Um mercado e duas histórias: Nvidia e o resto
Por Norberto Zaiet
Dois temas dominaram o mercado americano no primeiro semestre de 2024: IA e juros. Tudo o que ocorreu de janeiro até aqui girou em torno disso.
No princípio do ano, o mercado de renda fixa acreditava que os índices de inflação cederiam rapidamente, o que dispararia uma onda de cortes de juros comandada por um Banco Central acostumado a ser dovish e que esteve, nos últimos tempos, vestido de urso. Já em IA, o movimento de valorização que havia começado em 2023, após a disponibilização do Chat GPT, continuou firme, e continua até agora.
Nos primeiros dois meses do ano, esses fatores andaram juntos: juros para baixo e AI para cima. Entretanto, a cada número de inflação e atividade divulgados ao longo dos meses a expectativa de cortes iminentes de juros se frustrava. Quem havia se posicionado nesta direção precisou reavaliar o cenário, e o resultado foi um abandono, em massa, de investimentos em companhias que se beneficiariam de um corte de juros em favor de qualquer coisa relacionada a IA. Até o aborrecido setor de utilities teve um renascimento, com base na história de que, para esses chips rodarem, a necessidade de energia seria tão grande que as redes não dariam conta do recado.
No campo do hardware, veleja sozinha com vento a favor e mar calmo a única provedora desses milagrosos chips que empoderam as máquinas inteligentes. Acredito que nem o investidor mais otimista em Nvidia imaginava um ano atrás que, nesse curto intervalo de tempo, a empresa pudesse aumentar mais de dez vezes seu valor de mercado. E, ainda por cima, não por aumento de múltiplo de preço/lucro (pelo contrário), mas sim, embasado em lucros cada vez maiores. Era inédito, até agora, que uma companhia pudesse ser capaz de multiplicar repetidas vezes sua produção em um espaço de tempo tão curto mantendo margens crescentes. Parece muito bom para ser verdade, mas, por enquanto, é: apostar contra é uma tarefa inglória.
O que o segundo semestre espera? Ninguém sabe a resposta, mas parece não haver guerra, eleição, enchente ou furacão que desvie o mercado de IA e juros. Imagino, todavia, que a lógica prevaleça: chips e data centers são meios para alcançar um fim, que é a aplicação da IA em massa para pessoas e empresas. As margens extraordinárias e o crescimento a perder de vista deveriam se concentrar em quem, de maneira bem-sucedida, consiga atingir o maior número de consumidores com a sua inteligência artificial.
Nvidia terá concorrentes. Serão, espero, produtos melhores, mais eficientes, com menos componentes, produzidos fora de Taiwan, mais baratos e compatíveis com o que existe de infraestrutura
Ao fim e ao cabo, chips e data centers são commodities – e voltarão a ser. Nvidia terá concorrentes. Serão, espero, produtos melhores, mais eficientes, com menos componentes, produzidos fora de Taiwan, mais baratos e compatíveis com o que existe de infraestrutura. Capital em cima de capital está sendo empregado nisso, especialmente por seus principais clientes – a quem capital não falta. Em quanto tempo isso vai acontecer, só o tempo dirá.
E os juros? Enquanto a inflação não cair, eles também não caem. Além disso, as condições financeiras do mercado em geral continuam extremamente frouxas. Mais uma vez, o tempo será essencial para essa definição.
Howard Marks, o lendário fundador da Oaktree Capital Management, diz que “a maioria dos investidores são seguidores de tendências. Já os investidores superiores são o exato contrário. Investir de maneira superior (superior investing) requer raciocínio de segundo nível – uma maneira de pensar que é diferente da dos outros, mais complexa e mais perspicaz”. Acredito que Marks esteja certo. Apesar de superior, porém, é incrivelmente mais sofrida e penosa. Avante.
Norberto Zaiet é economista, ex-CEO do Banco Pine e fundador da Picea Value Investors, em Nova York