A estranha história do Yen japonês que comprou Nvidia
Por Norberto Zaiet
Tomar dinheiro emprestado em uma moeda que paga juros baixos e investir os recursos em outra moeda que paga juros mais altos pode parecer um conceito extravagante para quem olha de fora, mas é algo muito comum no mercado financeiro. É o “carry trade”, batizado assim porque, assumindo que a relação de troca entre as moedas se mantenha relativamente constante, é uma operação que pode ser levada (ou “carregada”) por muito tempo com resultado positivo – ganha-se com a diferença entre as duas taxas de juros dia após dia.
Alavancar-se em uma moeda para investir em outra é bastante arriscado, apesar de não parecer. A operação mais simples, descrita acima, envolve o risco cambial entre as duas moedas dado que, ao final da transação, o investidor vai precisar converter os recursos investidos de uma moeda para a outra a fim de pagar o empréstimo. Se a moeda onde os recursos foram investidos se desvalorizar em relação à moeda em que os recursos foram emprestados, o que era um resultado positivo dia após dia pode se transformar, de uma hora para outra, em prejuízo.
A taxa de juros mais baixa do mercado é a do Yen japonês (JPY), fazendo dela a moeda preferida para a alavancagem. Além disso, a volatilidade do JPY é, normalmente, relativamente baixa em relação ao dólar, o que o torna ainda mais atrativo.
Como no mercado financeiro nada é tão arriscado que não possa ficar mais ainda, há diversas variações do “carry trade”. Ao final, o mercado acaba usando o JPY como a moeda de funding para toda e qualquer aplicação: toma-se o dinheiro emprestado em JPY para comprar ativos de renda fixa e variável americanos, alemães, portugueses, turcos, brasileiros etc. E, como pouco risco é bobagem, muitas dessas operações são feitas usando margem, alavancando tanto do lado do passivo quanto do lado do ativo.
Quando tudo vai bem é possível ganhar muito dinheiro – e esse é o grande atrativo da alavancagem. O problema é quando vai mal. Dependendo do tamanho do risco, quebra muita gente. No final dos anos 90, o LTCM, um fundo de hedge norte-americano que tinha entre seus sócios alguns prêmios Nobel de economia – inclusive Myron Scholes, conhecido pela fórmula que faz o preço das opções –, quebrou exatamente com esse tipo de operação. O grau de alavancagem do LTCM era tão grande que balançou a estrutura do mercado. Todos os bancos de investimento em Wall Street tinham exposição ao fundo, e Alan Greenspan, então chairman do Federal Reserve, precisou cortar juros para estabilizar o sistema.
A volatilidade que se vê nos mercados, especialmente durante estas últimas semanas, deve-se em parte à cobertura de operações de “carry trade” que levaram um revés com o movimento de alta de juros do Banco do Japão. Pelo visto, havia muito mais JPY comprando Nvidia do que muita gente imaginava. Junte-se a isso um relatório de emprego mais fraco que o esperado, a sensação de alguns no mercado de que o Federal Reserve está atrasado no início do ciclo de queda de juros, a tensão geopolítica no Oriente Médio, a forte e rápida valorização dos mercados desde o final do ano passado e a alta concentração dos índices em poucos papéis e se criam as condições para uma realização significativa do preço dos ativos.
Norberto Zaiet é economista, ex-CEO do Banco Pine e fundador da Picea Value Investors, em Nova York