Tecnologia

“Brasil é líder mundial no uso de IA no trabalho”, diz Ricardo Basaglia, da Michael Page

Entusiasta da aplicação da inteligência artificial nos escritórios, executivo faz um alerta: 1 bilhão de pessoas precisarão se requalificar e se adaptar ao novo mundo; e quem não acompanhar o movimento, se afastará de boas oportunidades

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Ricardo Basaglia, CEO da Michael Page no Brasil: "O novo padrão tecnológico traz desafios enormes para as lideranças" (Crédito: Divulgação )

Por Jaqueline Mendes

Poucos assuntos têm gerando tanto debate e polêmica do que a adoção de Inteligência Artificial no mercado de trabalho. Para alguns, a IA vai exterminar empregos. Para outros, vai criar oportunidades para aumentar a produtividade e a assertividade. O executivo Ricardo Basaglia, CEO da Michael Page no Brasil, maior empresa de recrutamento de executivos da América Latina, é do time dos otimistas. Em entrevista exclusiva à DINHEIRO, ele afirma que enxerga a IA como a invenção da lâmpada e que o futuro é promissor. “Todas as revoluções tecnológicas trouxeram oportunidades”, afirmou Basaglia, que ingressou na Michael Page em 2007. Hoje, como CEO do PageGroup no Brasil, lidera as operações da Michael Page, Page Executive, Page Outsourcing e Page Interim no Brasil. Ele é mestre em Administração de Empresas pela FGV/EAESP, com extensão em Behavioral Science of Management pela Universidade de Yale e autor do best-seller Lugar de Potência, que reúne lições de carreiras e liderança de mais de 10 mil entrevistas, cafés e reuniões. Já a Michael Page é parte da PageGroup, um dos líderes globais em recrutamento executivo. De origem inglesa, a companhia está listada na bolsa de valores de Londres e está presente em 37 países. Atualmente, seus mais de 9 mil colaboradores atuam em diferentes culturas e mercados. No Brasil, a empresa tem cinco escritórios (São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro, Curitiba e Recife) e já foi responsável pela contratação de mais de 40 mil profissionais no País desde 2001.

DINHEIRO — Qual a sua visão sobre o impacto da Inteligência Artificial no mundo do recrutamento de altos executivos?
RICARDO BASAGLIA — Fizemos uma pesquisa recente com 10 mil executivos ao redor do mundo para entender o quão disseminada já está a IA no dia a dia. Um recorte interessante para a América Latina mostra que o Brasil é o país da região com maior uso de IA no trabalho, com 37% das pessoas utilizando, enquanto a Colômbia tem 29% e o México, 23%. Isso mostra que o brasileiro é um early adopter, mas também traz desafios, como a lacuna de comunicação entre líderes e equipes sobre a IA. É fundamental que a liderança alinhe a adoção de IA com a estratégia geral da empresa para garantir que a tecnologia sirva aos objetivos.

Muita gente teme que a IA substitua a mão de obra humana. Como está sendo essa implementação da IA no mundo corporativo e seu impacto no emprego?
De fato, o novo padrão tecnológico traz desafios enormes para as lideranças. As IAs vão colocar em jogo competências que até agora eram essenciais e passará a exigir outras habilidades de quem lidera. O novo padrão tecnológico vai exigir grande capacidade analítica, velocidade de resposta, adaptabilidade e conhecimento profundo da tecnologia e dos talentos que trabalham nas organizações para escalar os ganhos de eficiência. Não haverá eliminação de trabalhadores apenas nas camadas intermediárias e no caso de postos de tarefas repetitivas. Quem comanda também será colocado à prova e terá que mostrar que sabe tirar o melhor proveito da nova tecnologia para continuar no jogo. Na pesquisa, 60% dos candidatos brasileiros acreditam que a IA influenciará suas carreiras.

Essa percepção de que IA vai influenciar a carreira é um medo ou uma realidade?
É algo que deve ocorrer. Além disso, 90% dos profissionais pretendem aprender sobre IA para se adaptar. A grande dúvida é: a utilização mais intensa de IA vai gerar substituição de mão de obra, desemprego, ou será uma ferramenta de ganho de eficiência e produtividade?

Qual a sua resposta?
Historicamente, todas as revoluções tecnológicas trouxeram oportunidades. Sou otimista, mas entendo a preocupação. Muitos trabalhadores temem ser substituídos, mas também esperam que as empresas ofereçam oportunidades de desenvolvimento focadas em IA. Estima-se que até 2030, mais de 1 bilhão de pessoas precisarão ser requalificadas globalmente para se adaptar à tecnologia. Governos e sindicatos deveriam parar de querer proteger o trabalho, em vez de proteger o trabalhador. Acredito que precisamos proteger o trabalhador por meio da qualificação, não apenas a vaga de trabalho.

Tudo isso vai exigir mudanças profundas na cultura das empresas, não é?
Sem dúvida. Ao incorporar IA nas empresas, muito do que conhecemos hoje como estrutura hierárquica vai acabar. As empresas terão de promover uma profunda reestruturação organizacional, com menos burocracia no ambiente de trabalho e mais interação entre líderes e seus liderados. Antigamente, se dizia que o importante para aumentar a produtividade era contratar braços, e os corpos vinham acoplados neles. Agora, com a IA, temos que procurar menos braços e mais cérebros. Nunca o conhecimento teve tanto valor.

Então, a introdução de tecnologia na relação humana é uma ameaça ao padrão tradicional de hierarquia, onde o chefe manda e o empregado obedece…
Certamente. Vivemos em um mundo verticalizado, onde quem estava no topo definia o que se esperava. Mas hoje, não há mais espaço para isso. Não podemos desperdiçar nenhum cérebro na organização. Qualquer planejamento estratégico precisa ser revisado constantemente, com todos participando ativamente.

Você mencionou a reestruturação organizacional. Como a IA vai impactar isso?
Acredito que a IA facilitará a quebra dos silos organizacionais, promovendo maior colaboração entre departamentos e uma visão holística dos processos. As empresas precisarão reestruturar seus modelos de negócios para integrar a IA de forma eficaz. A cultura organizacional também será determinante para o sucesso nessa adoção.

O que explica essa vantagem das empresas brasileiras na adoção de IA?
É importante esclarecer que o uso de IA pelos funcionários não significa que seja uma solução corporativa estruturada. Muitas vezes, são decisões individuais de usar ferramentas como o ChatGPT, por exemplo. Isso não coloca o Brasil na vanguarda da tecnologia, mas sim como um país onde as pessoas buscam soluções para tornar suas vidas mais eficientes.

Alguns especialistas consideram que a IA generativa está sendo supervalorizada ou superestimada atualmente. Você concorda?
Não. Vejo que a IA é como a descoberta da eletricidade. Quando Thomas Edison criou a lâmpada, todos sabiam que era uma grande invenção, mas poucos sabiam qual seria o impacto dela na economia real e no cotidiano da sociedade. Foi graças a eletricidade que foi possível a Revolução Industrial e todas as grandes inovações que vieram depois.

Tal comparação não é exagerada?
Não é porque as possibilidades que virão daqui em diante são infinitas e, por enquanto, incalculáveis. Desde um exame médico mais preciso e assertivo até um cálculo de risco utilizando um imenso banco de dados serão possíveis com a IA. Então, hoje é impossível prever o que a IA será capaz de fazer para o mundo. Quem disser que saber prever isso ou está mal informado ou mal intencionado.

Se a IA é tão boa e será muito positiva para as empresas, para os trabalhadores e para a economia, por que há tanto medo?
Porque o cérebro humano é mais preparado para identificar ameaças do que oportunidades. É natural que exista um receio sobre o que a IA pode fazer de estrago na vida das pessoas, mas se a gente olhar para o potencial de oportunidades que ela pode gerar, esse medo diminui. O clima de preocupação geral não é uma novidade. Sempre que surge uma nova tecnologia, há esse tipo de questionamento. Quem poderia imaginar que o iFood, que nasceu como um aplicativo de delivery, se tornaria o décimo maior varejista do País.

“O uso das IAs vão colocar em jogo competências que até agora eram essenciais, e passará a exigir outras habilidades de quem lidera”

Quais profissões ou áreas serão mais beneficiadas e quais serão mais afetadas pela Inteligência Artificial?
Tarefas padronizadas e que envolvem grande volume de dados serão as mais impactadas pela IA. Por outro lado, áreas que envolvem criatividade, empatia e inteligência emocional terão uma maior chance de se manter relevantes. Acredito que a IA trará um aprimoramento da criatividade e promoverá a cocriação entre humanos e máquinas.

Mas não chegará uma hora em que a máquina aprenderá a executar as tarefas sem intervenção humana?
Não acredito que chegará a esse estágio sem uma regulação. Acredito, sim, que a IA vai trazer um aprimoramento da criatividade no ambiente de trabalho. A tecnologia precisa ser, e será, uma importante ferramenta de cocriação. Isso terá um impacto muito positivo em uma sociedade já conhecida mundialmente pela criatividade. O brasileiro é criativo por natureza e poderá ser ainda mais efetivo em suas inovações.

Mas esse rótulo de povo criativo é uma fantasia, não?
Não. O brasileiro é criativo, sim. Por diversas razões. Uma das principais delas, se não for a principal, é que o brasileiro sempre aprendeu a se virar, a criar e produzir com poucos recursos. Ou seja, por motivos não tão positivos há um resultado muito positivo.

E quais são os riscos embutidos na introdução da IA no mundo corporativo?
O principal risco está na interconectividade e interdependência dos sistemas. Além disso, questões de ética e privacidade são cruciais. Como vamos lidar com os dados que a IA pode coletar? A ética no uso desses dados será um grande desafio.

É possível preservar a privacidade e utilizar a tecnologia com ética, sendo que a grande vantagem da IA é justamente a eficiência no uso desses dados?
Acredito que sem regulamentação adequada, teremos sérios problemas. É importante responsabilizar as empresas pelo uso dos dados e estabelecer limites claros do que pode ou não ser feito. No mercado de trabalho, vejo que os funcionários precisarão ganhar dois novos direitos: o direito de errar e o de mudar de opinião. Isso está acontecendo.

“O cérebro humano é mais preparado para idenficiar ameaças do que oportunidades. É natural que exista receio sobre o que a IA pode fazer”

Além das empresas privadas, como é a IA na gestão pública?
Os três setores que mais utilizam IA são mídia e agências, serviços profissionais e empresas sem fins lucrativos. Já os três que menos utilizam são indústria e manufatura, setor público e a indústria de consumo. O setor público, em particular, ainda está muito atrás na adoção de IA.

Qual será o impacto das operações de multinacionais que operam no Brasil em suas matrizes? O Brasil pode servir como referência para outras operações globais?
O Brasil tem um ambiente complexo, com muita burocracia e deficiências. Isso pode ser uma oportunidade, pois onde há problemas, há espaço para soluções. Acredito que o Brasil pode ser uma plataforma para levar muitas soluções para o mundo, mas isso só será possível com programas estruturados de capacitação para que os profissionais estejam preparados.