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“A indústria precisa dos incentivos do agro para crescer”, diz ex-ministro Celso Pansera

Ex-ministro de Ciência e Tecnologia defende mais linhas de financiamento para indústria ampliar operações e investir em inovação

Crédito: Telmo Ximenes

Celso Pansera, da Finep: "Para continuar inovando, o Estado precisa aportar recursos de forma perene' (Crédito: Telmo Ximenes)

Por Allan Ravagnani

Na contramão do crescimento econômico de 2023, o setor industrial brasileiro observou sua participação no Produto Interno Bruto (PIB) recuar para 10,8%, sofrendo a sétima queda em 10 anos, enquanto viu o agronegócio avançar 15% e atingir 7,2% do PIB no passado, e ganhar a alcunha de motor da economia nacional. O crescimento do agro pode ser explicado, em grande parte, pelo aumento da produtividade no campo, aliado aos mecanismos e instrumentos públicos de incentivo ao setor, mas e o declínio da indústria nacional?

Celso Pansera, ex-ministro de Ciência e Tecnologia, atualmente é presidente de duas grandes instituições de fomento, a Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE) e a Finep, e conversou com a DINHEIRO sobre os problemas do setor, financiamentos para inovação, desenvolvimento, política industrial e falou também porque o agro vem dando certo. Pansera participou do lançamento do programa de industrialização do governo federal, o “Nova Indústria Brasil”, que ocorreu em janeiro de 2024 e promete R$ 300 bilhões em financiamentos, com juros de 4% ao ano, para estimular o desenvolvimento industrial até o ano de 2026.

DINHEIRO — Como está a busca por crédito para inovação por parte da indústria?
CELSO PANSERA — Estou positivamente surpreso, pois a demanda por financiamentos está muito alta, tanto na ABDE, na Finep e outras agências de fomento. No ano passado, recebemos R$ 12 bilhões em pedidos e aprovamos R$ 8 bilhões. Já no âmbito do Nova Indústria Brasil, até 15 de julho, foram R$ 15 bilhões em projetos de financiamento para a inovação. Desses 15, a Finep vai entrar com R$ 12,7 bilhões e as empresas com R$ 2,3 bilhões. Geralmente financiamos de 80% a 100%. Quando são empréstimos de até R$ 15 milhões, a ABDE faz direto com os agentes credenciados, acima disso, vai para a Finep.

O Nova Indústria Brasil está tendo boa adesão?
Sim, é um programa diferenciado. Vai emprestar R$ 300 bilhões para indústrias até 2026, com taxas de 4% ao ano. O País precisa desse incentivo, com financiamentos pelo BNDES e Finep. Para obras de infraestrutura o BNDES é quem vai financiar, para inovação, é o Finep. E nós estamos treinando as agências para chegar aos bancos para oferecerem as linhas de inovação às empresas menores. Para inovar, a taxa de juro aplicada é a TR+ algum percentual que viária com o projeto, por exemplo, quanto mais inovador, menor a taxa, de 2% a 4% ao ano. Projetos de combate à fome, digitalização de empresas, descarbonização, saúde, mobilidade para cidades, transição energética e defesa para projetos de soberania nacional pagam menos.

O que o agro tem para ensinar ao setor industrial?
O caminho que o agro pode indicar e como o governo pode trabalhar com a indústria é disponibilizando recursos. A política brasileira para o agro reforça a competitividade do setor no mercado nacional e internacional através do melhor acesso ao crédito, com subsídios e investimentos para a industrialização, comercialização e transporte da produção. Só o Plano Safra, principal política de crédito do setor, destinou R$ 364,2 bilhões em 2023. Além disso, o financiamento público à inovação no campo, como o realizado há décadas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), completa o círculo virtuoso da agropecuária nacional. Quanto ao setor industrial, a experiência histórica dos países desenvolvidos mostra que o apoio do Estado à indústria também é a regra, não a exceção. O financiamento adequado gera empregos de qualidade e o aumento da complexidade do tecido econômico, além de impulsionar as exportações de alto valor agregado, o desenvolvimento tecnológico e a inovação, fundamentais para o País ter um crescimento econômico robusto no longo prazo.

“A política brasileira para o agro reforça a competitividade do setor no mercado interno e externo através do melhor acesso ao crédito, subsídios e investimentos para industrialização”

Pode explicar melhor a atuação da ABDE e da Finep?
A ABDE é a associação que representa o sistema nacional de fomento. Foi fundada em 1969 e hoje tem 34 associados, sendo os bancos públicos, como Caixa, Banco do Brasil, BNDES, Banco da Amazônia, Banrisul, Banco do Nordeste, além de agências de fomento, como a Finep — que eu também presido — e o Sebrae. Os nossos associados são responsáveis pela maior parte do crédito rural e de infraestrutura do País. Já a Finep é uma empresa pública que tem duas formas de ação, uma como agência de fomento, com editais voltados para o ambiente de infraestrutura científica, com a subvenção de empresas, e a outra ação dela é financiando empresas em projetos de inovação. Os recursos vêm do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDTC), cerca de 95%, e o restante do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico de Telecomunicações (Funttel), mas vamos começar a acessar o Programa de Mobilidade Verde (Mover), ainda vamos acertar o tamanho com o BNDES.

O crédito para inovação serve para qualquer tamanho de empresa?
Sim, para todas, desde pequenas até as gigantes. Nosso limite é de R$ 500 milhões por empresa, mas quando há um projeto maior, conversamos com o BNDES para dividir o tamanho do financiamento, mas a gente só fomenta projetos de inovação. Recentemente fizemos empréstimos para a Bosch, para a farmacêutica EMS, Embraer, e muitas outras menores. O Brasil tem muitas empresas inovadoras. Vamos também lançar uma linha de R$ 50 milhões para financiar os laboratórios e bibliotecas do Rio Grande do Sul.

Para reduzir emissão de CO2 também?
Também, inovação engloba a redução de emissão de gases efeito estufa, então nós estamos financiando, por exemplo, uma produtora de etanol de milho em Lucas do Rio Verde (MT), cujo projeto é capturar CO2, onde pretendem enterrá-lo no subsolo, e como existem tecnologias de transformação desse gás em uréia verde, hidrogênio verde, isso pode virar uma mina de ouro para essas empresas no futuro. Também tivemos um contrato com a Volkswagen para aumentar a eficiência de seus veículos híbridos com etanol. A ideia é trabalhar nesse sentido, de reduzir a pegada de carbono.

Financiam startups e empresas disruptivas?
Sim, para as startups temos um programa chamado Centelha, para disseminar a cultura do empreendedorismo inovador em todo o País, utilizando a mobilização e a articulação institucional dos atores nos ecossistemas locais. A parceria com os estados funciona da seguinte forma, nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste, para cada R$ 1 que o Estado investe, a Finep aporta R$ 4. Nos Estados do Sul e Sudeste para cada R$ 1 do Estado, nós aportamos mais R$ 2. Lançamos também o programa ‘mulheres inovadoras’, que é um programa de startups dirigidas por mulheres, selecionaremos cinco startups, e a campeã receberá R$ 100 mil em investimentos.

Por que o Brasil se desindustrializou nas últimas décadas?
Foram diversos motivos para isso ocorrer. Aumento da concorrência externa, questões cambiais, falta de investimento do estado. Hoje, ela gera 11% do PIB, no mundo e a média é 19%. Queremos chegar perto desse número, com nossos produtos competindo no exterior, e para isso precisa de mais inovação, e para fomentar a inovação precisa de estado, políticas públicas, mas também teve um crescimento muito forte da área de serviços, do agro, o que é bom.

O Estado está atuando?
Está, mas é uma coisa mais recente, do início dos anos 2000. Veio continuamente, foi interrompido no último governo, mas está retomando. O governo tem trabalhado nesse sentido, investindo na criação de institutos federais, ensino técnico, ampliações de universidades. Precisamos de mais profissionais de física, engenharia, química e a expansão da pós-graduação brasileira é recente, mas mesmo assim o Brasil é 14º- com mais publicação de artigos científicos, temos muita inteligência funcionando, uma ciência em avanço. A nossa dificuldade é jogar isso para o sistema produtivo, no Global Innovation Index do ano passado, o Brasil estava em 49º- l ugar, mas podemos melhorar isso.

A perversidade dos juros altos é que o empresário tem mais motivação para investir no mercado financeiro do que na expansão do próprio negócio, fazer uma nova fábrica e gerar empregos”

É possível que a indústria volte a crescer (proporcionalmente) no PIB Brasileiro?
Não sei se chegaremos aos 19% do PIB, mas é legítimo aspirar que a indústria tenha um aumento de faturamento, existe massa crítica para isso, financiamento para isso, empresários inovadores e um mercado de consumo muito forte, que são Brasil e Mercosul, então a expectativa é que o Brasil de um salto nisso.

Qual a sua opinião sobre o atual patamar da taxa básica de juros, em 10,5% ao ano?
O meu posicionamento é que os juros estão altos e a economia permite mais reduções. É uma perversidade esse sistema, pois fica mais interessante para o empresário investir no mercado financeiro do que expandir seus negócios, investir em uma nova fábrica. O Lula tem um discurso correto nessa questão dos juros porque atrapalha a economia como um todo, aumenta a dívida pública e afeta as empresas. Se olharmos a bolsa de São Paulo e compararmos com a bolsa de Nova York, por aqui, entre as dez maiores empresas, pelo menos cinco delas são do sistema financeiro. Já nos Estados Unidos, eram do setor industrial, que agora está mudando para o setor tecnológico, pois há um benefício em investir nelas.

O Brasil pode aproveitar o momento de transição energética do mundo para baixo carbono e assumir a vanguarda dessa tendência?
Sim, em algumas áreas o Brasil está muito bem posicionado, como produção de motores eficientes, produção de aplicativos para gestão de empresas, temos a WEG, a Embraer, muitas outras empresas de ponta. O País poderá, em pouco tempo, produzir satélites de baixa altitude, na área de defesa, temos muita capacidade, na saúde, até 2030, 70% do consumo do SUS será produzido no Brasil, hoje são 45%. No tratamento do câncer, o Brasil desenvolve projetos muito avançados. Um tratamento desenvolvido pela USP de Ribeirão Preto, que custa R$ 2 milhões por paciente, mas que tem uma remissão do câncer de quase 100% em vários casos, agora já tem uma linha financiada pela Finep, SUS e Butantã, que vai dar escala a esse tratamento, trabalhando com a Fiocruz, para reduzir os custos. Em BH há o centro nacional de vacinas, que é uma área que o Brasil está avançando muito, também no transplante com órgãos de animais, então nós temos muito a oferecer para o mundo. Mas, de fato, para continuar inovando, o Estado precisa aportar recursos de forma perene.