Um novo teto para o Minha Casa, Minha Vida
Programa habitacional passa por reforma, aumenta subsídio, reduz taxa de juros e amplia faixa de preços dos imóveis
Por Jaqueline Mendes
Um dos principais cartões de visita do então segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida (MCMV) está passando por um retrofit na gestão Lula III. Por orientação do governo, o Conselho Curador do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (CCFGTS) decidiu, na terça-feira (20), aumentar o subsídio, reduzir a taxa de juro para famílias de baixa renda e corrigir o valor dos imóveis que podem ser financiados com as regras do programa. Isso depois de o Senado ter aprovado a Medida Provisória 1.116 regulamentado os novos parâmetros como desejava o Planalto.
O ponto bom: as métricas envolvem grande incentivo à economia, um alívio imediato para construtoras e relações de compra com mais camadas (ou faixas).
O ponto ruim: sem uma economia que acompanhe (mais emprego, menos Selic e inflação) é difícil que o efeito para o País seja o mesmo obtido nos primeiros anos do programa, em meados de 2009.
Mas até o ponto negativo pode ser encarado como uma situação dessas bittersweet. Foi o crescimento pouco racional das construtoras, a ampla oferta de crédito dos bancos e uma autorização em massa do poder público que fez, em alguns anos, o MCMV passar do sonho a um problema que algumas famílias arrastam até hoje.
No ano passado, 45% das famílias da faixa 1 do programa anterior (incluindo a versão Verde Amarela criada e subutilizada pelo governo Bolsonaro) fecharam o ano inadimplentes.
Construtoras que se tornaram gigantes de uma hora para outra também viram o ritmo de venda arrefecer na mesma velocidade.
Na escala do tempo este ritmo fica mais claro em 2009, com bancos capitalizados, mas receio referente à crise de 2008 dos Estados Unidos, foram contratados 283 mil imóveis. Em 2013, a proximidade do pleno emprego, as construtoras comprando terrenos caríssimos e a inflação subindo, foram contratadas 1 milhão de unidades. Em 2015, com a crise posta, a Selic subindo, a inadimplência e inflação galopando, ainda foram 448 mil imóveis contratados. Daí para frente foi só para trás.
Em 2023, curva menos virtuosa
De acordo com o indicador Abrainc-Fipe, comparando o primeiro bimestre deste ano com o primeiro bimestre de 2022, o volume de lançamentos dentro do programa MCMV já reduziu aproximadamente 40%.
As construtoras entraram em uma curva bem menos virtuosa e, mesmo com a redução da Selic, não conseguiam equalizar os planos feitos (e não concretizados) com o faraônico Minha Casa Minha Vida.
Voltando para os tempos atuais, um cenário de otimismo comedido e expectativas controladas pode ser o aliado perfeito de um crescimento mais controlado.
Para Marcelo Volker, sócio-fundador da maior consultoria imobiliária do país, a VMV Real Estate Consulting, as novas métricas para o programas serão de grande incentivo para a construção.
“O cenário atual é que várias incorporadoras desistiram de operar ou diminuíram seu pipeline de lançamentos devido à falta de margem de lucro para imóveis populares.”
Marcelo Volker, sócio da VMV Real Estate Consulting
“Com o aumento no programa, perceberemos uma retomada forte de lançamentos dentro do Minha Casa, Minha Vida”, completou Volker.
Contas públicas
No ritmo da ponderação, Camila Abdelmalack, economista-chefe da Veedha Investimentos, afirma ser necessário colocar nessa equação também quanto o programa mexerá nas contas públicas de um governo que trabalha na perspectiva de superávit.
“Apesar do plano de ampliar a faixa da classe média ser uma boa notícia para o setor da construção civil e para a indústria, precisamos aguardar para saber como será, efetivamente, os impactos sobre a perspectiva do crescimento econômico e os gastos do governo”, disse Camila.
Com a revisão no valor do subsídio, da renda mínima e da taxa de juros o governo aproveita para atualizar uma tabela que não era alterada desde 2016.
Famílias com renda até R$ 4,4 mil terão subsídios de R$ 55 mil e juros entre 4% e 4,25%. O teto da renda (R$ 8 mil) abriga imóveis de até R$ 350 mil, quase R$ 100 mil a mais que a versão anterior.
Segundo Lula, essa abrangência maior se dá pela necessidade de incentivar também a classe média a comprar um imóvel. A abrangência ainda será vista na oferta de crédito, que agora inclui outras instituições, inclusive bancos digitais.
Tem jabuti nessa árvore
A elogiada repaginação do programa Minha Casa Minha Vida traz uma daquelas traquinagens típicas de nosso parlamento. Um dos parágrafos da MP 1.116 também é vista como possível retrocesso.
O parágrafo 17-A, referente à utilização de assinatura digital pelas instituições financeiras na realização de operações de financiamento de crédito imobiliário, dá a prerrogativa ao Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (Onserp), órgão criado pela Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ), de poder decidir quando se pode usar o instrumento.
De acordo com Patricia Peck, CEO e fundadora da Peck Advogados, a assinatura avançada é a mais utilizada no País por ser a mais simples e de menor custo.
“Com este artigo, ela ficaria sujeita a uma autorização, o que geraria um alto custo ao governo e à sociedade.”
Patricia Peck, CEO e fundadora da Peck Advogados
“O Onserp é formado basicamente pelos cartórios e, portanto, é como se estivéssemos retrocedendo em algo que já tínhamos avançado”, concluiu Patricia.
Até no campo da saúde será um retrocesso. Se houver queda da utilização da assinatura avançada (com recursos como login e senha, tokens, biometria e reconhecimento facial), o Brasil passa a ignorar recomendação da Organização Mundial da Saúde.
“A OMS indica a utilização de formas de assinaturas que possam prevenir uma próxima pandemia, quanto mais em públicos de grande massa como pode ser o da Minha Casa, Minha Vida”, afirmou a advogada.