Desenvolver comunidades é também uma ação ESG
Por Ricardo Voltolini
Estudos mostram que as empresas brasileiras investem em média R$ 4 bilhões por ano em iniciativas sociais dirigidas às comunidades. Durante a pandemia, este volume chegou a R$ 5 bilhões. E há potencial, ninguém duvida, para expansão.
O investimento social privado (ISP) é um tema importante de “S” do ESG. Tanto mais porque vivemos num país com desigualdades históricas em que empresas costumam ser ilhas de prosperidade. Há quem acredite — eu, inclusive — que o avanço do ESG pode acelerá-lo nos próximos anos. Afinal, sua lógica cria um ambiente favorável. Mais do que em tempos passados, investidores parecem mais dispostos a premiar empresas com menor risco social, orientados por uma visão mais propositiva de que empresa próspera é aquela cujo lucro se obtém melhorando a vida das pessoas e o meio ambiente.
Antes, convém botar alguns pingos nos “is”. Doar recursos para comunidades, ainda que de forma planejada e eficiente, não torna por consequência imediata uma empresa mais sustentável. A lição de casa abrange outros pontos. Primeiro, ela precisa reduziras externalidades negativas ligadas diretamente ao negócio. Os donos do capital, no entanto, têm dado mostras de que, de agora em diante, tendem a preferir corporações que zelam pelo bem-estar dos colaboradores, promovem a diversidade e a inclusão, respeitam os direitos humanos e desenvolvem as comunidades onde atuam.
O investimento social privado atende a esse último requisito, com benefícios adicionais em relação à sua antecessora, a velha filantropia corporativa: menos pontual e mais sistêmico, mais estratégico do que tático, mais associado com o core business, e orientado pela intenção de engajar pessoas e fortalecer valores, o ISP não mais se baseia na ideia de redução de danos, mas na de geração de impactos positivos por meio de iniciativas que contribuam para melhoria do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de territórios e regiões. Sendo essencialmente uma contribuição voluntária complementar, não é o foco prioritário de uma estratégia de ESG, mas acrescenta valor a ela, se vinculado com um propósito mais amplo, um compromisso de longo prazo, a conexão com políticas públicas e a intenção de compartilhar prosperidade. A ascensão do ESG coincide também com uma tendência global de aumento do ativismo corporativo: as novas gerações cobram que as empresas assumam causas de interesse público e participem mais da solução de problemas da sociedade. É um movimento sem volta. A força do ISP se encontra no fato de ser uma ferramenta para acelerar causas num cenário “favorável” no qual os indivíduos parecem cada vez mais propensos a estabelecer relações com empresas “de caráter”, que sentem e agem como seres humanos íntegros. Selecionar uma causa está longe de ser um processo trivial. Do tipo que se resolve com uma canetada do departamento de marketing. O seu maior ou menor acerto decorrerá de uma combinação justa de três aspectos igualmente importantes: vocação, afinidades e resultados.
Ignorar a vocação significa quase sempre botar em risco a autenticidade. Toda empresa interessada em escolher temas para investimento social privado deve começar pelos que se relacionam não só com o negócio (riscos materiais), mas com a sua “história” e seus “valores”. Um tema adequado é aquele que “humaniza” a companhia na percepção dos stakeholders – algo que só pode ser realizado plenamente mediante diálogo franco e análise rigorosa de sua trajetória, visão de futuro e propósito. É aquele que faz sentido não apenas para o C-Level, mas para todos os seus públicos e a sociedade.
Deve gerar transformação social efetiva, engajar colaboradores, comunidades e clientes, desenvolver senso de pertencimento. Deve ser visto como objeto de compromisso profundamente genuíno. Do contrário, resultará em descrédito. Para a causa, para a estratégia de ESG e, no final das contas, para a empresa.
Ricardo Voltolini é CEO da Ideia Sustentável, fundador da Plataforma Liderança com Valores, mentor e conselheiro de sustentabilidade