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“Brasil virou potência em energia limpa, mas a baixa demanda preocupa”, diz Elbia Gannoum, da Abeeólica

A executiva afirma que o País precisa criar um ambiente favorável aos investimentos no setor eólico, especialmente em geração offshore, para garantir a energia renovável nas próximas décadas

Crédito: Flavia Valsani

Elbia Gannoum: "A partir do momento que as fontes renováveis se tornaram mais competitivas do que as fósseis no Brasil, que é diferente do resto do mundo, não faz muito sentido subsidiar" (Crédito: Flavia Valsani)

Por Hugo Cilo

Um dos mais promissores negócios em geração de energia elétrica no País, o setor eólico entrou em estado de alerta nos últimos meses. O excesso de eletricidade disponível e a consequente queda nos preços levou muitos investidores a adiarem seus projetos. Depois de registrar R$ 35 bilhões em investimentos em 2023, as eólicas deverão receber R$ 21 bilhões neste ano, segundo projeção da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica). Em entrevista à DINHEIRO, a presidente da entidade, Elbia Gannoum, afirma que a turbulência temporária do setor contrasta com o imenso potencial de crescimento nos próximos anos. Junto com a energia solar, as eólicas tendem a assumir a maior fatia da matriz energética a partir de 2030, ajudando o Brasil a se consolidar como potencial global em energias limpas. Confira, a seguir, a entrevista:

DINHEIRO — O setor de energia eólica no Brasil parece estar perdendo velocidade. Existe algum entrave para o crescimento?
ELBIA GANNOUM — Não posso afirmar que a velocidade do crescimento da eólica reduziu, em uma análise histórica. Se olharmos para os números da eólica no ano passado, batemos recorde de instalação. E houve um crescimento exponencial nos últimos anos. Por outro lado, o que a gente percebe, em uma análise de curtíssimo prazo, é que tivemos uma redução na velocidade do ano passado para cá. Só que essa desaceleração não é percebida imediatamente. Como em todas as áreas da infraestrutura, os efeitos da redução dos investimentos agora aparecem só uns dois anos depois. Então, lá para 2025 ou 2026 vamos notar a redução dos investimentos em 2024.

O que explica essa desaceleração dos investimentos desde o ano passado?
Falta demanda no Brasil. O setor está percebendo que a busca por novos contratos de energia está baixa. O mercado regulado, que já foi um grande contratador até 2017 e 2018, reduziu por duas razões. Primeiro, pela redução da demanda associada à crise econômica. Quando o PIB brasileiro não cresce ou cresce pouco, a demanda por energia também não cresce. Aí não há contratação. O segundo fator, que é o mais importante, é que houve uma abertura de mercado. A contratação no mercado livre daquele grande consumidor, que escolhe de quem ele vai comprar, qual energia vai comprar, é que sustenta as contratações de eólica desde 2018. E essas empresas têm pautas fortes de ESG. Desde o segundo semestre de 2022, houve também uma redução no ritmo de contratação do mercado livre. As empresas que estavam sustentando o crescimento dos contratos reduziram a velocidade da contratação.

Mas a tendência no médio prazo não é demanda voltar?
Sim. Mas, por enquanto, o Brasil tem energia de sobra. A gente tem excedente de energia e de projetos. Aqui na associação, temos uns 30 gigawatts de projetos para vender. Isso afetou a precificação também. O preço da energia estava muito barato. Então, isso também prejudicou novos investimentos. Só que essa sobra de energia é muito temporária. Neste momento, em maio de 2024, a gente já está vendo uma retomada desses contratos. Assim, ficamos um ano e meio com a redução de ritmo dos contratos e agora a gente está vendo uma retomada dessa contratação. Uma boa notícia.

Quais são os números?
No ano passado, foram investidos R$ 35 bilhões, o equivalente a R$ 7 bilhões para cada giga. Neste ano, talvez a gente alcance R$ 21 bilhões. A redução será sentida no futuro. O fato é que o Brasil virou uma potência em energia limpa e renovável, mas a baixa demanda preocupa.

O cenário de forte estiagem no Sudeste, que deve afetar a produção hidrelétrica no segundo semestre, não favorece as eólicas?
Com certeza. Se houver alguma mudança no clima, e a gente está prevendo que vai haver uma seca severa, as hidrelétricas terão de reduzir a geração. Aí estaremos do outro lado do pêndulo. Então, se tivermos um cenário de escassez de energia e preço alto, a procura por contratos tende a subir. Essa é a natureza do nosso mercado.

A disputa entre Brasil e Paraguai na questão das tarifas de Itaipu faz sentido em um cenário de excedente energia no Brasil?
É exatamente por estar com energia de sobra que o governo brasileiro está mais duro na negociação e se recusando a pagar mais pelo excedente do lado paraguaio de Itaipu. Essa energia é importante para o País, mas não neste momento de sobra de energia. Há muitos projetos de eólicas e solares pipocando no Brasil inteiro.

Solar e eólica têm sido concorrentes na atração de investimentos?
No curto prazo, sim. Como a gente tem uma situação de uma oferta muito superior à demanda, há uma verdadeira briga entre eólica e solar no curto prazo. Só que quando a gente estende a base para médio e longo prazos, essa disputa tende a desaparecer. Uma retomada econômica, uma retomada das contratações, faz com que o mercado fique ampliado. Aí essa briga acirrada entre as fontes se reduz. Até porque daqui uma ou duas décadas quem vai determinar a oferta de energia elétrica para o País serão essas duas fontes, eólica e solar.

Vão ultrapassar a hidrelétrica na matriz?
Em 2032, a solar e a eólica juntas serão maiores que as hidrelétricas em geração. Por isso que o mercado é muito promissor para os investidores. Tudo está meio anuviado no curto prazo, mas temos de ter frieza e pensamento estratégico para entender que investimento em energia é uma decisão de longo prazo.

Quais são os fatores que podem reaquecer o setor eólico?
Precisamos ter uma razoável retomada da economia. Esse é um fator importante. Outro fator fundamental é com relação ao preço de curto prazo. Havendo tendência de aumentar, os contratos voltam. Estou conversando com investidores, com donos de parques eólicos e comercializadores de energia. Todos eles estão dizendo que os contratos já estão voltando.

No futuro, o Brasil precisará ter parques eólicos offshore [em alto mar], mesmo com custos de instalação e operação muito superiores?
Se o Brasil pensasse que não precisava de eólica, lá em 2004, não tinha feito os primeiros projetos eólicos que hoje determinam a oferta de energia e a posição do Brasil no cenário internacional enquanto provedor de energia. Se o Brasil pensasse assim, não teria feito investimentos em solar em 2015 e não teria hoje a energia mais barata do Brasil, que é a energia solar. Então, não podemos pensar no curto prazo. Temos que ter visão estratégica de médio e longo prazos. Por isso, mesmo tendo no Nordeste ventos maravilhosos, com intensidade e constância, o Brasil precisa ter parques offshore.

Mas e os custos elevados?
Com as novas tecnologias e o ganho de escala, a redução será consequência. Se tomarmos a decisão de fazer offshore hoje, o primeiro projeto rodando no País será em 2030, quando o cenário de demanda e de preço deve ser muito diferente. Nos últimos três anos, o custo do offshore caiu 40%. Temos que pensar nisso hoje.

Qual é o cenário previsto para 2030?
A demanda por energia será muito maior. Imagino o Brasil num cenário de transição energética, de descarbonização da economia. Com a economia crescendo, e o Brasil como provedor de recursos renováveis para o mundo para produzir o hidrogênio, o cenário será muito mais positivo. O hidrogênio verde do Brasil vai ajudar na descarbonização da economia global. Então, quando estendemos a análise para longo prazo, a discussão sobre investir ou não em offshore não faz sentido. No mar, o vento é sempre mais forte. Mas, por enquanto, não tem nenhum projeto de offshore em estudo.

Se é tão bom, por que ainda não existe nenhum projeto?
O Brasil precisa ter uma lei que autorize os estudos e os investimentos. Várias empresas já pediram ao Ibama licença para determinadas áreas, mas os estudos não avançam porque o Ibama não dá licença para quem não tiver a titularidade da área. Como se trata de exploração de energia no mar, que é considerado um bem da União, é necessário uma autorização legal. Então, precisamos primeiro aprovar uma lei no Congresso, que está em vias de acontecer. Depois disso será feito um leilão de cessão de uso do mar, igual se faz para exploração de petróleo. Aí, o detentor daquela cessão é que vai poder estudar, pedir licença ambiental e fazer o primeiro projeto.

Quando isso deve acontecer?
Isso leva quanto tempo. Talvez a partir de 2030. Com todo esse processo de aprovar a lei, fazer leilão, fazer estudos ambientais, a partir de 2030 já podemos imaginar algum parque rodando no mar. O mundo todo está investindo muito em offshore, por razões distintas do Brasil. Os avanços tecnológicos lá fora vão permitir que os custos reduzam aqui. Nos últimos anos, foi isso o que aconteceu com a eólica e a solar também.

A projeção de crescimento da eólica e solar pressupõe que não haverá investimento em hidrelétricas mais. Esse é o horizonte?
Quem vai determinar a matriz futura do Brasil é a eólica e solar. Não teremos mais projetos de grandes hidrelétricas. Com isso, a eólica que responde hoje por cerca de 15% da potência instalada do Brasil vai para mais de 30% a partir de 2030. E as hidrelétricas, somando o PCHs e grandes hídricas, estão hoje com 58%. Com o tempo, a eólica vai aumentar a sua participação, tal como a solar. A tendência é que essa curva se inverta talvez em 2030 ou 2032, por aí. Mas não ficamos fazendo essa conta. Hoje não faz muito sentido discutir isso.

O que faz sentido?
Faz sentido discutir se o Brasil vai ter energia limpa e renovável para fazer a expansão da sua matriz e manter seus compromissos de clima. O que o Brasil tem de melhor é energia renovável, principalmente a eólica e solar. Essas fontes são as mais baratas do País. Então, além de termos esses recursos em abundância, temos esses recursos como os mais baratos. Isso dá tranquilidade para pensarmos o Brasil como um protagonista no cenário de mudanças climáticas e de transformação energética.

A senhora tem comemorando o fim dos subsídios às fontes incentivadas, como eólica, solar, biomassa e PCH. Por quê?
O subsídio existe quando há uma diferença de custo e de preço muito grande com relação à alternativa fóssil. A partir do momento que as fontes renováveis se tornaram mais competitivas do que as fósseis no Brasil, que é diferente do resto do mundo, não faz muito sentido subsidiar. A fonte renovável é mais barata e mais competitiva. Não precisamos de subsídio.