Economia

Tombo da Bolsa do Japão assusta mundo econômico. Especialistas comentam

Derretimento do índice Nikkei refletiu a situação da economia global: incerta, intensa e precipitada

Crédito: ilustração: imagem gerada por IA/open.ai

Derretimento do índice Nikkei, da bolsa de valores japonesa: episódio de anime ou indicação de crise? (Crédito: ilustração: imagem gerada por IA/open.ai)

Por Paula Cristina

No universo da cultura pop japonesa reside uma forma de desenho que caiu no gosto dos ocidentais. Chamados de mangás e animes, são histórias contadas com toques expressivos, reações exageradas e personagens marcantes. Quando o índice Nikkei, da bolsa de valores japonesa, derreteu 12,4% em um dia, o resto do mundo acompanhou os desdobramentos como se fosse um episódio de anime. Este foi o maior tombo diário do indicador desde 1987, quando aconteceu o que ficou conhecido como Black Monday. A confluência de fatores que levaram a esse capítulo tenebroso é mais um sintoma que um desfecho.

O mercado financeiro global segue em alerta com a economia mundial, o crescimento das tensões e as incertezas políticas são veneno para quem vive de expectativa e, daqui em diante, há grandes chances de que esse plot twist na história dos mercados aconteça mais algumas vezes ao longo da temporada. “Desde a pandemia, o ritmo do mundo é outro, os desdobramentos são novos e os desafios maiores e mais recorrentes. Não vai parar por aqui mas, para cada problema, há uma solução”, disse à DINHEIRO o economista iraniano Nouriel Roubini, autor do livro A Economia das Crises.

Um indicador que mensura bem essa previsão é o VIX, também conhecido como Índice do Medo, que chegou a saltar 130% ao longo da segunda-feira (5), batendo U$ 53,99 e respondendo com forte aversão aos riscos que se apresentam.

Desenvolvido pela Chicago Board Options Exchange (CBOE), esse indicador leva em conta o preço de opções do S&P 500 para 30 dias – e o instrumento derivativo, usado para proteção de possíveis perdas, mede as expectativas do mercado para a volatilidade neste período.

“O mundo não vai bem. São juros incoerentes, populismo e autoritarismo se misturando novamente. São nações em guerras intermináveis e protecionismo em alta, os mercados reagem a tudo isso e antecipam os problemas”, afirmou o economista, que também é conhecido como Dr. Catástrofe entre seus alunos na New York University Stern School of Business.

● No topo das preocupações globais, e o que responde em partes o comportamento considerado por alguns analistas como exagerado da bolsa japonesa, estão os temores de recessão nos Estados Unidos.

● Também acendeu o alerta para a intensificação do conflito geopolítico no Oriente Médio. O chefe do grupo terrorista Hamas Ismail Haniyeh foi morto em Teerã, no Irã, também na última semana.

● E, agora, há promessas de retaliação.

● O comércio global também tende a andar de lado este ano, com uma variação de 0,1% em 2024, para US$ 53 trilhões, segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), que alerta para a dificuldade das economias, desenvolvidas e emergentes, estimular seus respectivos PIBs.

“A única certeza é de que o futuro não se parecerá em nada com o passado. Mas, para cada novo problema, há uma nova solução.”
Nouriel Roubini, economista

Como em todo bom anime japonês, as reações foram maximizadas, inclusive no Brasil. Pelo menos é o que avalia o professor de finanças e mercado financeiro da Fipecafi Hudson Bessa. “É importante salientar que a Black Monday está sendo seguida de uma forte recuperação, o que denota falta de convicção do mercado, em relação aos preços dos ativos.”

De acordo com ele, a reação foi exagerada, mas ainda assim indica desaceleração mais aguda em função das expectativas. “Um fator que tem contribuido foi um recuo mais pronunciado das cotações das Big Techs, em decorrência das suspeitas que os valuations estejam elevados demais. O que pode dar início a uma onda de pessimismo mais profunda.”

Nos EUA, caiu em U$$ 1 trilhão o valor de mercado das sete maiores empresas de tecnologia, e ações desabam (Crédito:Jeenah Moon)

Na segunda-feira (5) as maiores empresas de tecnologia perderam quase US$ 1 trilhão em valor de mercado, derrubada que aconteceu como reflexo do movimento da Berkshire Hathaway, empresa do megainvestidor Warren Buffet, que vendeu metade de suas ações na Apple.

O movimento foi visto como uma readequação do mercado ao potencial das empresas que investem em tecnologia artificial. “Tivemos uma correção de ações de tecnologia. Além do Buffet, houve queda de 25% da Intel na semana passada”, analisa Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master. “Nvidia sozinha vale mais que a bolsa da Alemanha, cheia de empresas consolidadas. Essa liquidação das empresas de tecnologia e das criptomoedas também traz mais tensão.”

PAPEL DOS EUA

Para contribuir com essa aversão, em meio à disputa pelo governo norte-americano, a saída de Joe Biden da corrida e o crescimento de Donald Trump, o payroll, um dos principais relatórios de emprego dos Estados Unidos, reportou abertura de 114 mil vagas não agrícolas em julho.

O número veio bem abaixo dos 175 mil postos esperados pelo mercado financeiro.
● O setor privado gerou 97 mil postos de trabalho, a segunda menor leitura desde dezembro de 2020.
● Com isso, a taxa de desemprego subiu para 4,3% (ante 4,1%).
● Os números do mercado de trabalho vieram apenas dois dias depois de o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) decidir manter suas taxas de juros inalteradas por, pelo menos, mais 45 dias.

Hoje, a taxa básica está entre 5,25% e 5,50%, maior patamar em 21 anos. Juros altos encarecem processos de tomada de crédito e financiamento para pessoas e empresas, o que tende a reduzir a atividade econômica e diminuir o consumo da população. Podem causar justamente uma recessão nos EUA, e elevar o preço dólar mundo afora, e derrubar bolsas. no Brasil, a moeda americana chegou a bater R$ 5,84% na Black Monday.

O Fed, contudo, não se sentiu confortável até o momento para reduzir as taxas, pois buscava levar os índices de inflação de volta para a meta de 2%.

Para o professor de finanças da Fipecafi Felipe Nasciben, ainda que os dados norte-americanos não sejam positivos, não há indícios de que a recessão nos Estados Unidos esteja tão próxima. “Ainda que o nível de atividade americana e o payroll não esteja em linha com a expectativa, não significa que a economia americana não esteja crescendo. A China apresenta crescimento tímido comparado ao seu próprio histórico, mas segue avançando.”

Derretimento de 12% nas ações japonesas foi o estopim para o contágio das bolsas globais (Crédito:Tomohiro Ohsumi)

NOVA TEMPORADA

Durante o evento Fronteiras do Pensamento, em São Paulo, Nouriel Roubini, que é radicado nos Estados Unidos, falou sobre seu novo livro Megatendências: Dez Tendências Perigosas que Ameaçam Nosso Futuro e Como Sobreviver a Elas. Foi o iraniano que previu a crise financeira global de 2008 – nomeando, inclusive, a causa, o estouro da bolha do subprime no mercado de hipotecas americano.

Desta vez o alerta é mais generalizado. Para ele, a pandemia inverteu os riscos e colocou a sociedade e a economia no centro da crise. Antes de 2019 os riscos eram hiperglobalização, deflação e estagnação. Hoje, se fala em desglobalização, inflação e estagflação. “Pré-Covid o dólar era supremo, a única moeda possível para reservas internacionais. Hoje, todos falam de desdolarização.”

E isso explica, segundo ele, o cenário de ansiedade. Não há referência histórica para este movimento. E se para muitos, inclusive o governo brasileiro, a economia verde surge para dar tração na economia mundial, Roubini joga água no chopp. “Há um trade-off entre crescimento econômico e descarbonização”, afirma. De acordo com ele, a ideia de que a transição para uma economia de baixo carbono induz o crescimento é desequilibrada. “A velocidade de adoção de energias alternativas, como eólica e solar, não compensa a pressão pela queda nos investimentos em exploração de petróleo.” O resultado é um aumento no custo da energia e, mais uma vez, pressão inflacionária.

Outra percepção envolve o uso de inteligência artificial. Ele vê o aumento da massa de desempregados em todo o mundo, em especial os de baixa qualificação. “Naturalmente, haverá a necessidade de fortalecer políticas de bem-estar social, complicando ainda mais o cenário fiscal de muitos países, especialmente os emergentes e os dependentes de commodities importadas.” Leia-se Brasil. “A única certeza é de que o futuro não se parecerá em nada com o passado.” Uma fala digna de anime e que promete, assim como toda boa história japonesa, ser contada em dezenas de temporadas.