Confiança, sabedoria, ego e liderança…

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Jorge Sant’Anna: "Não é preciso sermos um grande ditador para entendermos que nossa autoconfiança deve ser combustível para desenvolvermos sabedoria e não para inflamar o nosso ego, que nos levará à queda invariavelmente" (Crédito: Divulgação)

Por Jorge Sant’Anna

Na recente série documental Hitler: o começo, meio e o fim, lançada pela Netflix, podemos assistir a construção e o declínio de um dos maiores mistérios da liderança mundial, na história recente.

A indignação é imediata. Como o mesmo país e cultura, que produziu gênios como Beethoven, Johann Sebastian Bach, Emanuel Kant, Goethe, entre tantos outros luminares, de nossa história, pode gerar e se curvar a uma personalidade tão monstruosa como Adolf Hitler? Como esta individualidade conseguiu de forma tão fervorosa contaminar toda uma sociedade? Sua capacidade de oportunizar momentos de crise, criar inimigos coletivos imaginários, engendrar um slogan, tão em voga atualmente, “Tornar a Alemanha grande novamente”, tudo isto recheado com uma máquina de notícias falsas – ainda não se falava em “fake news” -, coordenada por Joseph Goebbels, representou sem sombra de dúvidas um dos maiores golpes de liderança, jamais visto em nossa história.

Por outro lado, como um líder tão carismático, sagaz, com um senso de oportunidade extremamente apurado, com uma convicção plena de seus propósitos e de posse da maior máquina e poderio de guerra do planeta, acabou por tropeçar, colapsando o mundo e principalmente a sua Alemanha? Em que momento, ele não conseguiu converter sua autoconfiança em sabedoria? Exatamente o ponto em que toda sua inteligência, carisma, convicções se transformaram em ego, ele parou de ouvir seus aliados mais próximos e passou a viver em um mundo paralelo, distante da realidade.

“Um dos grandes desafios dos líderes é fazer com que suas competências técnicas, sua visão diferenciada e senso de oportunidade se transformem em sabedoria e não em uma expressão de seu ego”

Na Grécia antiga, há mais de 400 a.C., Sócrates foi considerado o homem mais sábio do mundo. Esta ideia foi uma surpresa para o próprio Sócrates. Ao contrário dos sábios e filósofos de seu tempo, ele era intelectualmente muito humilde e sobre ele foi escrito que “não sabia nada exceto o fato de sua ignorância”. O método socrático, nasceu do fato de Sócrates passar grande parte do seu tempo fazendo perguntas, em busca pela verdade e real sabedoria.

Como executivos e empresários, nos esforçamos por aprender e nos desenvolvermos de forma a termos supremacia cognitiva. Mente afiada, domínio de raciocínio, formação técnica de qualidade, sempre foram nossos maiores ativos. Esquecemos muitas vezes, que o fator determinante de nossa liderança sustentável, reside em nossa humanidade e não apenas no nosso intelecto.

Um dos grandes desafios de todos os líderes, seja lá em que fase da carreira se encontre, é fazer com que suas competências técnicas, sua visão diferenciada e senso de oportunidade se transformem em sabedoria e não em uma expressão de seu ego. Em um mundo de vertiginosa evolução tecnológica, cada vez mais nossas habilidades técnicas serão resolvidas de forma muito fácil, por algoritmos, se tornando assim muito menos importantes do que nossas competências humanas.

Não é preciso sermos um grande ditador para entendermos que nossa autoconfiança deve ser combustível para desenvolvermos sabedoria e não para inflamar o nosso ego, que nos levará à queda invariavelmente. Todos os nossos atributos técnicos, reconhecimento, posição social e posição de destaque na empresa nos pressionam de uma forma ou de outra a nos afastarmos da sabedoria, que é essencialmente conectada com a nossa humildade. Humildade de ouvir, reconhecer erros e de aprender constantemente.

Reflita na frase de Colin Powell, ex-secretário de Estado dos Estados Unidos e se lembre de quantos líderes você já viu nesta situação: “Evite ter seu ego muito perto de sua posição para que quando você perder sua posição, seu ego não vá junto.”

Jorge Sant’Anna é diretor-presidente e cofundador da BMG Seguros e membro do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Bancos