Escolhas, sempre escolhas…
Por Jorge Sant’Anna
Entre tantos outros, dois grandes pensadores se destacaram por suas reflexões sobre aquilo que chamamos de teoria das escolhas. O filósofo existencialista Jean-Paul Sartre afirma que somos “condenados a ser livres”. A todo momento estamos fazendo uma escolha, o próprio ato de não escolher é na verdade uma escolha. Portanto, tentar fugir de escolhas é simplesmente impossível. Segundo Sartre, cada escolha que fazemos nos define, constrói o nosso conjunto de valores. Das mais simples e triviais às mais complexas de nossas vidas, as escolhas compõem o ser humano que somos.
Enquanto Sartre trata a questão das escolhas de forma absoluta, Viktor Frankl, o brilhante psiquiatra sobrevivente do Holocausto nazista e um dos primeiros pensadores a discutir o conceito do “propósito” como real motor de nossas ações, de uma forma bem estoica, foca suas reflexões na nossa liberdade de escolhermos como reagiremos frente aos obstáculos, às adversidades e impossibilidades que enfrentamos em nossas vidas. Ele mesmo conseguiu sobreviver ao terror nazista, buscando sentido, propósito para além do seu próprio ser. Escolheu ter uma atitude legitimamente positiva e até mesmo indiferente frente à imensa humilhação e sofrimento que enfrentava, criando assim as bases para a logoterapia.
Os dois pensadores nos desafiam a refletir em nossas escolhas de uma maneira muito mais profunda do que estamos habituados a fazer em todas as dimensões de nossas vidas.
Vale uma reflexão sobre nosso processo de escolhas em nossas carreiras e em nosso modelo de liderança. Escolhemos e construímos nosso modelo mental através de uma avaliação racional e não polarizada ou temos a tendência de subestimarmos o lado negativo de nossas decisões para confirmarmos nossas hipóteses?
O exercício da liderança nos impõe desafios a todo momento, uma vez que somos percebidos por nossas escolhas em todas as dimensões. Nossas palavras, nossos gestos, a maneira como reagimos às dificuldades, nossos hábitos e até mesmo como nos vestimos constituem artefatos de nosso modelo de liderança. Jamais conseguiremos coerência e consistência de propósito em nossos times se nossas escolhas diárias forem contraditórias e não coerentes. A linguagem da liderança não é explícita, não se formaliza. O líder se comunica através de um idioma subliminar, que se expressa por suas escolhas e não por suas palavras.
Não conseguimos despertar nem incentivar o autodesenvolvimento, curiosidade, imaginação, colaboração e diversidade em nossa equipe se somos contraditórios em nossas escolhas relacionadas a todos esses temas.
A maneira que escolhemos lidar com as crises, frustações e perdas. Se escolhemos sermos vítimas, ou buscamos terceirizar nossos fracassos no lugar de enfrentarmos nossa real responsabilidade, diz muito sobre o tipo de líder que somos ou em que estamos nos transformando.
Da mesma forma, a maneira que escolhermos tratar os erros e falhas, quando bem-intencionadas, de nosso time, isto é, se punimos de forma irascível ou se preferimos entender como um processo de treinamento e desenvolvimento, será um sinal claro do nível de segurança psicológica que estamos dispostos a criar no nosso espaço de trabalho.
As reflexões de Sartre e Frankl impõem uma enorme responsabilidade individual à nossa inexorável liberdade de escolha. Essa responsabilidade se expande muito quando estamos em posição de liderança, quando o que está em jogo, muitas vezes, está muito além de nossas posições pessoais.
O mundo empresarial, assim como o da política, está repleto de líderes que construíram seus valores a partir de escolhas inadequadas. Daí a enorme falta de coerência que observamos nas empresas e nas relações institucionais.
Ser líder não é uma tarefa fácil. Podemos encontrar bons seres humanos que não são bons líderes, mas nunca encontraremos bons líderes que não sejam bons seres humanos.
Jorge Sant’Anna é diretor-presidente e cofundador da BMG Seguros e membro do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Bancos