Economia

“Nenhuma fonte de energia precisa de subsídio no Brasil”, diz Marcos Madureira, presidente da Abradee

Ele aponta que excesso de incentivos a fontes de energia como solar, eólica e GD podem causar aumento de até 14% na conta de luz para todos os brasileiros

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Marcos Madureira, presidente da Abradee: "O sistema utiliza energia de todas as fontes, não existe esse negócio de energia limpa, a não ser que a empresa esteja totalmente fora do sistema elétrico, seja 100% off grid" (Crédito: Divulgação )

Por Allan Ravagnani

As distribuidoras de energia – Enel, Light, etc – estão preocupadas com algumas propostas legislativas inicialmente criadas para incentivar a geração de energia por fontes renováveis como solar, eólica e geração distribuída. Para a Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee), os projetos iniciais eram razoáveis, mas foram sendo incorporadas emendas “jabutis” e podem acarretar um grande desequilíbrio no setor de energia, podendo inclusive causar um impacto de quase R$ 30 bilhões nas tarifas de energia, levando a um aumento de quase 14% nas contas de luz dos brasileiros. Em conversa com a DINHEIRO, Marcos Madureira, presidente da Abradee, afirmou que a entidade não é contra nenhum tipo de fonte de energia, “muito pelo contrário”, são apenas contra as distorções causadas por incentivos. A Abradee divulgou estudo de impacto dos PLs e expôs a preocupação do setor com os possíveis aumentos, pois quem que irá repassar o custo nas tarifas ao consumidor e sofrer desgaste de imagem é a distribuidora. Madureira também falou de segurança energética e o mercado livre de energia. “Não somos contra nenhuma fonte de energia. Elas têm de ser competitivas. Mas é preciso que haja um planejamento para garantir a segurança do sistema elétrico, e é fundamental que o preço da energia seja justo para todos”, afirmou Madureira.

DINHEIRO — Quais Projetos de Lei podem causar aumento nas contas de luz?
Marcos MadureiraO problema não são os projetos originais, são os jabutis inseridos neles. O primeiro é o PL 11.247/2018, que regulamenta a geração eólica offshore, e o outro é o 624/2020, que cria o Programa Renda Básica Energética (Rebe). Além de aumentar os custos, esses projetos ainda são ameaças à segurança do sistema elétrico nacional, por envolverem medidas que irão aumentar a injeção de energia a partir da geração distribuída na rede, podendo provocar instabilidade no Sistema Interligado Nacional (SIN).

“As energias solar e eólica tiveram uma evolução tecnológia muito grande nos últimos anos, que reduziu seus preços em até 80%, elas estão competitivas’’

Elas não necessitam mais de subsídio?
Não, a energia solar não precisa mais de subsídios, na verdade, nenhuma fonte de energia precisa. Essas fontes se popularizaram e ganharam escala, hoje em dia são muito competitivas em termos financeiros, elas vão continuar se desenvolvendo, gerando empregos e tendo lucratividade, mas não precisam mais dos incentivos. As fontes solar e eólica tiveram uma evolução tecnológica muito grande nos últimos anos, o custo de implantação de painéis solares, por exemplo, caiu 80% em 12 anos, antes elas não eram competitivas, agora são as mais baratas.

Alguém paga por esse incentivo, não é?
Claro, eles são cobrados nas tarifas de energia que são pagas por toda a população, todos os clientes das distribuidoras, inclusive os brasileiros de baixa renda, então não é justo obrigar esses consumidores a subsidiar o lucro de quem já tem condições de pagar pelos próprios investimentos. Todas fontes tem condições de serem competitivas, já existe uma tarifa social para o consumidor de menor renda, mas o que temos vistos são projetos que visam atender determinados segmentos, de alta capacidade econômica, e quem tá pagando a conta são os pequenos e médios consumidores. Isso sem contar os subsídios atuais, que já são cobrados na conta de energia, por exemplo, hoje nós temos uma legislação que dá subsídio para o carvão mineral, para produzir energia por carvão. O projeto quer estender o prazo para que esse carvão continue tendo subsídios.

Quais os outros jabutis nos PLs?
O projeto também amplia a contratação de usinas térmicas a gás, pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), manutenção da operação de térmicas a carvão mineral e benefícios para a construção de plantas de hidrogênio e usinas eólicas no Sul do País, mas essas contratações são desnecessárias, já que o mercado vive um momento de sobreoferta de energia. Já o PL 624, que está no Senado, prevê a ampliação do prazo para que projetos solares sejam incluídos no regime antigo de subsídios, onerando a tarifa inclusive para os consumidores de baixa renda.

Mas como isso vai aumentar a conta de luz, de fato?
Sim, vamos lá, segundo um estudo feito pela Abradee, o total desses novos subsídios, se somados, chegará a aproximadamente R$ 29 bilhões por ano, que deixarão de ser cobrados dessas empresas, mas alguém terá de pagar, então esse montante deve levar a um incremento de até 14% na conta de luz das pessoas e empresas.

Sobre a Geração Distribuída, qual é o ponto de discordância?
Geração Distribuída são as unidades produtoras de energia que ficam muito próximas dos consumidores, por exemplo, fábricas que constroem uma pequena usina de geração para utilizar a própria energia. Isso é bom. Mas a GD já é o segundo item de mais subsídios na conta dos brasileiros, o projeto quer estender prazo desses benefícios até 2045, aquelas usinas que tiveram até 2023, o pessoal quer estender o prazo. Elas não precisam de mais subsídios, pois esse tipo de geração beneficia cerca de 3 milhões de brasileiros, a maioria de alta renda, aqueles que podem instalar uma fazenda solar, por exemplo, redes de varejo, bancos, empresas de telecom, grandes empreendimentos, então basicamente beneficia o topo da pirâmide social.

A conta de luz já é um grande peso no orçamento das famílias…
Sim, aumentar a conta de luz é cruel porque também é elevar o preço do pão, do leite, enfim, tem uma reação em cadeia porque tudo precisa de energia para ser produzido. O que falta é um olhar sistêmico sobre o setor elétrico, que considere as necessidades de confiabilidade e preço adequado. Nosso País precisa fazer uma revisão estrutural de todos os subsídios, que só este ano já somam R$ 17 bilhões, segundo o subsidiômetro da Aneel. Eles são desnecessários e pressionam o bolso da população.

Mudando um pouco o assunto, já que o Sr. falou de ‘sobreoferta’ de energia, como está atualmente a geração brasileira? O sistema está preparado para responder a um crescimento econômico? Existe risco de apagão?
Não existe esse risco, não temos esse problema. Hoje já temos uma sobreoferta no sistema. Nós temos um conjunto de usinas se candidatando a gerar energia em um volume muito grande e o sistema nacional tem tanto instalada, quanto em potencial oferta, um volume que assegura um eventual crescimento do consumo.

“Não existe risco de apagão no Brasil, hoje nós temos uma sobreoferta de energia no sistema, um volume que assegura um eventual crescimento mais forte do consumo de energia”

Então as usinas térmicas podem ser menos acionadas?
Não é bem assim, essas usinas trabalham como garantia de segurança e são despachadas (acionadas) quando há necessidade. Por exemplo, falei em sobreoferta, mas a gente tem crescido muito na geração de energia intermitente, ou seja, que não é constante, como um painel solar, que gera muita energia durante o dia, e para durante a noite, ou as eólicas, que podem enfrentar algum período sem ventos, então, apesar de elas serem muito importante, terem um custo baixo e serem ambientalmente responsáveis, elas não asseguram a sustentabilidade do sistema, por isso que é preciso ter uma diversificação de fontes. Então por isso que é importante ter as térmicas, porque se pode operá-las com flexibilidade, utilizando somente quando for necessário. E os projetos que foram propostos eles desincentivam a construção de novas usinas térmicas, porque eles querem colocar que o responsável pela usina teria de construir gasodutos, no caso das térmicas a gás, também uma linha de transmissão para conectar ao sistema, que são coisas que encarecem muito e não compensam a obra, já que esse tipo de usina não é para ser utilizada continuamente.

É bom tocar nesse ponto, porque eu quero falar sobre o Mercado Livre de Energia e de empresas que dizem que só consomem energia limpa.
Sim, uma diferença básica entre o mercado livre e o mercado regulado é que no regulado as distribuidoras precisam cumprir contratos de longo prazo, até 2040, 2050, com a Aneel, adquiridos em leilões de energia. Precisa ter uma cota de geração que dê confiabilidade ao sistema, como comprar energia de termoelétricas, das usinas termonucleares, Itaipú, que é hidroelétrica mas tem seus contratos feitos em dólar, então, tudo isso, encarece a tarifa. Já no mercado livre, o consumidor pode optar por comprar a energia das comercializadoras, e as fontes incentivadas tem um custo bem menor por não terem a obrigação de cumprir determinados contratos, então é uma vantagem para essas empresas que migram, mas quem acaba pagando a conta dessa diferença é o cidadão comum, na conta de luz.

Entendo, mas se o sistema de transmissão e distribuição de energia é o mesmo para o mercado livre e o mercado regulado, como uma empresa pode usar apenas ‘energia limpa’?
Não pode, isso é uma falácia. O sistema utiliza energia de todas as fontes, não existe esse negócio de energia limpa, a não ser que a empresa esteja totalmente fora do sistema elétrico, seja 100% off grid, ela não sabe de onde vem a energia que consome.

Recentemente tivemos grandes problemas com distribuidoras de energia, a Enel, em São Paulo, deixou muitos moradores e comerciantes sem luz po vários dias, no Sul, com as enchentes, também teve problemas, falou-se até e passar a concessão da Enel, o que está acontecendo?
Foram problemas causados por eventos climáticos extremos, que estão ocorrendo cada vez mais. Recentemente, teve um caso no Texas, que 200 mil pessoas ficaram uma semana sem energia por causa de um tornado. Mas se a gente olhar o funcionamento do sistema como um todo, ele está evoluindo, a cada ano as distribuidoras entregam mais qualidade, os apagões são menores ano após ano. Em São Paulo, infelizmente, ocorreu uma chuva que derrubou árvores sobre a fiação, enquanto no Rio Grande do Sul, a chuva inundou uma parte da rede que estava enterrada. Mas sim, as empresas e o poder público devem estar atentos aos eventos climáticos e como atuar nessas situações, criar resistências para os sistemas. As distribuidoras fazem muitos investimentos, R$ 31 bilhões por ano, 37% para melhoria de qualidade e os outros 63%, para expansão, para chegar a novos usuários.