Dinheiro Rural

Restauração florestal no Brasil esbarra em dificuldade de financiamento

Desconhecimento do mercado financeiro e burocracia para captação junto aos bancos estatais limitam o crescimento do setor e obrigam empresas a buscarem recursos no exterior

Crédito: Sergio Pitamit

Relatório do Banco Mundial identifica a falta de garantia e o alto risco percebido pelos bancos como as principais barreiras para liberarem crédito para restauração (Crédito: Sergio Pitamit)

Por Alexandre Inacio

As empresas de restauração florestal desempenham um papel crucial na mitigação das mudanças climáticas e na preservação da biodiversidade. No entanto, no Brasil, essas companhias enfrentam enormes dificuldades para obter financiamento, um obstáculo que tem impedido a expansão mais acelerada daquelas que se arriscam no segmento, limitando o crescimento de suas operações e o cumprimento das metas ambientais. A obtenção de crédito para financiar projetos de restauração florestal no País é um processo complexo, que envolve desde a desconfiança dos bancos até a falta de políticas públicas eficientes. Quando o assunto é financiamento a setores ainda novos ou pouco conhecidos pelo mercado financeiro, transpor as limitações da Faria Lima tem se mostrado ainda um desafio.

Em um país como o Brasil, a restauração de florestas é uma atividade essencial para:
a recuperação de ecossistemas degradados,
aumento da biodiversidade,
e sequestro de carbono.

Por aqui, o trabalho de restauração também tem se mostrado essencial para manter a economia regional longe da ideia do desmatamento e garantir os serviços ecossistêmicos, como a regulação do ciclo hidrológico e a proteção do solo. Estudos indicam que a recuperação de áreas degradadas poderia se tornar uma das principais estratégias para o cumprimento das metas do Acordo de Paris.

Projetos de restauração miram o mercado de crédito de carbono, mas consideram a economia local (Crédito:Robert Harding )

Nem mesmo empresas que têm como sócios famílias de banqueiros, grandes fundos de investimento e nomes internacionalmente conhecidos, têm vida fácil nesse segmento. É o caso da re.green, uma das pioneiras na restauração florestal do país, que tem entre seus sócios Armínio Fraga, Guilherme Leal e a família Moreira Salles.

● Com a meta de restaurar 1 milhão de hectares de terras degradadas da Amazônia e da Mata Atlântica, nem o quadro estrelado de acionistas tem sensibilizado o mercado financeiro.

● A empresa conseguiu levantar junto ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) quase R$ 190 milhões em financiamento, porém, acessar os recursos não tem sido tarefa fácil, uma vez que os bancos se recusam a aprovar a carta fiança, uma exigência do banco estatal.

Para tentar catequizar a Faria Lima, a re.green foi buscar no mercado financeiro a sua CFO. Há um ano no posto, Ana Luiza Squadri considera que o que existe disponível no mercado são as linhas tradicionais de crédito. “O que precisamos é cunhar novos instrumentos para um setor que tem de tudo para ser um dos mais proeminentes da economia verde”, diz a executiva.

Para ela, um dos grandes entraves para acessar recursos tradicionais do mercado financeiro está nas garantias oferecidas. Hoje, as fazendas adquiridas pela startup são oferecidas aos credores como garantia. Porém, áreas de floresta, o grande ativo desse negócio, não têm no mercado o mesmo valor que uma área de produção agrícola convencional. Outro problema está na geração de caixa. A receita da empresa está baseada na venda futura de créditos de carbono, algo que deve começar a acontecer em até 10 anos.

Áreas preservadas funcionam como corredores ecológicos e garantem o trânsito de animais em segurança (Crédito:Michael Dantas)

O entrave vivido pela re.green já foi identificado pelo próprio Banco Mundial. Segundo um relatório do banco, a falta de garantia e o alto risco percebido pelos bancos são as principais barreiras. “O setor de restauração florestal é visto como arriscado pelos bancos devido à sua longa maturação e à incerteza dos retornos financeiros”, aponta o relatório. Além disso, a burocracia e a falta de conhecimento específico sobre o setor por parte das instituições financeiras dificultam ainda mais o acesso ao crédito.

Enquanto não conseguem viabilizar recursos no Brasil, o jeito tem sido ir para além das fronteiras.
Em maio, a Microsoft anunciou que vai comprar 3 milhões de toneladas de crédito de carbono ao longo de 15 anos da re.green.
O valor da transação não foi divulgado, mas a empresa fundada por Bill Gates foi a primeira cliente da startup, mas não foi a primeira vez que a gigante de tecnologia veio ao Brasil atrás de créditos de carbono.
No ano passado, a empresa adquiriu junto a Mombak 1,5 milhão de toneladas de créditos de carbono, gerados a partir de áreas restauradas no Brasil.

O governo tem tentado fazer sua parte. Na avaliação de Tereza Campello, diretora socioambiental do BNDES, o apoio a projetos como o da re.green é uma demonstração das prioridades do banco no que diz respeito à restauração dos biomas brasileiros.

Ela lembra que o Arco da Restauração – anunciado pelo presidente Lula, pela ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e pelo presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, na COP28 – conta, além de R$ 550 milhões do Fundo Clima, com outros R$ 450 milhões do Fundo Amazônia.

A ausência de políticas públicas eficazes também contribui para as dificuldades de financiamento. De acordo com a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, um grupo de 200 organizações da sociedade civil e do setor privado, os incentivos fiscais e os programas de crédito específicos para restauração florestal são insuficientes. Para alguns especialistas, apesar dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, as políticas internas não acompanham as necessidades do setor. O Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), lançado em 2017, é uma tentativa de enfrentar esse desafio. No entanto, sua implementação tem sido lenta e enfrenta falta de recursos.

(Divulgação)

‘Precisamos cunhar novos instrumentos para um setor que tem tudo para ser um dos mais importantes da economia.”
Ana Luiza Squadri, CFO da re.green

As iniciativas do Estado para incentivar projetos de restauração são considerados passos importantes, mas ainda insuficientes. Modelos alternativos de financiamento, como parcerias com ONGs, investimentos de impacto e o mercado de carbono, surgem como alternativas promissoras. No entanto, para que essas soluções se tornem viáveis em larga escala, é crucial um maior comprometimento do governo e das instituições financeiras com a sustentabilidade.

O futuro da restauração florestal no Brasil depende de uma convergência de esforços públicos e privados, de políticas eficazes e de uma visão de longo prazo que valorize o capital natural do país. Potencial para o país liderar essa corrida não falta, resta saber qual será o resultado da queda de braço que as empresas de restauração começaram com o mercado financeiro.