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Crescimento do iFood dispara à base de inovação e diversificação

Crédito: @Gladstone_Campos

No iFood desde 2018, Diego Barreto assumiu o cargo de CEO da plataforma em maio. Foco é na cultura da empresa e na gestão eficiente (Crédito: @Gladstone_Campos)

Por Beto Silva

RESUMO

• Companhia de delivery chega a 100 milhões de entregas por mês
• Empresa avança com novos negócios para crescer em 30% sua receita de R$ 10 bilhões
• Estão nos planos atender lojas de shopping, expandir sua fintech iFood Pago e difundir seu chatbot Anota Aí

Imagine que você tenha esquecido de comprar um presente para um amigo, namorado, esposa ou um familiar. Qual aplicativo usaria para adquirir rapidamente uma camisa polo da Dudalina, por exemplo? Certeza que não pensou no iFood, por motivos óbvios: é a maior plataforma de delivery de comida da América Latina. Mas pode começar a pensar nele para comprar roupa.

A companhia testa a vertente de shopping em seu ecossistema e tem ido muito bem. É mais uma linha de negócios do aplicativo, que desde 2022 se transforma em um ecossistema de soluções de entrega. Antes do shopping, canais de farmácia, pet shop e mercado já estavam disponíveis na plataforma, para pedidos dos 55 milhões de usuários ativos.

No total, em todas as frentes de atuação, são:
350 mil estabelecimentos parceiros,
310 mil entregadores,
6 mil funcionários,
e 1,5 mil cidades atendidas em todas as regiões do Brasil.

E agora, o iFood chega a um recorde que está sendo comemorado com entusiasmo pela empresa: 100 milhões de entregas por mês. Em 2018, apenas seis anos atrás, a companhia brasileira bateu a marca de 1 milhão de entregas mensais. Um aumento substancial de 9.900%, que garante uma receita anual na casa dos R$ 10 bilhões.

“A expectativa é crescermos 30% neste ano”, afirmou à DINHEIRO Diego Barreto, CEO do iFood, que inclusive já teve de usar o canal de vendas de shopping do app para obter uma camiseta branca, em um momento emergencial, quando esteve no Rio de Janeiro.

A linha de negócios de shopping visa aproveitar uma estrutura que o iFood já possui dentro dos centros de compras. A companhia tem um hub de coleta e despacho de refeições no backstage das praças de alimentação na maioria dos shoppings de grandes cidades.

Por isso é raro ver algum entregador com a bag do iFood pelos corredores dos centros de compras, apesar do alto número de pedidos nos restaurantes desses locais. A intenção não é concorrer com a venda direta e recorrente das lojas e sim apostar na conveniência para os consumidores. “Se der certo, e quando der certo, esse modelo vai ser expandido”, disse Barreto, que assumiu o cargo de CEO depois de ser CFO e vice-presidente de Finanças e Estratégia da empresa, em que está desde 2018. Na Movile, dona do iFood, ele atuou em 2016 e 2017.

A vertente de mercado do iFood representa 8% do volume geral de vendas. Atende consumidores e os restaurantes, que podem fazer pedidos em atacadistas (Crédito:Divulgação )

Formado em Direito pela PUC-SP, tem MBA no IMD Business School, da Suíça, e é autor de dois livros que têm sido referência para empreendedores: Nova Economia e O Cientista e o Executivo. Nas publicações e na sua carreira, Barreto ressalta a “cultura e o modelo de gestão” que fizeram o iFood alcançar o patamar de uma das principais plataformas de delivery da América Latina.

O aproveitamento de ativos, como faz agora com o canal de shopping ao aproveitar o hub de refeições, é uma das tônicas do processo. Foi assim que também alavancou a vertente de mercado do app, que surgiu em 2020. Se já entregava comida pronta feita por restaurantes, seria possível também entregar alimentos disponíveis nas gôndolas dos mercados.

Nesse caso, os meios de transporte de duas rodas, motos e bicicletas, ganharam o convívio de carros para que a quantidade de produtos a serem entregues aumentasse. E nessa esteira veio outra oportunidade: atender aos próprios restaurantes que compram de atacadistas. É dessa forma que empresas como Atacadão, Roldão e Assaí estão presentes no iFood. “É o aumento da construção de ativo no ecossistema”, disse Barreto.

Mas chegar até esse momento foi um processo. Para o iFood e para o executivo, que ganhou cancha ao participar ativamente da expansão das atividades do iFood, além da entrega de comida.

No início dos anos 2000, o setor vivia o que é chamado de food delivery 1.0. Era simplesmente a conexão entre o restaurante que queria vender e o consumidor que queria comprar. Um marketplace bom, mas limitado.

Os pontos positivos eram que a novidade atraía a curiosidade dos early adopters e a margem era alta. Porém, o tamanho do mercado era limitado e a experiência do cliente ficava restrita.

A partir de 2010, a logística agregada impulsionou o marketplace. Foi nesse momento que nasceu o iFood. Já havia maior engajamento das pessoas e dos estabelecimentos. E as ofertas destravaram. Um restaurante que fazia uma entrega por dia e não tinha condições de manter um entregador agora podia vender pela plataforma parceira.

Por outro lado, havia incertezas quanto ao retorno do negócio da plataforma, os ativos não eram completamente utilizados e o relacionamento com a base de clientes era restrito. Avançar tornou-se fundamental.

O passo à frente foi em 2018, com incremento dos investimentos em tecnologia para formar um ecossistema, de fato.

Com o segmento robusto em tamanho, desenvolveu a interconexão entre os parceiros, com aumento do engajamento entre consumidores e entregadores e melhoria da operação. Uma engrenagem positiva se formou.

“Para restaurantes, quanto mais entregas, mais barato fica o custo logístico. O delivery melhora e o consumidor vai querer mais”, frisou Barreto, ao rebater “alguns mitos” que envolvem o crescimento do iFood. O principal deles de que a plataforma seja fruto da pandemia. “Crescíamos forte antes da pandemia e seguimos crescendo depois dela. O iFood é fruto de cultura e modelo de gestão muito bons. Avançamos constantemente à base de inovação.”

Maquinona e oferta de crédito são produtos da fintech iFood Pago, que também tem disponibilizado benefícios trabalhistas e seguros para restaurantes (Crédito:Divulgação )
(Divulgação)

NOVAS VERTICAIS

As incertezas da década anterior desapareceram. E o iFood se preparou para reinvestir os lucros em novas verticais. Foram criados os canais de mercado, farmácia, bebidas, pet shop, gourmet e shopping (em teste). Além de duas frentes que têm se destacado fora do âmbito das entregas: a fintech iFood Pago e o chatbot de pedidos integrados Anota Aí.

Todas essas linhas já são responsáveis por 30% do Gross Merchandise Volume (GMV ou volume bruto de mercadorias) da companhia.

Os outros 70% são de duas vertentes do core: o Marketplace (conexão de restaurantes com entregadores) e Logística (aplicativo para o motoboy, rastreamento de entregadores e para clientes, despacho automático, roteirizador, controle de taxas, integração, relatórios e suporte).

O iFood Pago surgiu em 2021, durante a pandemia, para suprir a demanda de crédito dos restaurantes que estavam sofrendo para sobreviver diante de um cenário em que o País entrou em isolamento social rígido em ao menos três vezes.

“Resolvemos auxiliar um setor que tradicionalmente não era atendido pelos bancos. E usamos nossos dados para saber quem precisava de crédito para vender bem”, disse Thomas Barth, COO da fintech.

Em três anos de atuação, a instituição se fortaleceu.
Tem 140 mil contas digitais abertas,
40 mil tomadores de créditos,
e R$ 1,5 bilhão em financiamento concedido.

Entrou no ramo de adquirência, ao lançar sua maquininha de pagamento – no caso do iFood Pago, é chamada de maquinona –, além de oferecer seguros especializados voltados aos estabelecimentos comerciais e benefícios para os funcionários dos restaurantes parceiros.

A receita da fintech já chega a R$ 1 bilhão. Por enquanto, pretende ficar no ‘mundo iFood’, sem abrir serviços para o mercado em geral – nem mesmo para os entregadores. Por enquanto, ressalte-se. “Estamos focados na nossa base. Podemos crescer muito dentro de casa”, afirmou Barth.

(Gladstone Campos)

“Resolvemos auxiliar um setor que não era atendido pelos bancos. E usamos nossos dados para saber quem precisava de crédito para vender bem.”
Thomas Barth, COO do Ifood Pago

Já a Anota Aí surgiu da necessidade de melhorar o dia a dia do delivery, tanto para aumentar a sua eficiência operacional, quanto para impulsionar o crescimento do negócio. É uma ferramenta criada para otimizar processos de atendimento e gerenciar informações e dados de uma forma mais rápida e eficiente.

O chatbot centraliza os pedidos recebidos pelo restaurante por outros canais, como WhatsApp ou Instagram. A startup foi criada em 2017 e investida pelo iFood em 2022. “O robô, aliado ao cardápio digital, se relaciona com o cliente, tira dúvidas e coleta todas as informações necessárias, como quantidade de itens, endereço de entrega e forma de pagamento”, explicou Jonas Casarin, CEO da Anota Aí.

A ferramenta tem contribuído para impulsionar atividades de 35 mil clientes e conta com 13 milhões de pedidos intermediados mensalmente. É responsável por pouco mais de 10% do volume geral de vendas o iFood.

Na avaliação de Leonardo Mencarini, cofundador e CEO do Mercado Único, a expansão do iFood para novos segmentos é uma estratégia certeira para fortalecer sua posição no mercado, diversificar suas fontes de receita e mitigar riscos. “Ao incluir categorias como supermercados, farmácias e moda, o iFood não apenas atende a uma gama mais ampla de necessidades dos consumidores, mas também se posiciona como um parceiro de negócios essencial para uma variedade de setores”, analisou o especialista.

São 310 mil entregadores na plataforma. Estratégia é manter a base e aumentar a renda média dos motoboys, que tem avançado 25% nos últimos três anos (Crédito:Divulgação )

A intenção do iFood é avançar justamente com suas soluções inovadoras no mercado. Principalmente nessas novas verticais, fora do food. Expandir a atuação para mais cidades, além das 1,5 mil atendidas hoje, não está nos planos. Aumentar a base de 350 mil parceiros também não.

Diego Barreto explicou a estratégia. “A lógica do negócio não é ter todos os restaurantes de uma região. É ter o equilíbrio certo. Porque o consumidor não quer ter 50 hambuguerias para escolher. Quer ter um bom número de ofertas, com preço e qualidade, para decidir a compra”, disse o CEO do iFood.

E aceitar mais entregadores na plataforma? “Também não”, ressaltou o executivo. “Visamos manter os 310 mil e aumentar a renda deles. Com mais vendas nos mesmos restaurantes e mais entregas com os mesmos entregadores”, disse Barreto, ao destacar que a renda média dos motoboys tem crescido 25% nos últimos três anos.

Para uma jornada de 40 horas semanais, os ganhos são entre R$ 1.980 e R$ 3.039, segundo a foodtech. E a regulamentação desses trabalhadores para melhorar suas condições e os seus direitos? O iFood é a favor e defende publicamente a regulação desde 2020. “Precisa de regulação, proteção social, direitos mínimos. As empresas precisam pagar parte dessa conta. Dos dez pontos existentes [na regulação], nove estão em consenso. O que a gente discute hoje é o modelo da Previdência”, discorreu o CEO.

Segundo a companhia, a proposta de contração por CLT ignora a realidade do setor de entrega. A maioria dos entregadores que trabalham com o iFood possuem, em média, menos de 90 horas trabalhadas por mês e utilizam a plataforma para complementar renda. Se tributados, não atingirão o piso de contribuição necessário para inclusão na Previdência Social. E apenas 7% dos entregadores terão direito a seguros e Previdência, “evidenciando o fracasso da proposta”.

(Divulgação)

JET SKI

Boa parte do investimento anual de R$ 1 bilhão do iFood é aplicado em inovações embarcadas com Inteligência Artificial. A empresa é um navio de cruzeiro, mas a mentalidade é de ser um jet ski, para colocar as ideias em prática rapidamente, com times enxutos, espalhados por toda a empresa.

Assim, os caminhos, com novas direções, são explorados de forma mais dinâmica.
São 2,4 mil funcionários do setor de tecnologia da companhia,
sendo 300 da equipe de IA,
com 80 desenvolvedores.
Os testes são simples e rápidos.
“We love gambiarra” é o conceito.
Sim, eles amam gambiarra tecnológica. É delas que saem as soluções mais adequadas.

Divulgação

”O robô, aliado ao cardápio digital, se relaciona com o cliente, tira dúvidas e coleta todas as informações necessárias.”
Jonas Casarin, CEO da Anota Aí

Muitos jets ski já estão na água.
Um deles é no setor jurídico. A ferramenta de Inteligência Artificial compara contratos e faz análise de riscos, classifica a conformidade das cláusulas e revisa automaticamente, se necessário.
A outra está no core, em catálogos inteligentes. Por IA sugerida pelo iFood, é possível o restaurante melhorar a descrição do prato e até a foto dele que aparece para o cliente. Sem descaracterizar a imagem exata da refeição. Uma melhoria no fundo da foto ou uma mesa mais bonita, talvez. O tráfego de pedidos em cardápios com IA tem aumentado 5%.
Um terceiro exemplo é a Dora, um bot propositivo. No mercado do iFood, por exemplo, o cliente fala os ingredientes que precisa para fazer uma paella. O robô entende o contexto do comando de voz, prepara uma lista de produtos e compara os preços nos parceiros da plataforma.

Com tanta inovação, a tecnologia avançada não vai para a entrega? O iFood testa há mais de dois anos entrega por drones. Mas Diego Barreto sai das alturas e coloca os pés no chão para esclarecer que a ninguém vai ver os pacotes do iFood voando pro aí. “Existe uma limitação legal e burocrática pela Anac [Agência Nacional de Aviação Civil], que está certa em controlar o espaço aéreo. Aprovar uma rota de drone é bem parecido com avalizar uma rota de avião. Ultracomplexo”, ponderou o CEO, que prefere soluções mais factíveis.

Crítico da mentalidade de curto prazo, prefere promover uma cultura de transparência dentro da companhia e com os clientes e parceiros. É assim que o iFood alimenta seu futuro, com fome de resultados.

iFood tem parceria com a Tembici para disseminar entregas com bicicleta. Já os drones são testados, mas a tecnologia não deve ser implementada pela complexidade da operação e pelas restrições impostas pela Anac (Crédito:Divulgação )