Federal Reserve pausou o aumento de juros. E agora?

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Norberto Zaiet: "A economia é uma ciência humana que se veste com matemática para fingir que é exata" (Crédito: Divulgação)

Na semana passada o Federal Reserve (Fed, autoridade monetária dos EUA) resolveu fazer uma pausa no ritmo da elevação nas taxas de juros. Apesar disso, deixou agendado pelo menos mais dois aumentos de 25 pontos-base cada um nas próximas duas reuniões. A entidade justificou que, depois do aperto monetário mais agressivo dos últimos 40 anos, importa menos a velocidade de chegada e mais o destino. Uma cabeça cartesiana pensaria que, ao reduzir a velocidade, o Fed acredita que o destino está mais próximo. A tradicional imagem do “avião pousando” sugere exatamente isso: quanto mais próximo da pista, menor a velocidade. Nas palavras de Jerome Powell, porém, “a inflação continua bastante acima do objetivo de longo prazo”. Disse ainda que “as pressões inflacionarias continuam altas, e o caminho para trazer a inflação de volta a 2% é longo”. Mesmo desconfortáveis com o nível de atividade e de inflação, os membros do Fomc (Comitê Federal de Mercado Aberto) do Fed decidiram, por unanimidade, pausar. Afinal, se o destino ainda está distante e o caminho é longo, por que parar? Diante das mesmas circunstâncias o BCE (Banco Central Europeu) decidiu continuar na luta, subindo juros. Assim também fizeram o Banco da Inglaterra e o Banco do Canadá.

Os modelos com que o FED trabalha preveem uma recessão nos próximos meses. No início do ciclo de alta de juros, os economistas do banco previam que o desemprego deveria chegar, pelo menos, a 4,4% e a quantidade de vagas em aberto deveria cair de maneira significativa. Em agosto do ano passado, em Jackson Hole, livro do Paul Volcker em mãos, Powell disse saber que haveria sofrimento, mas que a inflação era o mal maior a ser combatido.

“Para trazer a inflação para a meta de 2%, salvo algum evento fora de controle, a taxa de juros precisaria ser mais alta. Mesmo assim, a economia americana aguentaria o tranco”

Nada disso aconteceu – pelo menos até agora. O desemprego continua teimosamente ao redor dos níveis mais baixos dos últimos 40 anos, e a inflação, apesar de ceder gradualmente nos índices cheios, ainda apresenta núcleos em níveis bastante elevados. É verdade que os efeitos de política monetária aparecem somente ao longo de um espaço de tempo significativo, mas a pausa definida pelo FED sugere que os efeitos deveriam estar mais presentes, apesar de não estarem.

A economia é uma ciência humana que se veste com matemática para fingir que é exata, e pobre daquele que vive de prevê-la. Entretanto, algumas pistas podem indicar o motivo pelo qual os modelos não estão funcionando. Um deles é o incrível aumento do índice M2, que cresceu 35% desde março de 2020 até o pico em agosto do ano passado e, apesar de estar em queda, ainda é 30% maior hoje do que antes da pandemia. Boa parte desse dinheiro se transformou em poupança, e vem sendo gasto ao longo do tempo pelas famílias e pelo setor privado à custa do aumento do endividamento do setor público.

Com mais dinheiro em circulação, a economia está mais resiliente. Para trazer a inflação para a meta de 2%, salvo algum evento fora de controle, a taxa de juros precisaria ser mais alta. Mesmo assim, a economia americana aguentaria o tranco.

Há aqueles que dizem que o Fed trabalha com dados que olham para o retrovisor, e que considerando os dados na ponta, especialmente no setor de imóveis residenciais e comerciais, a inflação já estaria ao redor dos 3%. Há também aqueles que dizem que certos setores da economia já estão em recessão. Tudo isso pode ser verdade. Entretanto, mesmo que a inflação esteja rodando a 3%, trazê-la para 2% não será um trabalho fácil no curto prazo. Esse gap só fecha com taxas de juros mais altas, ou com significativos ganhos de produtividade.

O FED pausou, e agora? A verdade é que nem eles sabem. Essa novela, apesar do enredo desagradável, parece que ainda está longe de terminar.

Norberto Zaiet é economista, ex-CEO do Banco Pine e fundador da Picea Value Investors, em Nova York. Escreve para a DINHEIRO a cada duas semanas