A Apple está no banco de reservas. Por enquanto
Por Norberto Zaiet
A Apple está jogada às traças. Com performance negativa em 2024, o papel vem se comportando como espectador do mercado. Está no banco de reservas de um jogo que vem privilegiando toda e qualquer coisa que ande, fale e tenha qualquer semelhança com IA.
Há uma série de motivos para o mau humor: participação de mercado na China em queda, percepção de falta de inovação nos produtos e a sensação inevitável de que a empresa está mortalmente atrasada em definir e executar uma estratégia para inteligência artificial. A narrativa em vigor descreve uma empresa deitada eternamente em berço esplêndido, sem se dar conta da avalanche que vem em sua direção.
Investidores relevantes e formadores de opinião estão com posições mínimas, ou até mesmo sem nenhuma alocação no papel. Os especialistas em gráficos indicam que a posição técnica do papel é ruim, e só não é pior porque houve sustentação ao redor dos US$ 165. Os fundamentalistas acham que um múltiplo de 29 vezes P/E é um valuation esticado para uma empresa que não cresce. Os céticos acreditam que a reação recente do preço pós-resultados é somente consequência do anúncio do maior programa de recompra de ações já visto no mundo corporativo americano até agora. Mesmo Warren Buffett, que compra com a intenção de nunca vender, se desfez de um pouco de ações no último trimestre. O discurso da vez é que a Apple está perdendo o seu mojo, sua mágica, seu charme.
A decisão de descontinuar a divisão de automóveis autônomos foi bem recebida, mas deixou na comunidade de investidores uma sensação de que a empresa perdeu agilidade: demorou muito para perceber que era um projeto ruim. A saída de executivos importantes, especialmente ligados a product design também contribui para a narrativa negativa. A cereja do bolo foi o comercial da nova linha de tablets, que mostra uma prensa hidráulica comprimindo objetos que simbolizam toda a experiência cultural da espécie humana e transformando seus destroços em um iPad extrafino. A revolta foi tanta com a destruição que o comercial foi descontinuado e motivou um raro pedido de desculpas por parte da companhia. Reforçou ainda mais a sensação de que há alguma coisa de errado com a empresa de Steve Jobs.
O mercado é ansioso, e procura sinais de perigo a cada esquina. A falta de notícias boas faz qualquer informação ruim ganhar notoriedade, e uma sequência de pequenas notícias ruins criam as condições para que apareça um fantasma por dia. A verdade é que uma empresa com mais de dois bilhões de aparelhos globalmente conectados ao seu ecossistema não perde a majestade assim, de repente. O consumidor que faz parte do universo Apple não o troca pelo Android ou Microsoft voluntariamente: a base é fiel e gosta do produto.
O jogo da Apple em IA não está claro ainda, mas uma coisa é certa: não é o mesmo das outras. A Apple não compra chip da Nvidia, não depende de IA para gerar engajamento como a Meta e não quer ser mecanismo de busca para competir com a Google. Ao que parece, também não quer desenvolver o seu LLM – quer, sim, disponibilizar o LLM dos outros na sua rede de distribuição e, provavelmente, cobrar (bem) por isso.
A Apple quase nunca é a primeira a fazer alguma coisa, mas quase sempre é a melhor quando faz. Em 2007, quem mandava no mercado de smartphones era a BlackBerry, e a adoção do Iphone não foi imediata. Hoje em dia as gerações mais novas associam blackberry, corretamente, à frutinha preta cheia de gominhos.
A Apple não vai ficar de fora de IA. Não vai ficar no banco de reservas, e vai jogar como está acostumada: marcando gols. Às vezes, no entanto, até mesmo os melhores centroavantes precisam de tempo para respirar.
Norberto Zaiet é economista, ex-CEO do Banco Pine e fundador da Picea Value Investors, em Nova York