Os planos econômicos de Trump e Harris (ou a falta deles)
Por Norberto Zaiet
Com as candidaturas à Presidência norte-americana definidas, a missão dos agentes do mercado agora é tentar avaliar o quanto antes os planos econômicos de cada um dos candidatos. Mas será uma tarefa inglória: até agora eles não existem e nada sugere que serão coerentemente produzidos e divulgados até as eleições.
Sabe-se muito pouco sobre essas propostas econômicas. Trump requentou seu plano de impor tarifas de importação a produtos estrangeiros, especialmente chineses. Insiste em dizer que elas protegem a produção nacional sem afetar o preço dos produtos para a população pois, segundo ele, o problema é de quem exporta para os EUA. Como se sabe, isso não é verdade, uma vez que essas taxas são naturalmente repassadas para o consumidor final em uma economia aquecida que ainda depende, substancialmente, de produtos importados.
Em seu governo, Trump impôs um aumento de tarifas significativo a certos produtos chineses e, detalhe interessante, Biden não as removeu quando foi eleito. Trump diz que, caso saia vitorioso, pretende redobrar a aposta: quer taxar em 60% todos os produtos vindos da China e em 10% os produtos importados de outros países. Do ponto de vista da teoria econômica, seria uma calamidade.
A empresários, Trump promete uma atuação pró-mercado: pretende diminuir a regulação, aumentar a imigração legal de mão de obra especializada, diminuir impostos corporativos, reduzir o tamanho do Estado e garantir a exploração de energia fóssil e nuclear. Em um aceno à comunidade dos criptoativos, quer manter parte das reservas do Tesouro norte-americano em Bitcoin.
Kamala Harris, no pouco que foi divulgado até agora, pretende aumentar a mão do Estado na economia – e, de quebra, a já elevada dívida pública americana. Quer regular aumentos de preços de alimentos punindo empresas que praticarem aumentos considerados “abusivos”; conceder um auxílio de US$ 25 mil para quem pretende comprar sua primeira casa – o que provavelmente provocará um aumento imediato do preço das casas em US$ 25 mil – e oferecer um benefício tributário de US$ 6 mil para pais de recém-nascidos. Pretende também aumentar impostos para os mais ricos e para as empresas.
Por enquanto, não há surpresas de nenhum lado. As frases soltas e medidas isoladas divulgadas de maneira genérica e sem nenhum detalhamento por ambas as campanhas refletem o que já se sabe: estamos diante de uma eleição extremamente disputada, e cada candidato está jogando somente para a sua torcida.
Apesar disso, o mercado segue sem dar muita importância para as campanhas. Ao final, o que importa é a composição de forças entre Casa Branca, Câmara e Senado, e, até agora, tudo indica que essa composição permanecerá como está: dividida. Nem Trump, nem Harris conseguirão impor qualquer agenda extrema, para nenhum dos lados.
Apesar do estrago que seu plano protecionista pode causar e da instabilidade gerada por sua personalidade, a retórica econômica de Trump é a preferida pelo mercado. Kamala Harris é desconhecida e, até pouquíssimo tempo atrás, era considerada despreparada inclusive pelo establishment do partido democrata. Os caciques da legenda certamente preferiam que a escolha pudesse ter sido diferente, mas Biden usou a força que lhe restava para laurear Kamala Harris num xeque-mate invejável. O atual presidente americano pode estar cansado, mas seus 50 anos de bagagem no ambiente da política lhe permitem sacadas de mestre nesse campo. Não era seu desejo pessoal deixar a disputa. Quando a decisão foi inevitável, porém, escolheu o candidato que ficaria em seu lugar.
As próximas semanas prometem bastante conteúdo, mas pouca substância – infelizmente.
Norberto Zaiet é economista, ex-CEO do Banco Pine e fundador da Picea Value Investors, em Nova York