Não basta acabar com os lixões, é preciso mudar o olhar para os resíduos
Por Beatriz Luz
No início do mês de agosto, chegou ao fim o prazo para o encerramento total dos lixões nos municípios brasileiros. Apesar disso, o problema da gestão de resíduos, como um todo, ainda está longe de ser resolvido no País. Para isso, é preciso transformar o olhar de custos em um olhar de investimento, para que os materiais sejam mantidos em uso e preservem o seu valor por mais tempo, de maneira que a sociedade enxergue definitivamente o resíduo e as embalagens como ativo, não como lixo.
Os municípios brasileiros, responsáveis pelo cumprimento do prazo de encerramento dos lixões estipulado pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), devem ser o centro da mudança, materializando compromissos e criando um arcabouço favorável para a transição circular nas cidades. É urgente, neste sentido, a implementação de uma visão sistêmica, a estruturação de políticas de incentivo e uma nova governança que favoreça a estruturação de consórcios intermunicipais e modelos de negócios multissetoriais. Essa transição proporcionará, além dos óbvios benefícios para a saúde dos cidadãos e para os territórios, uma garantia de que as cidades serão mais resilientes aos efeitos das mudanças climáticas, com menos lixo e poluição e com um desenvolvimento em equilíbrio com o meio ambiente, protegendo sua biodiversidade e regenerando suas fronteiras.
Hoje, 55% das emissões globais vêm do uso de energia e 45%, dos produtos que consumimos no dia a dia, que muitas vezes são descartados de forma inadequada. Se mudarmos a mentalidade de produção e consumo atuais e dobrarmos a taxa de circularidade dos materiais, podemos reduzir em até 40% as emissões totais até 2050. Nessa corrida para o net zero, os resíduos devem ser convertidos e transformados em matérias-primas de baixo carbono. Atualmente, porém, segundo o relatório Circularity Gap Report 2022, a taxa de crescimento de extração de recursos ainda supera os ganhos de eficiência e recuperação de materiais secundários por um fator de 2 a 3.
Portanto, o gestor de resíduos tem o potencial de ser um grande catalisador dessa transformação do mercado, estabelecendo uma visão circular para os negócios. Está a seu alcance a geração de novas fontes de energia e a renovação do ciclo das matérias-primas, gerando insumos para mercados que demandam cada vez mais soluções de baixo carbono.
A mudança na maneira de olhar para os resíduos passa, definitivamente, por uma mudança cultural na forma de gerir os negócios. Primeiro, é preciso estimular o redesign de produtos, provocando a mudança em setores que produzam muitos resíduos e incentivando o design para durabilidade, reparo e uso de matérias-primas recicladas. Depois, é fundamental fomentar a formação de hubs de aceleração circular, que funcionam como coalizões de empresas reunindo vários elos da cadeia produtiva e diversos setores em modelos de parceria público-privada, auxiliando empresas e governos na transição. Estes ecossistemas se fortalecem ao estabelecerem uma agenda comum e relações de confiança que facilitam o acesso a dados confidenciais e aceleram o desenvolvimento de soluções circulares.
Por fim, a economia circular será fortalecida por um novo equilíbrio econômico nas cadeias produtivas globais. O esforço para alinhar, com detalhes, como se dará o financiamento de ações circulares é necessário e este ainda é um dos elementos que precisam ser definidos, por exemplo, no âmbito da Política Nacional de Economia Circular.
Seja na gestão de resíduos ou em outros setores da cadeia produtiva, a transição circular apresenta novas oportunidades de negócios ao redefinir o consumo, reequilibrar o poder e reimaginar a forma como usamos recursos (incluindo a mão de obra) e valorizamos os resíduos. É hora de reavaliar o processo produtivo, redesenhar produtos e serviços e redefinir valores, atitudes e comportamentos.
Beatriz Luz é fundadora e diretora da Exchange 4 Change Brasil e do Hub de Economia Circular Brasil