Bancos brasileiros, negócios globais
Contas em dólar, investimentos em ativos no exterior e facilitação de transações em moedas estrangeiras encorajam instituições financeiras 100% brasileiras a desbravar novas fronteiras. E tem bastante dinheiro por lá
Por Jaqueline Mendes e Paula Cristina
Follow the Money. Seguir o dinheiro é um motto norte-americano. E de certa forma ele guia a recente onda de internacionalização de instituições financeiras nacionais. O avanço considerável dos recursos de brasileiros no exterior tem crescido de modo acelerado. Em 2021, dados mais recentes do Banco Central (BC), os recursos de brasileiros investidos fora do País somavam US$ 474,1 bilhões (em 2010 eram US$ 191,3 bilhões). Um salto de 150% em pouco mais de uma década. E isso apenas em valores formalmente declarados à Receita Federal, já que o próprio BC estima uma margem entre 15% e 20% de recursos que não estão totalmente sob à luz oficial. É esse o principal foco que leva nossas marcas financeiras a operações no exterior. Um crescente potencial de negócios com pessoas e empresas de diferentes portes e objetivos.
O BTG Pactual, por exemplo, finalizou a compra do FIS Privatbank em março e concluiu investimento de R$ 100 milhões para viabilizar a operação.
O Itaú Unibanco, que foi o primeiro banco privado brasileiro a abrir agências no exterior (lá na década de 1980), também não quer perder o reinado. Fez um investimento bilionário para comprar 40% da Avenue.
Na casa do bilhão também foi o investimento do Bradesco para acelerar sua operação nos Estados Unidos, com o lançamento oficial do Bradesco Bank, na Flórida, há quatro anos.
O Banco Inter, por sua vez, quer ajudar os brasileiros na travessia para o exterior, e por isso facilitou a abertura de contas globais e já conseguiu mais de 1,7 milhão de clientes com um pé no Brasil e outro fora.
Nessas recentes jornadas, cada um traz sua estratégia e, em comum, um dinheiro nacional com características e comportamentos cada vez mais transnacionais.
BTG: “Colonização reversa”
Desde o começo do ano, a paisagem brasileira se tornou mais distante para alguns dos principais executivos do banco BTG Pactual. Entre eles está Marcelo Flora, sócio e responsável pelas plataformas digitais. Isso porque nunca houve um volume tão grande de negócios da instituição no exterior, seja em dólares, em euros ou em outras moedas globais. Mas o trabalho ficou mais intenso a partir de março, quando se concluiu a aquisição de 100% do capital da FIS Privatbank, de Luxemburgo, um dos principais bancos especializados em grandes fortunas, com cerca de R$ 2,8 bilhões sob gestão.
“A compra do FIS é o nosso passaporte para atuar nas principais economias europeias, já que a Suíça não faz parte do bloco e o Reino Unido desembarcou depois do Brexit”
Marcelo Flora, sócio e responsável pelas plataformas digitais do BTG Pactual
O investimento em Luxemburgo segue uma marcação de posição feita pelo BTG nos últimos três anos, quando o banco brasileiro se estruturou em Lisboa e, mais recentemente, em Madri.
A plataforma voltada às operações internacionais recebeu investimento de R$ 100 milhões. Com foco na gestão de ativos de brasileiros que se mudaram para a Terra de Camões e de outros latinos, especialmente chilenos, que fizeram movimento semelhante para a Espanha, o banco tem se consolidado como porto seguro para investimentos em solo europeu.
“Costumo comparar nossa estratégia como uma colonização reversa”, afirmou Flora. “Em um país de 10 milhões de habitantes, como Portugal, os brasileiros já são mais de 300 mil. As oportunidades por lá são imensas.”
A ofensiva do BTG no exterior não se limita ao Velho Continente. Desde o segundo semestre de 2022, os Estados Unidos são a maior fronteira de expansão do banco fora do território brasileiro.
Ao todo, há ainda operações por Argentina, Chile, Colômbia, Espanha, México, Peru, Portugal e Reino Unido, mas nos Estados Unidos é que a marca enxerga o maior potencial. Com escritórios em Atlanta, Miami e Nova York, a plataforma de investimentos, hoje rodando em estágio de beta teste, será oficialmente lançada entre setembro e outubro, segundo Flora.
“Nosso foco será em clientes brasileiros, com CPF e domicílio fiscal no Brasil e investimentos a partir de US$ 250 mil”, afirmou.
Itaú: Pioneirismo renovado
No começo do segundo semestre do ano passado, o Itaú comprou 35% da Avenue, corretora focada em investimentos no exterior. A transação avaliada em R$ 1,4 bilhão é um mergulho no mercado americano e o principal pilar da estratégia do banco para oferecer operações e investimentos em dólares.
Num primeiro momento, o Itaú desembolsou R$ 493 milhões pela fatia do Avenue e realizará um aporte de R$ 160 milhões. Daqui até dois anos, o maior banco privado brasileiro pretende comprar os outros 15,1% da empresa, assumindo o controle das operações. Após cinco anos da conclusão da primeira etapa, o Itaú poderá comprar a fatia restante do capital da Avenue, chegando aos 100%.
Para Carlos Constantini, responsável pela área de Wealth Management Services do Itaú Unibanco, a estratégia de internacionalização está em sintonia com a crescente demanda dos clientes brasileiros por ativos, negócios e transações no exterior. “A participação na Avenue representa o próximo passo estratégico”, afirmou. Segundo ele, trata-se do principal player de acesso a serviços financeiros do mercado americano para brasileiros.
“Eles [Avenue] já estão hoje onde muitos planejam estar em alguns anos. O Itaú passa a fazer parte dessa caminhada”, disse. Uma jornada pioneira, que começou em 1980, quando a instituição abriu agências em Portugal e nos Estados Unidos.
Bradesco: Operações reforçadas
Em uma expansão rápida fora do Brasil, o Bradesco anunciou recentemente investimentos na ordem de US$ 230 milhões (cerca de R$ 1,2 bilhão) para acelerar o seu crescimento nos Estados Unidos.
O passo se dá quase quatro anos após a instituição comprar o BAC Florida Bank no país, que, agora, passa a operar sob o nome Bradesco Bank e terá novas instalações a partir do próximo ano.
Com o aporte, a instituição brasileira nos Estados Unidos eleva o investimento em seus negócios em cerca de 50%, chegando a US$ 730 milhões, desde que o adquiriu a empresa, em 2019.
Na prática, o reforço vai permitir ao Bradesco Bank dobrar o seu patrimônio líquido para US$ 500 milhões. Isso dará fôlego à instituição na disputa por correntistas endinheirados, pessoas físicas ou jurídicas.
Durante o lançamento em novembro do ano passado, em Nova York, o vice-presidente executivo do Bradesco, Marcelo Noronha, afirmou que o Bradesco Bank tem expandido seus negócios a um ritmo que chega a superar os 30% ao ano em segmentos nos quais opera:
* investimentos;
* wealth management (grandes fortunas);
* cartão, crédito;
* mortgage, principal modalidade de financiamento imobiliário nos EUA.
“O banco que mais faz mortgage dentro da Flórida para estrangeiros chama-se Bradesco Bank”
Marcelo Noronha, vice-presidente executivo do Bradesco
Banco BTG quer atrair brasileiros, residentes no Brasil, com investimentos nos Estados Unidos começando em US$ 250 mil (Crédito:Btg Pactual)
Inter: Na onda da conta global
Quando o tema é atuação no exterior, a experiência digital é o caminho adotado pelas fintechs. Especialmente pelo que vem sendo chamado de Global Account, a Conta Global (ou Conta Internacional).
C6, Nomad, Wise são algumas das marcas que já operam nesse universo em que um brasileiro tem sua conta carregada em moeda do exterior.
No caso do Banco Inter, a aposta foi dirigida aos Estados Unidos. Por meio do app, os serviços da conta internacional são oferecidos pela Inter Payments, instituição financeira americana, que é uma subsidiária integral do Banco Inter.
Em pouco mais de um ano, mais de 1,7 milhão de clientes já possuem uma conta global Inter. “Com a rápida adoção dos clientes, entendemos que a operação da conta internacional tem grande potencial para geração de receitas e, consequentemente, para a lucratividade do negócio”, afirmou Santiago Stel, CSO e diretor de RI do Inter.
Santiago Stel conta que o sucesso foi tanto que já está disponível o serviço de financiamentos imobiliários nos Estados Unidos, solução lançada a partir da aquisição em fevereiro da YellowFi, originadora de crédito imobiliário e gestora de fundos.
A expertise construída por ser uma fintech vira, segundo Stel, vantagem estratégica porque traz a segurança de know-how digital banking.