Reforma tributária: na reta final, os interesses se acirram
Reforma Tributária entra em fase decisiva no congresso e desafio agora é encontrar um texto que não se curve a interesses individuais
Por Paula Cristina
Empresários do comércio, dos serviços, da indústria, do agronegócio. Deputados, senadores, prefeitos e governadores. Entidades setoriais, sociedade civil organizada e entidades filantrópicas. Todo mundo tem um interesse primordial em algum ponto da Reforma Tributária. Todos são urgentes urgentíssimos e capazes de destroçar um setor inteiro se não acomodado. Os riscos são todos bilionários e soluções deveriam ser imediatas. Com tudo isso em jogo, como desenvolver um texto justo, equilibrado e duradouro? Impossível.
Alguém vai sair frustrado ao término da votação. O diferencial, nesse caso, é quem sairá chorando e quem sairá sorrindo. O Brasil tem formas inimagináveis de mexer nas coisas e manter a mesma estrutura de privilégios.
Então uma reforma que surpreenda e efetivamente ajude a destravar o PIB envolveria enfrentar setores que têm, em geral, mais peso político — e não necessariamente econômico.
O que vai acontecer até aprovação da reforma (prevista para o começo de julho) depende do que cada interessado irá apresentar. E até quem está ganhando quer mais.
* A indústria, setor que tecnicamente seria o mais beneficiado por uma estrutura de impostos cobrados no consumo, esteve no Congresso em busca de benesses. Mesmo com as vantagens (que pode chegar a uma redução de 7% no preço do produto industrial na saída da fábrica), o gerente de Economia da CNI, Mario Sérgio Telles, disse estar preocupado com alguns pontos específicos do texto.
Para ele, o novo Imposto Seletivo, que deve sobretaxar produtos e serviços nocivos à saúde e ao meio ambiente, ficou com uma redação muito ampla. Ele espera que haja mais clareza para afunilar o número de categorias que pagariam mais.
* O setor de serviços é quem mais tem reclamado. Tecnicamente, sob as condições atuais do texto, o imposto médio pago por um empresário dos serviços saltaria de 8,65% para 25% e isso, na avaliação de Gilberto Alvarenga, consultor da Confederação Nacional do Comércio, é algo que gerará, no longo prazo, problemas similares aos que temos hoje.
“Repensar essas alíquotas vai evitar que, daqui a 50 anos a gente precise discutir como os serviços perderam espaço no PIB, encolheram e perderam competitividade com empresas estrangeiras.”
Gilberto Alvarenga, consultor da CNC
Eles pedem que o modelo seja revisto e que o setor, que respondeu por mais de 72% do PIB do primeiro trimestre, passe a ter uma alíquota mais branda.
* O agronegócio, também tem mostrado bastante descontentamento com as mudanças. Ex-presidente do IBGE e do BNDES, o economista Paulo Rabello é um dos que têm questionado o rearranjo de impostos da reforma.
Em uma conta feita por sua consultoria, para que a indústria deixasse de pagar R$ 491 bilhões em impostos, os serviços teriam de pagar mais R$ 471 bilhões e o agronegócio mais R$ 24 bilhões.
“Não adianta reformar só os impostos de consumo e não mexer em uma estrutura maior. Do jeito que está, não é satisfatória para ninguém.”
Economista Paulo Rabello
Meio político
Se os empresários estão atentos, os políticos sabem que têm a chave do cofre. Vem da categoria, que envolve os prefeitos e os governadores insatisfeitos com o molde atual da reforma, a maior pressão contrária ao texto neste momento.
Como o texto não deixa claro como será financiado o fundo de compensação, é provável que o governo tenha de engolir uma conta alta para dar aos estados e municípios recursos que vão deixar de entrar a partir do momento que o imposto passe a ser pago no local do consumo, e não na origem.
Ronaldo Caiado, governador de Goiás, tem feito cobranças públicas pelo fundo, com uma estimativa de que ele consuma ao menos R$ 75 bilhões ao ano.
Questionado sobre o efeito dessa pressão, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a palavra de ordem é equilíbrio e que os impactos da reforma serão amenizados no longo prazo. “Quando a gente dilui o impacto no tempo, a gente faz as pessoas pensarem menos só no próprio umbigo”, disse ele.
O petista afirmou ainda que é preciso que todos pensem no que é melhor para o País.
“Todos me falam em concessão. Não é a hora da concessão, é hora de equilibrar”, disse na segunda-feira (26), depois de um encontro com deputados e senadores no Congresso.
Ao lado dele estava o secretário extraordinário da Reforma, Bernard Appy, que citou um exemplo desse equilíbrio. “Não é justo ter menos imposto pelo aluguel de carros do que pela compra de carros”, afirmou.
O presidente Lula, que tem se mantido mais distante da negociação direta do projeto, já tem admitido para aliados que é possível que o governo precise, sim, aceitar algumas imposições não esperadas.
De acordo com ele, abrir fogo agora contra a Câmara é perder a oportunidade de aprovar novas medidas estruturantes mais adiante.
“Respeitamos o Parlamento e suas decisões. Sabemos que lá dentro os vários interesses sobre a reforma são debatidos”, disse Lula em um evento na capital paulista no dia 15 de junho.
Mas é essa salada de interesses, na avaliação de Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena, e o volume de exceções e regimes especiais que está formando um monstrengo bem diferente da proposta inicial.
“É preciso dizer que essa preservação e garantias vão resultar em um novo regime, com um imposto único muito maior do que 25%.”
Appy diz que o valor será em torno disso e não chegará a 30%.
De efetivo tem que ninguém no Brasil defende a atual estrutura de impostos, e todos temem o óbvio: que ela precisa mudar.
R$471bi
estimativa de incremento de impostos do setor de serviços para compensar mudanças com reforma
R$75bi
devem ser necessários para amortecer a perda de arrecadação dos estados e municípios