Economia

Reforma tributária: Lira diz ter feito sua parte; tempestade agora vai ao Senado

Aprovação da primeira parte das regulamentações aumenta isenção para alimentos e remédios, e cria trava de limite padrão da alíquota; cabe aos senadores começar os cálculos para ver se essa conta fecha ou não

Crédito: Roque de Sá

Reforma Tributária no Congresso: filme com várias tramas que se cruzam (Crédito: Roque de Sá)

Por Paula Cristina

No cinema, aquele momento em que há uma virada das expectativas, geralmente do meio para o final da película e que ajuda na resolução de um conflito antes do fim, é chamado de plot twist. E, se a saga da Reforma Tributária fosse um filme, certamente o turning point seria protagonizado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira. Enquanto a cadeia produtiva esperava que a discussão sobre privilégios, benefícios e impostos fosse debatida depois do recesso parlamentar, a surpresa foi grande quando o presidente da Câmara garantiu que a regulamentação seria debatida e levada ao plenário em 10 de julho. Nos dias que antecederam a votação, os corredores do Congresso pareciam feira de negócios. Havia empresários, dos mais variados setores, em trânsito constante. Não faltavam negociações em gabinetes, pedidos e exigências. A situação chegou a irritar Lira, que teria dito a aliados que não se deixaria pressionar pelos empresários. Com a celeridade definida por ele, em meio aos 805 pedidos de ajustes propostos pelos deputados e as cobranças do setor privado, a primeira regulamentação foi aprovada. Os potenciais excessos, incoerências ou jabutis devem ser analisados no Senado, onde o governo federal tem um trânsito maior para negociação.

O texto-base, de relatoria do deputado Reginaldo Lopes, foi aprovado por 336 votos a 142, com 2 abstenções. O principal ponto de conflito era a inclusão das carnes na cesta básica. O pedido pela não inclusão veio de Fernando Haddad, ministro da Fazenda, que sugeria uma redução de 60%. Após negociações entre Legislativo e Executivo, formou-se maioria pela isenção dos produtos. Os queijos, peixes e sal também entraram no mesmo balaio. À DINHEIRO o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães, afirmou que a proposta, incluída pela oposição, foi negociada por ele com Lula. “Falei por telefone com o presidente e expliquei o entendimento do Parlamento sobre o assunto”, disse. A alteração na proposta foi aprovada com 477 votos favoráveis e três contrários. Dois parlamentares se abstiveram. Ao todo, a emenda teve 882 votos.

Washington Costa

“É preciso ter em mente que, quanto maior a isenção, mais a alíquota padrão média irá subir.”
Bernard Appy, secretário extraordinário da Fazenda

Na contrapartida, os parlamentares incluíram no texto uma espécie de trava para evitar que a alíquota única ultrapasse os 26,5%. De acordo com Lira, a negociação equilibrou isenções que fomentam a economia e comprometem a arrecadação. “A inclusão da proteína na cesta básica impacta muito a alíquota. O que deu mais conforto foi essa trava que foi colocada no texto. Se bater perto [dos 26,5%] vai ter que ter alteração, vai ter que se rever. Quem sai, qual fica?” Segundo ele, o destaque da carne foi acatado porque “havia um grande clamor para que essa questão fosse resolvida”. “Se é o ideal? Não. Mas não me cabe comentar, porque resultado de plenário não se discute.” Depois, ele comentou que “se a reforma não é a ideal, é a possível”.

Os cálculos da Fazenda, apresentados por Bernard Appy, secretário extraordinário da Pasta, indicavam que a isenção das carnes elevaria em cerca de 0,53 ponto percentual a alíquota do imposto único que incidirá sobre os demais produtos, para manter a arrecadação tributária atual. “É preciso ter em mente que, conforme as isenções ganham espaço, a alíquota padrão irá subir para compor a média. O Parlamento tem liberdade para tomar as decisões que acha cabível, mas é impossível ignorar que as ações têm reações”, disse ele à DINHEIRO. Agora, a Fazenda irá aumentar a discussão sobre tais impactos com os senadores, que ainda vão dar aval à proposta da Câmara.

Governo estima que a isenção das proteínas irá elevar em 0,53 ponto percentual a tributação geral pós-reforma. Para Arthur Lira, se a média passar de 26,5%, algo precisará ser tirado da cesta

Também ficou determinada a redução de 60% de impostos para todos os medicamentos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou fabricados por manipulação.
Originalmente, esse regime não existia.
O parecer prevê duas categorias de remédios para orientar a tributação: uma lista com 383 remédios isentos (imposto zero), mantida em relação à versão anterior; imposto reduzido (correspondente a 40% da alíquota geral) para todos os outros medicamentos registrados na Anvisa ou produzidos por farmácias de manipulação.

As versões anteriores do texto previam que esse imposto reduzido fosse aplicado apenas a uma lista de 850 medicamentos – que chegou a incluir remédios para disfunção erétil, vacinas e ansiolíticos. Na prática, o novo texto aplica a todos os medicamentos não isentos esse corte de 60% do IBS e do CBS – impostos que vão agregar e substituir os pagos atualmente.

Além das carnes, queijos e sal também terão isenção segundo texto da Câmara. Senado deve revisitar tais itens (Crédito:Divulgação )

DEVOLUÇÕES

Outra regulamentação modificada foi o mecanismo de retorno de imposto para a população inscrita no Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal — o chamado cashback. Pela proposta inicial, o valor será destinado às famílias com renda per capita de até meio salário-mínimo e inscritas no CadÚnico. O texto agora aumenta o percentual de devolução da CBS — o imposto sobre consumo de competência federal — para energia elétrica, água, esgoto e gás natural. Originalmente, seriam devolvidos 50% dos tributos pagos. Pela nova versão, será devolvido 100% da CBS. Foi mantido, no entanto, o percentual de devolução do IBS, compartilhado entre estados e municípios, de 20%.

Para o cálculo do cashback definido, serão consideradas as compras feitas por todos os membros da família inscrita no CadÚnico. A devolução de tributos pagos em faturas de energia e água, por exemplo, será feita diretamente na conta. Uma outra regulamentação definirá como será feito o cashback para as outras áreas.

Segundo Lira, o texto que agora avança para o Senado deu à Câmara a sensação de dever cumprido. “Tudo isso foi fruto de intenso debate com todos os setores sociais, na busca de consensos e definição de um sistema tributário justo.” De acordo com ele, o Brasil deu um passo em direção ao desenvolvimento, com segurança jurídica, clareza tributária e regras claras para governos, investidores, produtores, industriais, comércio e consumidores. “Quem ganha com o novo modelo é o povo brasileiro. Tenho a honra de presidir a Câmara dos Deputados nesse momento histórico. A Câmara é a Casa do Povo e nunca faltará em seus compromissos com o povo.”

Presidente da Câmara diz que, ainda que a reforma não seja a ideal ou a pensada por Fernando Haddad, ela é a possível agora (Crédito:Marcelo Camargo/Agência Brasil)

PRÓXIMOS PASSOS

Com a resolução do conflito na Câmara, o filme da Reforma Tributária começa a caminhar para o eixo final do longa-metragem.
Agora, a tendência é que a discussão tenha maior participação do governo, que, em geral, tem melhor trânsito no Senado.
As pressões do empresariado também tendem a diminuir, já que a influência é maior na Câmara.
A previsão é que o projeto seja analisado em agosto. Se os senadores fizerem mudanças no texto, ele volta para nova votação na Câmara, que dará então a palavra final sobre a proposta.
Depois da tramitação no Legislativo, o projeto segue para sanção do presidente Lula.

O spin-off do enredo se concentra na segunda parte da regulamentação, com foco nos tributos de estados e municípios sobre consumo e propriedade (PLP 108/2024) que ainda está nas mãos dos deputados.
A expectativa é que esse texto seja analisado pela Câmara após o recesso parlamentar que começa no próximo dia 18.
A Câmara terá sessões em três semanas nos próximos dois meses: dias 12 a 14 e 26 a 28 de agosto e 9 a 11 de setembro.
A regulamentação da Reforma Tributária vai depender ainda de projetos de lei e outras normas que devem ser apresentadas em 2025 para tratar, por exemplo, das alíquotas dos bens sujeitos ao imposto seletivo e dos tributos sobre heranças.

Um daqueles filmes que, mesmo depois do desfecho, deixa o gancho para continuação.