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Haddad e Tebet, as vozes do bom senso de Lula; entenda

Fernando Haddad e Simone Tebet lideram o time que defende os cortes dentro do governo e anunciam R$ 15 bilhões de redução de gastos. Número, no entanto, precisará subir depois das eleições municipais

Crédito:  Washington Costa  |  Ricardo Stuckert/PR  |  Igo Estrela

Os ministros Fernando Haddad e Simone Tebet: a dura tarefa de explicar a Lula os riscos sobre a conta não fechar (Crédito: Washington Costa | Ricardo Stuckert/PR | Igo Estrela)

Por Paula Cristina

Na filosofia, o bom senso é um conceito usado na argumentação para destacar a capacidade média que uma pessoa tem, ou deveria ter, de se adequar à realidade, considerar suas consequências e, assim, fazer boas escolhas. Em geral, as pessoas têm o bom senso contaminado por interesses pessoais ou véus ideológicos, e suas decisões podem ter mais ou menos impacto na realidade, a depender de sua posição na sociedade. Quando falamos da figura do presidente da República, o bom senso pode ser completamente ofuscado por fatores externos, e é aí que precisa entrar no jogo a cúpula do governo, com a missão de reajustar a rota.

Essa é a situação do jogo fiscal do Brasil de hoje.
Lula elevou os gastos da máquina pública,
investiu mais que seus antecessores,
e ampliou programas sociais,
tudo enquanto a arrecadação cresceu, mas não no mesmo ritmo.

Diante de tal disparidade, os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, precisaram ser as vozes do bom senso de Lula. Era contingenciar ou infringir a Lei de Responsabilidade Fiscal. E o fim do arcabouço.

Em um primeiro momento, a decisão foi segurar R$ 15 bilhões do Orçamento, cifra que joga o déficit para 2024 em R$ 28,8 bilhões, o limite para fechar as contas. A expectativa do mercado, no entanto, é que sejam necessários mais R$ 15 bilhões para garantir o cumprimento das regras. Tebet afirmou que o corte foi racional e lógico e que vai acontecer sempre que precisar, e com a anuência de Lula. “A regra é uma só, não podemos gastar mais do que arrecadamos, porque, na ponta, é a população que paga o preço”, disse.

Sem detalhar os parâmetros e ministérios que serão atingidos pelo corte, a ministra explicou que:
o bloqueio será de R$ 11,2 bilhões, decorrentes de aumento em despesas obrigatórias,
enquanto a limitação de empenho (contingenciamento) será de R$ 3,8 bilhões.

E isso será obtido através de um, segundo ela, esforço conjunto entre as pastas e políticas públicas. “Também haverá uma avaliação dos programas sociais, mas não é o foco da revisão”, disse. Nesse sentido, a ministra afirmou que o privilégio dos ricos é que será atacado nessa revisão racional de gastos. “Precisamos checar se o que renunciamos em arrecadação vêm na mesma proporção em políticas que atendam o interesse coletivo”, afirmou.

De acordo com ela, as renúncias fiscais no Brasil estão na casa dos R$ 615 bilhões, quase quatro vezes mais que o orçamento do Bolsa Família (R$ 160 bilhões).

Outra frente que a ministra diz focar é na qualidade dos gastos envolvendo políticas públicas. “Desde o INSS, passando pelo BPC, pelo seguro-defeso, Pró-agro. Não queremos cortar. Queremos avaliar se há erros, fraudes ou irregularidades, porque a gente teve uma pandemia que bagunçou um pouco as políticas públicas.”

Com tudo isso, o plano da ministra é entregar, para 2025, um corte de R$ 25 bilhões que já será incluído no Projeto de Diretrizes Orçamentárias do ano que vem.

A contenção deste ano foi confirmada e balizada pelo secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron. Ele afirmou que há um alinhamento dentro do governo sobre a necessidade dos bloqueios, em uma espécie de compromisso conjunto. “Os limites de despesas serão rigorosamente observados. O caminho continua sendo o da responsabilidade fiscal”, disse.

Na segunda-feira (22), ele divulgou o Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do terceiro bimestre de 2024 e afirmou que, apesar do corte, há um ambiente econômico doméstico saudável, o que dá mais tranquilidade na contenção dos gastos. “Há o aumento da massa salarial, inflação controlada e, principalmente, a manutenção da confiança dos agentes sobre a capacidade do governo de cumprir as metas fiscais.”

O governo também conta com o “empoçamento” de recursos nos ministérios — ou seja, recursos previstos no Orçamento, mas que não são executados e acabam “sobrando”. Segundo Ceron, esse valor costuma girar em torno de R$ 20 bilhões. Todos esses fatores reduziriam o rombo nas contas públicas, afirma o secretário.

o secretário da Receita Federal do Brasil, Robinson Barreirinhas, questionado sobre o motivo de a arrecadação não estar sustentando o aumento dos gastos, afirmou que a receita tem ido bem, mas só a desoneração da folha de pagamento resultou em uma renúncia de R$ 5,2 bilhões em arrecadação no terceiro bimestre.

Ele antecipou ainda que, em junho, houve um crescimento nominal de 15,72% na arrecadação, e 11,2% já descontada a inflação, na comparação com junho do ano passado. No acumulado de janeiro a junho, houve crescimento nominal de 13,6% e real de 9,08% em relação ao mesmo período do ano passado. “As receitas atingiram as metas previstas em junho. A arrecadação foi boa. O problema foi a frustração das receitas com renúncias fiscais”, disse.

Governo afirma que recursos do ‘Minha Casa, Minha Vida’ serão mantidos mesmo com os cortes previstos (Crédito:Joédson Alves/Agência Brasil)

NEM TUDO SÃO FLORES

Ainda que o governo tente colocar a narrativa de que tudo está indo bem, alguns fatores crônicos foram determinantes para o aumento das despesas obrigatórias. Os principais envolveram os Benefícios de Prestação Continuada (BPC) e benefícios previdenciários.
No caso do BPC (dotação prevista de R$ 111,5 bilhões para o ano), a alta de R$ 6,4 bilhões decorre principalmente do aumento nos quantitativos de benefícios concedidos face ao Programa de Enfrentamento à Fila da Previdência Social (PEFPS), bem como do aumento da quantidade de requerimentos novos e analisados.
Sobre os benefícios previdenciários (dotação prevista de R$ 927 bilhões), a elevação de R$ 4,9 bilhões é justificada pelo fato de as despesas dos últimos dois meses terem sido executadas acima do previsto inicialmente, em decorrência de mudanças de fluxos internos e comportamentos inesperados de entrada de pedidos.

Tais questões, inclusive, indicam um problema crônico e de difícil condução, e que atravessa governos.

Para Sérgio Freitas Diniz, que foi secretário do Orçamento do governo Michel Temer, já havia, durante o desenho da reforma da Previdência, a indicação de que as métricas precisariam ser revistas de cinco em cinco anos. “O envelhecimento da população, as mudanças nas relações de trabalho, tudo isso torna o custo praticamente inexequível de tempos em tempos”, afirmou.

Aos deputados e senadores cabem aprovar o Orçamento de 2025 que, segundo Tebet, terá uma redução de gastos de R$ 25 bilhões (Crédito:Rodrigo Viana)

Outro ponto de atenção nas contas do governo, no entendimento de Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, são as receitas estimadas. De acordo com ele, a arrecadação projetada no relatório está superestimada. “A receita projetada ainda está bastante inflada, com uma alta real acima da inflação de 9,6%”, disse ele. A previsão da Warren é uma alta real de 8,2%, exigindo cautela e ajustes adicionais do governo. A perspectiva do economista é que novos cortes precisarão ser feitos ao longo do mandato de Lula. “Não há mágica”, disse.

Além disso, soluções como revisão de indexações e vinculações também são caminhos importantes a serem tomados, além de uma revisão estrutural de privilégios e tamanho do Estado.

Sobre este tema, a ministra de Gestão e Inovação, Esther Dweck, afirmou à DINHEIRO que em um primeiro momento o objetivo é verificar onde falta eficiência no gasto do setor público e reavaliar o sentido de cada um deles. “Em um segundo momento, no plano maior, precisamos olhar o papel, o tamanho e a eficiência do Estado enquanto máquina de serviço público”, disse ela.

Entre as medidas, a digitalização de serviços e o uso da tecnologia em áreas mais analógicas é capaz de reduzir os gastos. “Esse é um caminho natural e que precisa ser pensado não apenas em momentos de crise, mas como política pública de longo prazo”, afirmou.

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Os limites de despesas serão rigorosamente observados. O caminho continua sendo o da responsabilidade fiscal.”
Rogério Ceron, Secretário do tesouro

AÇÃO E REAÇÃO

Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, toda decisão de corte tem um peso grande e, apesar de duras, são relevantes para o andamento da governabilidade. “A Receita fez um grande apanhado do que aconteceu nesses seis meses. O mesmo aconteceu com o [Ministério do] Planejamento. Não foi uma decisão fácil, mas o Arcabouço Fiscal está de pé, e assim vai continuar”, disse. Mesmo com todo o esforço, o rombo em 2024 deve ficar em R$ 28,8 bilhões, no limite da meta das contas públicas, prevista na âncora criada pelo PT.

A movimentação do governo em torno do controle de gastos vem na esteira de semanas turbulentas para a equipe econômica de Lula, que viu o dólar disparar no último mês a cada manifestação do presidente relacionada à política fiscal.

A interpretação do mercado era de que o governo não estaria se comprometendo com o controle das contas.

A situação também ajudou a empurrar o real para o grupo das cinco moedas que mais perderam valor frente ao dólar em 2024.

A lógica é simples: se os gastos do governo se descontrolam, investidores passam a duvidar da capacidade do país em honrar suas dívidas.

Na prática, o resultado é a fuga de dólares do Brasil para o exterior, o que torna a moeda mais escassa por aqui — e, assim, mais cara.

No entendimento de Alex Agostini, economista- chefe da Austin Rating, os últimos presidentes tiveram que contingenciar, ao ano, entre R$ 25 bilhões e R$ 35 bilhões. “Acredito que, passando a eleição municipal, o governo precise anunciar mais R$ 15 bilhões em contingenciamento”, afirmou. Na ponta do lápis, o governo precisa de R$ 62 bilhões até o final do ano para fechar as contas, mas há expectativa de receitas extraordinárias, como pagamentos judiciais e venda de ativos, que ajudam a compensar o buraco.

Para Agostini, no entanto, é preciso cautela ao contar com isso. “Não se pode apostar alto demais na receita extraordinária, nem tanto no pente-fino. O mais certo sempre é o corte.”

De acordo com Simone Tebet, o exercício do contingenciamento é cansativo, mas necessário. “Um país que por anos seguidos gasta mais do que arrecada compromete juros, inflação e dólar. Isso significa custo de vida mais caro para as pessoas”, disse. “Sabemos o que é preciso fazer: gastar menos do que arrecadamos, essa é a determinação de Lula, e é isso que estamos fazendo.”

Segundo ela, “parece uma conta matemática simples, mas não é”. E por isso serão apresentados à população os detalhes da equação para o corte. A afirmação comprova a teoria do matemático húngaro George Pólya (1887-1985) que, amparado pelo bom senso, dizia que “a matemática consiste em provar a coisa mais óbvia do mundo, de modo menos óbvio”. E é isso que o governo precisa fazer agora.

Entrevista
Simone Tebet, ministra do Planejamento

(Divulgação)

Quando os detalhes do contingenciamento e bloqueio serão divulgados?
Na próxima semana. Conversamos muito com o presidente Lula e ele reforçou: expliquem. Detalhem. Não deixem nada de fora deoconhecimento do público. Quando a população entende o porquê, ela aceita que é o melhor para o Brasil. Vamos fazer isso.

Foi difícil convencer o presidente Lula sobre o bloqueio?
Não. Este é o meu trabalho, assim como o do ministro Fernando Haddad, de apresentar cenários e soluções. Foi o que fizemos, e não foi agora. Não foi na última semana, no último mês. Fazemos esse acompanhamento durante toda a gestão. Ele [o presidente] sabia da situação e estava disposto a encontrar a solução.

Os cortes anunciados serão definitivos?
Alguns cortes não vão ter retorno e, outros, a depender da receita ou da revisão de gastos ainda esse ano, poderão ser descontingenciados [descongelados]. O bloqueio é um pouco mais difícil, mas na questão de contingenciamento, a depender da receita, nós podemos estar falando em descontingenciamento. Isso é uma questão.

Qual o principal problema dos gastos, hoje em dia, na sua opinião?
O que precisamos ter claro é que o problema dos gastos do Brasil não é o fato de o pobre estar no Orçamento, mas os privilégios que os ricos acumulam. E isso precisa ser checado ponto a ponto e fazer uma análise simples: quando renunciamos a alguma forma de receita, ela retorna da mesma forma em políticas que atendam o interesse coletivo?

Mas a senhora falou também sobre revisão dos benefícios sociais…
Eu quero deixar muito claro que dentro dos R$ 25 bilhões [previstos para o ano que vem] nós temos políticas públicas importantes para o governo. E não estamos descontinuando o Bolsa Família, de forma alguma. Nós estamos atacando a eficiência desse gasto, um olhar atento para onde, para quem e o porquê de cada gasto. Isso faz parte, é do jogo e melhora para todos.

Entrevista
Esther Dweck, ministra de Gestão e Inovação

Divulgação

Como seu ministério pode ajudar no contingenciamento?
Queremos garantir que as políticas públicas estejam atendendo quem precisa e nesse ponto um bom trabalho de gestão, de análise e de eficiência é primordial.

E esse processo precisa ser contínuo, certo?
A importância não se limita à sua atuação nos momentos de crises agudas. O Estado, como desenvolvimento, é um projeto de longo prazo. Não pode ser ligado ou desligado com um apertar no botão. Nosso ministério trabalha para que as mudanças sejam feitas e a crises superadas, mas os benefícios continuem. Não é sobre governo, é sobre Estado.

Com o tamanho do Estado brasileiro, como garantir mais eficiência com menos custo?
Temos dois desafios importantes. O primeiro é um fortalecimento concreto das capacidades estatais, e isso não é só no Brasil. O segundo desafio é reimaginar o desenho das capacidades estatais necessárias para o enfrentamento dos novos desafios contemporâneos e emergentes. Entender a realidade, adaptar-se a ela e não ter medo de mudar. A máquina pública de hoje não pode ser mais a mesma de 20 anos atrás.

Por isso é tão importante a Reforma Administrativa, por que ela não avança?
A reforma administrativa que está no Congresso [PEC 32]tem um foco punitivista, foco na redução do Estado, no fim da estabilidade do servidor público. São pontos com que o governo do presidente Lula e o Ministério da Gestão discordam absolutamente. Ali era um foco puramente fiscal.

Mas também é uma questão fiscal. Qual seria a solução?
Temos adotado medidas para corrigir distorções em várias categorias do serviço público. Nossa lógica é a de reajustes menores para níveis iniciais e novos critérios para a progressão. A reforma que nós pensamos é dividida em três eixos: funcionalismo (com incentivo e avaliação de desempenho); digitalização (com a progressão dos serviços digitais e redução de cargos); e estrutura (com um projeto de Lei que reformule a organização da máquina federal).