Pokerface da inflação
Campos Neto diz que se mexer na meta, a Selic não baixa. Haddad fala que, mexendo, não tem porque a taxa não recuar (e a solução veio com panos quentes)
Por Paula Cristina
A discussão sobre o Banco Central alterar as metas da inflação para acelerar a redução de juros não é nova. Mas o cenário do encontro entre os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Simone Tebet (Planejamento) e o presidente do BC, Roberto Campos Neto, é inédito. Isso porque a discussão tem, pela primeira vez, um descompasso entre as partes. Nunca antes um presidente do BC não foi indicado, ou ao menos abençoado, pelo presidente da República. Desde a autonomia do Banco, em 2021, Lula é o primeiro presidente nessa situação. E o resultado é essa queda de braço sobre a condução da taxa básica de juros, a Selic. Nas últimas semanas, Lula disse que, se a justificativa de Campos Neto para não derrubar a taxa é a meta da inflação, é só mudar a meta. Essa fala serviu para pressionar Campos Neto, já que o Conselho Monetário Nacional (CMN), órgão capaz de alternar a meta, é composto por dois votos do governo e um do BC.
E esse jogo de pôquer era esperado para o encontro em 29 de junho, quando os três definiriam, entre outras coisas, a meta. Fontes próximas a Haddad disseram que ele estava preparado para subir o tom, se fosse necessário. Mas Campos Neto também faz uma estratégia. A ata do Copom, divulgada no dia seguinte à manutenção da Selic em 13,75%, tinha dois recados. 1) Mexer na meta causa instabilidade e pode prolongar o pico inflacionário e a Selic alta. 2) Se tudo continuar como está, em agosto as coisas começam a mudar — leia-se redução da taxa. Bastou para acalmar os ânimos.
Foi acordado que, ao invés de mudar a meta, alterar suas diretrizes e dados de composição para 2026 seria mais adequado. Hoje o BC usa informações de 12 meses antes para formar a meta. E Campos Neto admitiu que o modelo usado até agora era ultrapassado. “A meta contínua é mais eficiente”, disse ele após o encontro, citando casos que governos forçavam artificialmente a redução da inflação para um efeito pontual e acabavam por gerar um problema maior para a economia. De acordo com ele, quando a métrica atual de criação da meta foi desenvolvida, em 1999, a inflação estava muito alta e era preciso criar um horizonte longo para prever a redução e usar um período passado igualmente longo para sustentar a previsão. Essa realidade, disse ele, não existe mais.
Para Vicente Guimarães, CEO da VG Research, a decisão segue a forma como os bancos fazem previsões macroeconômicas. “O mercado mesmo revisa preços e projeções conforme eles apareçam.” Ele pondera, porém, que as diretrizes têm que ser claras. “Se forem econômicas, ótimo. Se forem políticas, péssimo.”