Com queda nas vendas, mercado de luxo se joga no e-commerce
Mercado premium aposta no e-commerce para aumentar resultados financeiros, mas exclusividade e experiência no on-line são desafios. Como levar seus diferenciais para um novo universo?
Por Letícia Franco
Zeitgeist, um termo alemão introduzido pelo escritor Johann Gottfried von Herder para designar o que seria o “espírito do tempo”, está intrinsecamente na moda. Tanto como ponto de partida para as inspirações quanto ao influenciar as criações. Se o zeitgeist contemporâneo envolve a conectividade de um mundo digital, a moda não poderia ficar de fora, especialmente as grandes e tradicionais maisons, conhecidas por mudar o rumo da indústria em cada época.
Mesmo com o desafio de transportar a exclusividade e a experiência das lojas físicas para o universo on-line, o mercado de luxo levou suas operações para o e-commerce como uma forma de elevar as vendas. É o caso de grifes como Dior, Hermès e Chanel, que apostam em suas lojas virtuais ao mesmo tempo em que descobrem maneiras de implementar os pilares do luxo em um novo ambiente – sem perder o glamour.
Fato é que nem as gigantes podem se dar ao luxo de ignorar o e-commerce. Outrora pioneiras, as marcas estreladas demoraram para aderir a iniciativas digitais e ingressaram nesse universo quando praticamente todo o mercado já estava nele. “O atraso pode ser justificado pelas diferenças. A internet é democrática, olha a capilaridade. Já o luxo não funciona assim”, disse Maya Mattiazzo, especialista em moda, luxo e negócios digitais e professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
Para ela, estar nas plataformas digitais se tornou questão de sobrevivência para o setor. Em um momento de desaceleração, a LVMH, dona de marcas como Dior e Louis Vuitton, e Kering, proprietária da Gucci, registraram queda de 10% e 30% de seus valores, respectivamente, desde o início do ano.
Segundo relatório global de luxo da Bain & Company, em parceria com a Altagamma, o mercado global de luxo ultrapassou a marca de 1,5 trilhão de euros em 2023, mas impulsionado pela retomada do turismo e da busca por experiências exclusivas.
“Pelo site, há possibilidade de agendar consulta e os produtos são entregues na mesma embalagem da loja e até o mesmo cheiro.”
Helena Costa, diretora da Infracommerce
Os desafios das grifes estreladas vão muito além das receitas. Isso porque, quando adentram no mundo virtual, elas precisam se diferenciar, com sua aura de exclusividade, assim como no mundo real. A escassez e atemporalidade são algumas características fundamentais dos produtos de luxo, e elas não combinam muito bem com um universo no qual tudo é compartilhável e instantâneo.
Por isso, um dos principais desafios é transportar para o site a experiência premium e sensorial de consumo das lojas físicas, que vão desde a iluminação e temperatura até os cafés e taças de champanhe. De acordo com Maya Mattiazzo, apesar de não ser possível reproduzir o luxo tradicional, há novas formas de fazê-lo. “Oferecer atendimento personalizado, disponibilizar poucos itens de um produto, criar pré-cadastros e o cuidado na entrega são alguns caminhos para a jornada de encantamento.”
DETALHES
Foi com a proposta de garantir a presença dos pilares do mercado de luxo nas plataformas digitais que a Infracommerce, empresa brasileira que opera o e-commerce de 20 marcas de luxo, incluindo o da Dior, Cartier, Hermès e Tiffany & Co, dobrou seu faturamento ao atender essas empresas.
Segundo Helena Costa, diretora de client success da Infracommerce, a experiência pode ser sentida desde o storefront até o pós-venda. “É uma estratégia muito bem pensada. Há mais exposição de marca e conteúdo no site, há possibilidade de agendar consulta para amparar decisão de compra e os produtos são entregues na mesma embalagem da loja e até o mesmo cheiro”, disse à DINHEIRO.
“Atendimento personalizado, disponibilizar poucos itens e o cuidado na entrega são caminhos para a jornada de encantamento.”
Maya Mattiazzo, professora da ESPM
Todo cuidado ainda é pouco.
• Os negócios do setor de luxo têm uma preocupação muito maior com as questões envolvendo a percepção de marca.
•Diferentemente do varejo comum, no luxo o desgaste para a reputação da grife de uma venda mal executada pode ser superior ao que seria caso ocorresse com uma loja de moda popular, o que faz com que grandes marcas olhem com lupa seus sites de compra, para evitar qualquer possível ruído na jornada de compra.
• Além disso, há também fatores a serem evitados, como as promoções. Isso porque a principal característica do varejo comum pode até mesmo afastar os consumidores, já que no luxo o valor agregado a determinado item é muito mais importante do que seu preço.
• Mesmo que seja um grande atrativo em qualquer e-commerce, comparar ou diminuir preços não é uma estratégia para as etiquetas de luxo.
As experiências on-line vão agradar o cliente e perdurar no mercado de luxo? O “espírito do tempo” vai dizer.