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Iene, dólar e a paridade de juros

Com o final da pandemia, os EUA e o Brasil subiram juros para conter a inflação. Em contraste, o Japão fez uma política expansionista para debelar a deflação

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Vitoria Saddi: "Historicamente, um iene mais fraco foi bem-vindo devido ao impulso nas exportações e nos lucros corporativos obtidos no exterior" (Crédito: Divulgação)

Por Vitoria Saddi

O iene está no menor nível dos últimos 34 anos. Em março, o Banco Central do Japão (BoJ) abandonou a política conhecida como ‘yield curve control’ onde a autoridade monetária se comprometia a comprar o montante necessário de títulos da dívida pública japonesa para que a taxa de 10 anos ficasse a níveis próximos de zero. Há mais de 20 anos a curva de juros no Japão é horizontal, e, em muitos momentos, teve inclinação negativa, denotando além de recessão uma acentuada deflação naquela economia. Em março, a autoridade monetária subiu a taxa para 0,1% após oito anos mantendo a mesma em patamares negativos de 0,1%.

O término das taxas negativas significou o reconhecimento por parte do Banco Central japonês de que a deflação, que assolou o país nos últimos 20 anos, tenha terminado. A alta de 32% no ano até hoje no índice Nikkei225 sugere um aumento nos lucros das empresas exportadoras (dominantes no índice) devido à desvalorização do iene. A inflação em 12 meses no Japão atingiu 2,7% em abril, mas a política de expansão quantitativa e qualitativa da moeda (QQE) continua. Neste contexto, é oportuno revisitar a situação macroeconômica do Japão, sobretudo no tocante à paridade de juros e a ineficácia das recentes intervenções do BoJ no mercado de câmbio com vistas a minar o enfraquecimento do iene.

O fato de a moeda japonesa estar no menor nível dos últimos 34 anos é reflexo da política de QQE. Tal política tende a manter as taxas de juros (curtas e longas) em níveis muito baixos. Neste contexto, traders e investidores do mundo têm estímulo a tomar dinheiro em iene e emprestar em dólar, euros, reais, o chamado ‘carry trade’. O tal ‘carry’ leva à saída de capital do Japão e assim, em situações em que o câmbio é livre há desvalorização da moeda. O iene é uma das únicas moedas de países desenvolvidos que não possui o câmbio livre. De fato, o BoJ vendeu 62 bilhões de dólares em maio quando o iene atingiu a marca mínima de ¥160 por dólar. Após dois dias da intervenção o iene havia basicamente retornado aos 160.

Não é coincidência que as políticas monetárias dos países caminhem em sintonia. Com o final da pandemia, os EUA, a União Europeia, Inglaterra, Austrália, o Canadá e o Brasil subiram juros para lidar com a inflação herdada da Covid. E, agora, estão baixando ou se preparando para reduzir. Em contraste, em todo este período, o Japão fez uma política monetária expansionista pautada para debelar o fantasma da deflação no país. O iene está no menor nível dos últimos 34 anos basicamente devido ao elevado diferencial de juros. A paridade descoberta de juros relaciona as taxas nominais de juros entre dois países com a taxa de câmbio entre suas moedas. Segundo tal teoria, em condições de livre fluxo de capital, a diferença nas taxas de juros entre os países deve ser igual à taxa de variação esperada entre suas moedas. Em outras palavras os investidores buscam igualar os ganhos obtidos com os juros entre as moedas, aproveitando as oportunidades de arbitragem.

A recente preferência do Japão por um iene mais forte não é surpreendente. Dada a crescente dependência da sua economia em importações de energia e alimentos, um iene mais forte aumenta o poder de compra do Japão no mercado internacional. Por outro lado, um iene barato ajudou a impulsionar a inflação, os aumentos salariais e os lucros corporativos que o Japão precisava desesperadamente para estimular a economia. O problema é o elevado ritmo de desvalorização da moeda. Também as perspectivas sombrias de reverter tal tendência alarmaram os consumidores, levando-os a cortar gastos e minando os esforços do Banco do Japão para normalizar a política após anos mantendo as taxas abaixo de zero. Historicamente, um iene mais fraco foi bem-vindo devido ao impulso nas exportações e nos lucros corporativos obtidos no exterior. No entanto, a magnitude exacerbada da desvalorização tem levado a um aumento no preço das matérias-primas importadas e a um enfraquecimento do consumo. Em síntese, para frear a desvalorização da moeda japonesa é necessário que o BoJ suba juros ou que o Fed baixe os juros americanos. Caso nada disso ocorra, o iene deve continuar se enfraquecendo.

*VITORIA SADDI é estrategista da SM Futures. Dirigiu a mesa de derivativos do JP Morgan e foi economista-chefe do Roubini Global Economics, Citibank, Salomon Brothers e Queluz Asset, em Londres, Nova York e São Paulo. Também foi professora na California State University, na University of Southern California e no Insper. É PhD em economia pela University of Southern California.