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Conheça ícones da gastronomia sofisticada e sustentável de Portugal

Três chefs portugueses que ostentam uma estrela Michelin mostram como o respeito à natureza e a busca de valores locais enriquece a gastronomia

Crédito: Divulgação

O chef Julien Montbabut no Monumental Palace, que fica no hotel cinco estrelas Maison Albar, na cidade do Porto (Crédito: Divulgação )

Por Lorë Kotínski

O Relatório do Índice de Desperdício Alimentar de 2024 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) revelou que 1,05 bilhão de toneladas métricas de alimentos foram para o lixo em 2022. Esse índice, somado aos 13% dos alimentos perdidos no mundo durante o percurso da exploração agrícola até a mesa, totaliza um terço de todos os alimentos desperdiçados. Se por um lado o número preocupa e assusta, por outro ele vem gerando uma onda positiva de ações efetivas em alguns setores, como a gastronomia. Em Portugal, por exemplo, o quarto país que mais desperdiça alimentos na Europa, segundo dados do INE e do Eurostat, há chefs que já praticam rigorosas formas de evitar o desperdício de alimentos acrescentado mais brilho e valor a suas estrelas Michelin.

No restaurante Loco, em Lisboa, do chef Alexandre Silva, que detém uma estrela no Guia Michelin, tudo o que se vê, come e bebe é para ser vivido como uma grande experiência de comunhão do que a natureza oferece unida à criatividade do chef. “Não planejo os pratos e depois vou em busca dos ingredientes. Pesquiso, vejo o que a natureza de Portugal nos oferece e, a partir daí, crio. Às vezes é uma erva daninha que se transforma em um molho, por exemplo”, explica, entusiasmado, Alexandre.

No seu Loco, com apenas sete mesas – isso mesmo, pequeno para ser exclusivo –, tudo respira sustentabilidade. Da política de desperdício zero, da compra de produtos locais, dos menores e mais legítimos produtores e pescadores, até as condições de trabalho dos colaboradores do restaurante, segundo ele, pratica-se responsabilidade social e ambiental.

Prato de Julien Montbabut no seu restaurante, no Porto: toque francês e desperdício zero (Crédito:Divulgação )

Não por acaso Alexandre Silva tem uma unidade de pesquisa de novos ingredientes que tem o papel de identificar e testar todo o tipo de coisa que a natureza pode oferecer. Com 80% do seu menu baseado em peixes e mariscos, ele afirma que “todo o peixe, todas as carnes são nobres. Nós sempre cozinhamos com produtos portugueses, produzidos em Portugal. Temos o dever de apoiar a economia local. E pagar o preço justo pelo produto ao produtor e lhe mostrar um caminho para a alta gastronomia.”

No mesmo sentido, mas no Norte de Portugal, no Porto, um francês faz alquimia na cozinha do hotel cinco estrelas Maison Albar – Le Monumental Palace. Julien Montbabut comanda o Le Monumental como quem rege uma sinfonia com a paixão de um iniciante, sem ser. Detentor de uma estrela do Guia Michelin, o restaurante é uma fusão perfeita entre a requintada técnica da cozinha francesa com a riqueza dos ingredientes que a natureza de Portugal e seus produtores locais ofertam. “Nossa principal política de sustentabilidade está baseada em dois pontos: desperdício zero e comprar sempre dos produtores locais, pagando o preço justo para eles”, explica Julien.

Ele fala enquanto prepara, como quem cria uma pintura delicada, uma sardinha portuguesa elaborada de três diferentes formas em um mesmo prato. Dos peixes mais típicos portugueses nesses lados do Norte, a sardinha é comumente servida assada na brasa, mas não no Le Monumental. Pelas mãos de Montbabut prova-se sardinha curada no sal e levemente assada na hora, acompanhada de geleia feita a partir das cabeças e das espinhas do peixe, servida com lâminas de pepino, com funcho e, ao lado, um cone – quase um mini sorvete – recheado com sardinha assada, coberto com creme de funcho e limão. Uma explosão de sabores. Do peixe aos legumes, verduras e tempero e até flores, tudo vem dos arredores do Porto.


O chef Alexandre Silva, que dirige o restaurante Loco, em Lisboa: criatividade e comunhão com a natureza (Crédito:Divulgação )

O chef Julien explica que é a vivência com os locais que o inspira a criar. “Todos os produtores de quem compramos eu visito pessoalmente. Nos meus finais de semana costumo sair para conhecer essas pessoas e seus produtos. Isso é o que mais faz perceber Portugal e me inspira a criar.” Se não for arte e química, não tem a assinatura de Julien Montbabut. Não se pode deixar de experimentar ou experienciar – sim, viver a experiência – o prato de lavagante assado em brasa, defumado e servido com toranja, molho de vinho tinto do Douro – o rio que banha o Porto – e cabeças do lavagante e creme de pataniscas do crustáceo. Todo o menu pode ter até 13 pratos, harmonizados com vinhos da região do Douro. “Aqui não desperdiçamos nada dos ingredientes. Tudo se transforma em algo para comer: molho, geleia, base para defumar e decorar”, garante o chef.

Do Vale do Tejo surge outro nome que ostenta uma estrela no Guia Michelin e que brilha ainda mais com lições de sustentabilidade e criatividade: o chef Rodrigo Castelo e seu Ó Balcão, em Santarém, com 29 lugares em um casarão de fachada amarela. É da sua horta orgânica que sai a maior parte dos ingredientes que vão nos pratos criados por ele.

Os peixes são os predadores do rio Tejo, aqueles menos ameaçados, e o pato também vem do rio. E dos produtos tudo ele aproveita, reduzindo índices de desperdício na cozinha e na mesa. Tanto cuidado é fruto de quem nasceu ali, na cidade de Santarém, a de Portugal, claro. E já rendeu ao chef um Prêmio de Sustentabilidade, uma estrela do Michelin, a estrela verde e o título de Chef do Ano.

No restaurante Loco, de Alexandre Silva, os pratos são criados a partir de uma unidade de pesquisa e produtos locais (Crédito:Pedro Marcelino)

“Não elaboramos pratos antes de saber o que temos na temporada, naquela época do ano. Aproveitamos o que a natureza oferece e buscamos não explorar aquilo que já está sendo muito usado”, explica Rodrigo. No menu estão, por exemplo, ingredientes comumente considerados menos nobres, mas que ganham lugar de destaque e honraria na cozinha do chef Rodrigo. É o caso do siluro, peixe que é o maior predador do rio Tejo, que vem servido com algas do rio e berbigão. Ou o arroz cremoso de lagostins do rio, considerado uma praga, segundo o chef, e que faz sucesso no seu restaurante.

Todos os restaurantes funcionam com reserva antecipada, especialmente na alta temporada europeia.

Serviço

Restaurante Loco (Lisboa, Portugal)
email: [email protected]
Restaurante Le Monument (Porto, Portugal)
email: [email protected]
Restaurante Ó Balcão (Santarém, Portugal)
site: tabernaobalcao.com