bilhões, segundo fontes do mercado, para o empresário José Seripieri Filho, o Junior, fundador da Qualicorp e a Qsaúde.
O foco da Hapvida neste momento é concluir a integração com a NotreDame Intermédica. Depois disso, obviamente vai olhar para o mercado e avaliar oportunidades.
Sobre possíveis aquisições, Jorge Pinheiro desconversou. “A integração tem sido o maior M&A que a gente poderia fazer. Vamos colocar toda a nossa energia na finalização desse processo e depois pensamos em outras alternativas”, disse o CEO.
Oportunidades não devem faltar, pelo desempenho do segmento, que no geral vai mal. Segundo a Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS), as operadoras fecharam 2023 com perdas de R$ 5,9 bilhões. Enquanto isso, a Hapvida realiza sua maior operação. E tem de ser cirúrgica para manter a saúde financeira sustentável.
ENTREVISTA
Jorge Pinheiro, CEO da Hapvida
“Para atingir a demanda, precisamos de algumas flexibilizações no modelo assistencial”
Qual é o atual momento da empresa?
O Brasil e o mundo passaram por momentos difíceis. A pandemia nos afetou duramente. Trouxe uma dificuldade muito grande para o setor, na ocorrência de vários novos custos. Tivemos inflação alta e reajuste negativo para os planos individuais imposto pela agência reguladora. Agora começamos a ver uma luz de melhores tempos. Nossa empresa, por ser verticalizada e integrada, conseguiu absorver com menos dificuldade. Conseguimos reduzir a sinistralidade de uma maneira mais rápida do que todo setor. Isso nos permite voltar fortemente a fazer investimentos.
Depois de finalizada a integração entre Hapvida e NotreDame Intermédica, aquisições estão nos planos?
Estamos em fase de expansão orgânica. Depois vamos pensar de novo na possibilidade de expansão por outros meios. Mas, por hora, nosso foco tem sido a integração, que foi o maior M&A que a gente poderia fazer, por todos os ativos que tínhamos acabado de adquirir.
O mercado possui 51 milhões de assinaturas de planos de saúde. Muita gente diz que chegou no teto, que é o número atingido também em 2014. O setor entrou na fase ‘rouba monte’ ou ainda pode ser expandido?
É importante dizer que, de acordo com as pesquisas, o brasileiro reconhece muito o trabalho da saúde privada e a grande maioria que não tem plano vê nesse benefício o segundo mais importante objeto de desejo. O brasileiro quer muito ter assistência médica. São 75% da população que não possuem. Para que a gente consiga atingir essa demanda, precisamos de algumas flexibilizações no modelo assistencial. Isso passa por um pensamento do regulador, do Legislativo e do Executivo. Seria um grande avanço se o Brasil conseguisse encontrar alguma flexibilização que pudesse permitir a uma maior faixa do brasileiro que tivesse plano de saúde.
O foco da Hapvida é na linha de planos corporativos?
Nos nossos produtos, 80% são de planos coletivos e 20% de planos individuais. Parte do mercado deixou de apostar nos planos individuais, mas acreditamos que ainda faz sentido, tem muita demanda e não vamos tirar da prateleira.