Governo dá mais um plano recorde para o agronegócio
O governo federal anunciou o maior Plano Safra da história, disponibilizando R$ 476 bilhões para o setor produtivo. Contudo, o montante ficou abaixo da expectativa do setor, que esperava por um valor acima de R$ 500 bilhões
Por Alexandre Inacio
Com direito à presença de um time de ministros não ligados ao agronegócio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou no início de julho o maior Plano Safra da história do Brasil. Mais do que simplesmente apresentar o quanto o governo vai investir no setor nos próximos 12 meses, o anúncio foi uma tentativa do governo federal de dar um aceno ao setor produtivo e dizer que, mesmo em tempo de contenção de despesas e juros altos, a atual gestão está sensível às necessidades de um dos principais setores da economia nacional. Em um ano de eleições municipais, a ideia foi não desagradar ninguém, especialmente em um segmento predominantemente bolsonarista.
Ainda que os R$ 476 bilhões anunciados tenham representado um crescimento da ordem de 9% em comparação ao montante anterior, o novo número não atingiu as expectativas dos produtores. A proposta entregue em mãos pela CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) ao ministro Carlos Fávaro indicava uma necessidade de R$ 570 bilhões em investimentos, dos quais R$ 359 bilhões direcionados ao custeio e comercialização, R$ 111 bilhões para investimentos e R$ 100 bilhões para a agricultura familiar. Não veio tudo.
O que Fávaro conseguiu foi R$ 292,4 bilhões para custeio e R$ 108,2 bilhões para investimentos, adicionando R$ 36,4 bilhões ao plano executado na safra anterior. Já seu colega de Esplanada Paulo Teixeira conseguiu adicionar R$ 4,4 bilhões ao plano apresentado no primeiro ano da gestão de Lula e vai disponibilizar R$ 76 bilhões por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
Durante as falas dos ministros no evento de lançamento, todos foram enfáticos em defender a preocupação e dedicação de Lula com o agronegócio. Do tempo que Fávaro teve em seu discurso, dois terços foram dedicados a apresentar conquistas de sua Pasta e apenas um terço aos detalhes do Plano Safra em si. “As pessoas podem até não gostar de nós, mas não estamos aqui participando de um concurso de simpatia. Estamos trabalhando para que essa agropecuária continue sendo uma força na economia brasileira”, disse.
Nem Fernando Haddad escapou. Sucinto, o ministro da Fazenda lembrou que o maior Plano Safra da história estava sendo anunciado, mas fez questão de enfatizar que o segundo maior também fora feito em uma gestão de Lula.
Mas houve quem dissesse que o plano não era suficiente. A FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) chegou a reconhecer o esforço do governo, mas disse que as expectativas não foram todas atendidas. “A gente reconhece que houve um esforço, a FPA sempre prezou pelo diálogo, por auxiliar o governo a encontrar a fonte para esses recursos, mas ficou aquém do que nós esperávamos em relação ao montante total e, principalmente, para algumas linhas específicas”, afirmou o deputado Pedro Lupion (PP-PR), presidente da FPA, dizendo que a diferença de juros deveria estar incluída no programa.Uma das principais críticas foi em relação às taxas de juros.
Apesar da redução da Taxa Selic em 3,25 pontos percentuais nos últimos 12 meses, passando de 13,75% ao ano, em julho de 2023, para 10,50%, em julho deste ano, as taxas que serão praticadas do Plano Safra 2024 permaneceram praticamente inalteradas em relação ao plano anterior, exceto para o Moderfrota, destinado aos grandes produtores, que teve uma redução de 1 ponto percentual. As taxas de juros para custeio e comercialização são de 8% ao ano para os produtores enquadrados no Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp). Já para investimentos, as taxas de juros variam entre 7% ao ano e 12%, de acordo com cada programa. No ano passado, a taxa menor era a mesma, mas a máxima chegava a 12,5%.
No caso da agricultura familiar, a disponibilidade de recursos cresceu e as taxas de juros ficaram, em tese, menores. Os pequenos agricultores que produzem os alimentos da cesta básica, como arroz, feijão, mandioca, leite, frutas, legumes e verduras terão uma taxa de juros de 3% ao ano. O novo índice representa um corte de um ponto percentual em comparação aos juros de 4% cobrados dos pequenos produtores na safra passada. “A expectativa era que tivéssemos um volume maior de recursos, mas 300 milhões já é um avanço em relação ao ano passado, que foi em torno de 50 milhões. Os estados já colocam mais de 3 bilhões, então continua a nossa luta para que mais agricultores tenham mais recursos”, disse o deputado Zé Silva (SD-MG), coordenador da Comissão de Agricultura Familiar da FPA.
Porém, cálculos da própria FPA mostram uma realidade difícil de ser superada.
• Os recursos do Pronaf tomados com uma taxa de juros de 4% ao ano, ao serem aplicados num empréstimo de R$ 100 mil, têm o custo total de R$ 18,6 mil em um ano.
• Assim, resultarão em uma taxa efetiva de 18,62% ao ano, sendo 4,6 vezes a taxa de juros.
• Isso porque, junto com o financiamento, os bancos habitualmente “vendem” uma série de outros produtos, muitas vezes não demandados pelo produtor, mas que acabam sendo contratados para que barreiras na liberação não sejam impostas.
“Reconhecemos o esforço, mas ficou aquém do que esperávamos.”
Pedro Lupion, presidente da FPA
Na visão de Lula, o Plano Safra 2024/25 é “exuberante”. O presidente reconheceu que talvez não seja tudo o que os agricultores precisam, mas foi o melhor que pode ser feito no momento. “Ressaltamos que as políticas públicas não podem ser definidas pelo governo federal apenas como pleito econômico. O alerta presidencial faz todo sentido a partir do próprio anúncio do Plano Safra 2024/25 sem seguro suficiente, juros altíssimos que competem com a diminuição da oferta de crédito, especialmente em casos extremos de mudanças climáticas, aumentando mais ainda o risco”, disse uma nota da FPA.
Mas o presidente deixou um recado aos produtores: “Se formos sinceros, se formos honestos entre nós, não precisamos de um compromisso ideológico, não precisa gostar de mim. Eu certamente vou gostar de vocês, porque eu não desprezo possíveis eleitores”, disse o presidente.