ESG 20 anos: é tempo de acrescentar um H

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Dante Gallian: "É chegado o momento de colocar o desenvolvimento das pessoas como principal propósito da atividade empresarial e pensar o lucro como um meio para se atingir esse propósito" (Crédito: Divulgação)

Por Dante Gallian

Há 20 anos, no Pacto Geral da ONU, no contexto da ação “Who Care Wins”, era apresentado ao mundo o termo ESG, que remete às práticas que deveriam ser adotadas pelas empresas para garantir que suas atividades fossem socialmente responsáveis, ambientalmente sustentáveis e eticamente corretas. Resultado de um longo processo histórico, o ESG, malgrado os desvios, exageros e puerilidades a ele associados, completa duas décadas com indiscutível força mobilizadora.

Ainda que seja inegável o caráter crítico da situação atual em relação aos aspectos sociais, ambientais e éticos do modelo empresarial predominante, há que se reconhecer que não fosse o papel desempenhado pelas ideias associadas ao ESG, o contexto presente seria mais desastroso. É evidente que há muito que se avançar, porém o ESG mostrou ser uma proposta consistente, que parece ter estabelecido base sólida para inspirar e direcionar soluções efetivas para evitar um colapso global. Entretanto, apesar de pertinente, seria esta pauta suficiente para dar conta dos novos desdobramentos aos quais assistimos na evolução do complexo cenário vigente?

Como se não bastasse o agravamento da crise social e ambiental, sobretudo após a Covid-19, uma nova pandemia aflora com força extraordinária: a dos transtornos psíquicos. Fenômeno antigo e crônico, a vulnerabilidade psíquica, no contexto das transformações tecnológicas, apresenta virulência inédita, impactando o ambiente de trabalho e a dinâmica produtiva das empresas. Nesse sentido, a saúde mental e o cuidado integral despontam como pontos de primeira importância na pauta ESG. Cuidar da saúde mental de líderes e colaboradores aparece como um desafio tão urgente e importante quanto estar atento aos aspectos do impacto social, ambiental e de governança da atividade empresarial. Assim, um quarto pilar se mostra indispensável para o equilíbrio das responsabilidades financeiras, sociais e ambientais que fundamentam as organizações comprometidas com os valores da sustentabilidade: o da Responsabilidade Humanística.

“Um quarto pilar se mostra indispensável para o equilíbrio das responsabilidades das empresas. Para promover uma autêntica humanização, é preciso investir na dimensão da saúde existencial, no comprometimento com o desenvolvimento da pessoa”

Para responder a esse novo desafio, a ação deve ir além de uma abordagem ambulatorial que caracteriza a noção de saúde mental. Para promover uma autêntica humanização nas empresas, é preciso investir na dimensão da saúde existencial, que consiste no comprometimento com o desenvolvimento integral da pessoa. Trata-se não de “consertar” o indivíduo para que ele siga produzindo, mas de ajudá-lo, pelo conhecimento do humano e do autoconhecimento, a se realizar como ser humano. Tal proposta — que desenvolvi, pesquiso e aplico há uma década — parece ser incompatível com o propósito de uma empresa, que é o da lucratividade. Entretanto, diante da crise atual, parece-me inevitável repensar o propósito central e a hierarquia dos valores das companhias. É chegado o momento de uma mudança radical de mentalidade. É chegado o momento de colocar o desenvolvimento das pessoas como principal propósito da atividade empresarial e pensar o lucro como um meio para se atingir esse propósito. E se quisermos realizar essa revolução, será necessário colocar a sustentabilidade humana-existencial na pauta ESG. Ao comemorarmos os 20 anos do ESG, o que proponho é acrescentar um H à sigla: ESG+H.

Dante Gallian é doutor em História pela USP, coordenador do Laboratório de Leitura da Escola Paulista de Medicina e autor de “Responsabilidade humanística — uma proposta para a agenda ESG” (Poligrafia Editora)