Economia

Saiba por que grandes empresas estão deixando SP e se mudando para Minas

Principal estado do Brasil vê companhias migrarem para Extrema e outras cidades de Minas Gerais. Queda na arrecadação de ICMS preocupa prefeitos paulistas

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Centro de distribuição em Extrema (MG): gigantes como Sanofi, empresa global de saúde, e a DHL Supply Chain, líder mundial em armazenagem e distribuição, já estão lá (Crédito: Divulgação )

Por Beto Silva

A cidade de Extrema, no sul de Minas Gerais, foi o local escolhido pela Sanofi, empresa global de saúde, e a DHL Supply Chain, líder mundial em armazenagem e distribuição, para instalar um novo Centro de Distribuição, que iniciou sua operação em junho. A estrutura faz parte de um plano de investimento da Sanofi em Minas Gerais que vai atingir R$ 333 milhões até 2032, com foco em expansão logística. A cidade foi selecionada por sua localização, pois está a cerca de 100 quilômetros da cidade de São Paulo e próxima de outros centros econômicos paulistas, como Campinas. Saídas com facilidade para Belo Horizonte (MG), Brasília, Rio de Janeiro (RJ), Vitória (ES) e Salvador (BA) também são bem vistas. Mas outro fator foi fundamental: o financeiro.

As alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) são mais altas em São Paulo do que em Minas Gerais. No setor de plástico, por exemplo, a alíquota fica em 18% nas vendas em território paulista, enquanto o valor é de 12% para vendas interestaduais a partir da área mineira.

O que torna mais vantajoso para as empresas irem para o estado governado por Romeu Zema (Novo) do que se instalarem no governado por Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas lançou recentemente o programa SP na Direção Certa (Crédito:Suamy Beydoun)

A falta de competitividade tributária tem provocado impacto negativo direto na arrecadação de São Paulo.

Em 2022, antes de Tarcísio assumir o Palácio dos Bandeirantes, a arrecadação com impostos foi de R$ 253 bilhões, sendo R$ 215 bilhões oriundos de ICMS.

Em 2023, primeiro ano de sua gestão, a receita com tributos encolheu 4,7%. O ICMS despencou ainda mais: 8%.

Enquanto isso, o governador paulista anunciou um plano de reajuste fiscal, com revisão de gastos públicos e diminuição de renúncias tributárias – o que está sendo elogiado por alguns especialistas e parte do mercado. Mas esse ajuste, que pode criar uma marca para sua gestão e o diferencia de outros governos que resistem a fazer cortes (como o do próprio presidente Lula), também tem feito a arrecadação diminuir e tirado receita de alguns municípios, o que incomoda parte dos gestores locais.

Se na guerra fiscal o estado de São Paulo tem sido abatido, os municípios sofrem ainda mais.

Embu das Artes, a 30 quilômetros da capital e a 130 de Extrema, perdeu recentemente duas grandes empresas para a cidade mineira. Adidas e Nike deixaram Embu para montar seus centros de distribuição no sul de Minas Gerais.

E outras corporações estão despejando dinheiro naquela região. Em parceria com a ID Logistics, a Wella Company, gigante global do segmento de cosméticos, inaugura seu terceiro maior Centro de Distribuição no mundo em Extrema, com 12 mil m².

Marcas como Mizuno, Under Armour, Olympikus, Centauro, Bacardi e HP, além de gigantes do varejo como Privalia, Via Log (Casas Bahia e Ponto), Mercado Livre, Amazon, Tok Stok e Chili Beans, são outras empresas que invadiram Minas Gerais em busca de benefícios – logísticos e tributários.

Wella Company inaugurou seu terceiro maior Centro de Distribuição no mundo em Extrema (Crédito:Divulgação )

Há investimentos previstos para ampliar a capacidade de muitas delas. Segundo o governo mineiro, os índices de vacância das estruturas logísticas estão próximos de zero em algumas localidades.

No ano passado, os investimentos formalizados no estado apenas em armazéns de distribuição somaram R$ 500 milhões.

E, desde 2019, Extrema recebeu R$ 4,3 bilhões em aportes, com a geração de 13 mil empregos, em 17 cadeias produtivas diferentes. Recursos principalmente ancorados na Lei Complementar 186 (LC186/2021), aprovada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, que permitiu a prorrogação e consolidou até 2032 as isenções e incentivos dos benefícios fiscais vinculados ao ICMS para operações destinadas em diversas áreas.

A cidade de Extrema (MG) recebeu R$ 4,3 bilhões em investimentos desde 2019 (Crédito:Divulgação )

Segundo Alexandre Selegatto, diretor de Real Estate Solutions na DHL Supply Chain Brasil, Extrema é um dos principais focos de investimento nos últimos anos e as novas instalações locais fazem parte de um programa mais amplo de R$ 800 milhões que a companhia realiza no Brasil até 2025. “Os governos estadual e municipal têm programas de incentivos, mas focados nas empresas proprietárias dos produtos. Do ponto de vista logístico, [o principal atrativo] é a posição estratégica.”

IMPACTO NAS CIDADES

O sinal de alerta está ligado faz tempo. Em setembro de 2023, após receber a sinalização de que a empresa Andreani Logística poderia preparar sua mudança, atravessar a divisa estadual e desembarcar em território mineiro, a Prefeitura de Embu das Artes fez um estudo de impacto.

A saída da companhia, com 20 clientes locais na área farmacêutica, levaria toda uma cadeia de atendimento e poderia afetar o repasse de ICMS da cidade em 20%. Seriam R$ 67,1 milhões a menos nos cofres municipais. No âmbito estadual, seriam R$ 378,6 milhões de queda na arrecadação com o imposto. Esse levantamento foi encaminhado ao governo paulista. E, nove meses depois, está em trâmite nas equipes técnicas. Sem resposta, portanto.

(Divulgação)

“Se o governo estadual é afetado, as cidades, principalmente as menores, sofrem ainda mais.”
Lourival Domingues da Costa, secretário de Embu das Artes

Lourival Domingues da Costa, secretário de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços de Embu, apontou outros efeitos negativos do êxodo de empresas. “Também é menos empregos para a cidade [só na Adidas eram 300 trabalhadores diretos], o comércio sofre com a falta de movimento e a receita recorrente diminui”, diz. “Se o governo estadual é afetado, as cidades, em especial as menores, sofrem ainda mais”, lamentou o secretário, ao afirmar que a administração municipal tem feito esforços para atrair outras companhias. “Trouxemos a Amazon. Mas o ideal seria manter as que já temos e buscar mais companhias, não apenas repor o que perdemos”, afirma.

O secretário da Fazenda de Minas Gerais, Luiz Claudio Gomes, mantém o discurso de boa vizinhança, apesar de estar vencendo uma guerra – fiscal, é claro – contra São Paulo. Segundo ele, não são apenas as alíquotas de ICMS que são mais atrativas em território mineiro. Diante do pressuposto leilão de incentivos, Gomes destacou outras vantagens. “Existe previsibilidade. A percepção de continuidade de entendimento das regras tributárias é primordial e faz a diferença”, disse. “Atendemos as empresas com transparência, para reduzir os passivos tributários”, frisou, ao acrescentar a importância do Invest Minas – agência de captação de investimentos do governo. “É parceria e auxilia na busca de terrenos, distribuição de água, fornecimento de esgoto e saneamento, resoluções ambientais… É um pacote de incentivos ligados ao contribuinte”, disse.

João Paulo Braga, presidente da Invest Minas, corrobora. Segundo ele, a gestão mineira trabalha com Tratamentos Tributários Setoriais (TTS) inteligentes e voltados para resultados, não há apenas renúncia de tributos. “Por exemplo, o TTS para as companhias aéreas está disponível para todo o mercado, mas somente beneficia as empresas que se comprometem a disponibilizar voos com uma frequência adequada às necessidades dos mineiros”, disse, ao apontar o que chamou de “ecossistema a favor do investidor”. “Promovemos políticas públicas como o Minas Livre para Crescer, que simplifica leis e desburocratiza o ambiente de negócios tornando a vida do investidor mais simples.”

Presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), Flávio Roscoe ressaltou que a economia mineira tem crescido mais rápido que a do Brasil em razão das ações concretas para melhorar o ambiente de negócios. “Nos últimos cinco anos, geramos quase 1 milhão de empregos e a indústria mineira cresceu 20% acima da média da indústria nacional desde 2018. Nosso desempenho é muito positivo. O PIB industrial de Minas Gerais ultrapassou a marca dos 30%.”

NA DIREÇÃO CERTA

Pelas bandas da terra da garoa, a Secretaria da Fazenda do governo Tarcísio de Freitas defendeu suas ações para manter e atrair empresas, apesar de considerar que “a melhor forma de gerar crescimento econômico é através da construção do melhor ambiente de negócios do País”.

E pontuou o histórico dos últimos 18 meses, no que chamou de “agenda reformista”:
modernização do contencioso administrativo e judicial,
aceleração na devolução dos créditos acumulados de ICMS, simplificação de obrigações acessórias,
e digitalização dos pagamentos de tributos, entre outras iniciativas.

“Prospectivamente, o decreto ‘SP na Direção Certa’ aponta o que está por vir”, destacou a Secretaria, ao citar o plano publicado pela gestão Tarcísio dia 23 de maio.

Economista-chefe da Warren Investimentos e ex-secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (2022), Felipe Salto avaliou que o problema da guerra fiscal é antigo e, ao contrário de São Paulo, há estados que usam de modo exacerbado o mecanismo dos incentivos tributários do ICMS de modo a predar a economia nacional. “Entendo que o governo Tarcísio está correto em promover uma revisão dos incentivos tributários, prometida até o fim deste ano, aliás”, afirmou. “Mas o movimento de distorção alocativa dos investimentos das empresas só será solucionado com uma Reforma Tributária à altura. Não essa que foi aprovada agora e que só piora tudo”, enfatiza Salto.

A expectativa é que a Reforma Tributária equilibre as condições de batalha entre os estados e equalize a guerra fiscal. Mas cria outros problemas, de acordo com o economista. “Isso porque ela torna o sistema mais complexo, joga a gestão do imposto para um comitê de iluminados em Brasília e retira dos estados o poder de arrecadar e de controlar o próprio financiamento de suas políticas públicas”, disse. Enquanto isso não acontece, São Paulo continua perdendo batalhas nessa guerra.