ESG: convicção, conveniência ou constrangimento?
Por Ricardo Voltolini
Pioneiro na estrada que nos trouxe ao ESG, Fabio Barbosa, hoje CEO da Natura&CO, costumava dizer que há dois modos de uma empresa incorporar a sustentabilidade ao negócio: convicção ou conveniência. No primeiro caso, a organização se move por um conjunto de crenças e valores afinados com o conceito mais visceral de sustentabilidade. É um impulso natural de dentro para fora. Tem a ver com a cultura. Está no seu jeito de ser e estar no mundo.
No segundo caso, o que motiva a empresa é uma percepção mais utilitária de que se o tema adiciona valor ao negócio, porque assim querem os consumidores e a sociedade, não se pode “fazer menos” do que o concorrente. É uma dinâmica artificial de fora para dentro. Diz respeito à competição. Encontra-se na epiderme do discurso organizacional.
Recentemente, Fabio acrescentou à tríade um terceiro “C”: o do constrangimento. Muitas empresas, lembra, estão sendo forçadas por clientes de todo porte a terem estratégias de sustentabilidade sob o risco de perderem contratos. Como é pressão, a corrente gira de fora para dentro. Resulta de instinto de sobrevivência. Faz-se o mínimo para atender, às vezes com choradeira, o protocolo exigido pelo parceiro.
Para Fabio, importa pouco a motivação desde que as empresas transformem intenção em ação. Penso igual, na essência. Mas com uma ressalva importante: quanto mais legítima é a ação, mais diferença costuma fazer para as partes interessadas. Maior é a mudança no jeito de pensar e fazer negócios – o que deveria ser, a rigor, a primeira aspiração de toda empresa que quer ser mais sustentável, não porque o concorrente faz ou o cliente exige, mas por ser o certo a se fazer pela sociedade e planeta.
Como não existe ação legítima sem intenção genuína (na origem latina, “natural”, “não imposta”), o quociente de verdade (do grego alethea, o “não-escondido”) tende a determinar o nível de confiança dos stakeholders em relação à estratégia de ESG de uma empresa. E, por consequência, o grau de valor que pode gerar para a empresa.
Muitas empresas estão sendo forçadas por clientes a terem estratégias de sustentabilidade sob o risco de perderem contratos
A verdade é o espinafre do ESG. Isso explica porque, em busca da confiança que só ela produz, o mercado valoriza, numa ponta, a unificação dos padrões de dados de sustentabilidade, a dupla materialidade e o relatório auditado por terceira parte; e, na outra, repudia os planos capengas de net zero, as boas intenções climáticas não atreladas a nenhum plano de ação e as narrativas verborrágicas criadas para disfarçar a incoerência e a falta de vontade de mudar. O greenwashing é a criptonita do ESG.
Se a verdade é condição para ser genuíno (o “não imposto”), ela representa uma força cuja potência só pode ser extraída do movimento de dentro para fora. Viceja mais no campo da convicção, porque deriva da consciência. Germina mais em culturas baseadas em virtudes como justiça, integridade, cuidado, respeito, diversidade, espírito de servir e transparência.
Isso significa que a ação de uma empresa que entrou na sustentabilidade pela porta da conveniência ou do constrangimento nunca será genuína? Não, claro que não. Muito embora, segundo minha experiência, nessas duas circunstâncias, observa-se menor compromisso com metas, mais falta de vontade de enfrentar dilemas, líderes mais vacilantes e um olhar de negócio mais desatento para impactos socioambientais.
Tudo depende de quão aberta a empresa está para rever profundamente suas intenções. E do quanto suas intenções estão ligadas a princípios de justiça e humanidade que gostamos de admirar em indivíduos decentes. Depende do nível de evolução de consciência dos seus líderes. Depende do que estão dispostos a renunciar no curto prazo em nome de uma visão de mundo mais propositiva para as próximas gerações.
Ricardo Voltolini é CEO da Ideia Sustentável, fundador da Plataforma Liderança com Valores, mentor e conselheiro de sustentabilidade