Queda de juros nos EUA e o impacto nos mercados
Após ter conseguido baixar a inflação sem recessão, o Fed é o último dos Bancos Centrais que inicia o corte de juros
Por Vitoria Saddi
O ciclo de alta de juros nos EUA entre março de 2022 e julho de 2023 não afetou a economia real ou o sistema financeiro. O baixo custo da desinflação ocorreu devido a uma combinação positiva de um aumento da imigração que evitou o desaquecimento do mercado de trabalho, um aumento da produtividade ligado às inovações da Inteligência Artificial e o fato de as expectativas inflacionárias estarem bastante ancoradas. Nesse contexto, o Fed conseguiu baixar a inflação de 10% para níveis próximos de 2% sem que a economia caminhasse para uma recessão ou que o desemprego aumentasse significativamente. O recente discurso do presidente do Fed em Jackson Hole, anunciando a queda de juros em setembro, trouxe algumas mudanças importantes nos mercados. O que muda neles com a queda da taxa de juros americana?
O ciclo de queda dos juros que terá início em setembro deverá levar a uma desvalorização do dólar no mercado internacional. Para os Estados Unidos, a desvalorização do dólar melhora as exportações do país e reduz as importações, levando a um aumento no saldo comercial americano. A queda do dólar deve levar a um boom de commodities pois elas são referenciadas na moeda americana. Também é de se esperar alguma saída de capital do mercado financeiro, considerando o menor diferencial de juros. Assim, países como o Brasil, com taxas mais elevadas, devem receber entrada de dinheiro vinda dos EUA.
No mercado financeiro, o Fedfunds é a taxa interbancária que os bancos emprestam e tomam emprestado por um dia para honrar o volume de reservas bancárias requerido pelo Fed. A partir da queda da ponta curta da curva de juros, dada pelo Fedfunds, espera-se que as demais taxas venham a cair também. No entanto, ainda se observa uma leve inversão da curva de juros. Até o início de 2024, a curva estava invertida, ou seja, com as taxas curtas maiores do que as longas e sugerindo a presença de uma recessão na economia americana. Com a queda da inflação e a sustentação do nível de emprego em patamares elevados, ficou claro que a recessão não iria acontecer e o Fed seria capaz de baixar a inflação sem recessão, o chamado “soft landing”. Ao longo deste percurso, a curva de juros foi de uma inclinação extremamente negativa para apenas levemente negativa. Ao nosso ver, a curva voltará a ter inclinação positiva (onde a taxa longa é maior do que a curta) até o final de 2024. O ciclo de queda de juros deverá propiciar um aumento da tomada de empréstimos pelos consumidores, aumentando a demanda e o crédito da economia.
O impacto da queda de juros no mercado de ações é positivo. Ou seja, a partir de setembro, esperamos uma alta ainda maior nos índices americanos. Além dos índices estarem subindo pelo boom das empresas de Inteligência Artificial e seus “spillovers” entre setores, a alta será reforçada pelo aumento do consumo advinda da queda juros. Agora é ainda o momento de comprar bolsa americana. Em termos de renda fixa, agora é também o momento de posicionar as carteiras em títulos pré-fixados, pois eles estão no pico.
A queda de juros também deverá reduzir o custo de carregamento da dívida pública americana. Trata-se de um aspecto positivo considerando que a mesma está em torno de 130% do PIB.
Mas quanto o Fed irá cortar? Conforme o CME FedWatch tool, cerca de 70% do mercado espera que o Fed corte 25 pontos base em setembro, e a taxa atingindo 5%. Em novembro, o mercado está dividido. Metade espera uma queda de 50 pontos base (o que levaria a Fedfunds a 4,5%) e, o restante, queda de 25 pb. Na última reunião de 2024, em dezembro, 40% do mercado espera que a taxa chegue a 4,25%, sugerindo uma queda de 50 pontos base. O que o modelo em questão evidencia é que haverá corte em todas as três reuniões de no mínimo 25 pontos base, podendo chegar a 50 pb em uma delas. No cenário mais conservador, segundo a CME, espera-se que a taxa FedFunds caia de 5,25% para 4,5% até dezembro de 2024. As projeções esboçadas no “dot plot” a serem divulgadas na reunião de setembro nos darão mais certeza sobre a magnitude dos cortes de 2024. O fato mais importante é que foi dada a largada para uma política monetária mais expansionista.
*VITORIA SADDI é estrategista da SM Futures. Dirigiu a mesa de derivativos do JP Morgan e foi economista-chefe do Roubini Global Economics, Citibank, Salomon Brothers e Queluz Asset, em Londres, Nova York e São Paulo. Também foi professora na California State University, na University of Southern California e no Insper. É PhD em economia pela University of Southern California.