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O PIB surpreende. A volta dos erros também

Crédito: Ton Molina / Fotoarena

Marcos Strecker: "No seu primeiro mandato, o presidente mostrou mais flexibilidade para negociar com o 'mercado', respeitou a autoridade monetária e teve faro para atrair investimentos" (Crédito: Ton Molina / Fotoarena)

Por Marcos Strecker

Desafiando as previsões sombrias, os indicadores brasileiros permanecem dando sinais positivos, na contramão das grandes economias. Depois de um animador recuo no desemprego, o PIB do segundo trimestre surpreendeu: alta de 1,4% sobre o período anterior, ou 3,3% sobre o mesmo trimestre de 2023. A perspectiva agora é de que o País cresça este ano num patamar próximo de 3%, repetindo o desempenho positivo dos últimos anos, ainda que aquém do necessário.

Ainda há muita dúvida sobre as razões da boa surpresa, que incluem expansão no consumo e nos investimentos (talvez o melhor dado de todos). Mas é praticamente pacífico que a injeção de recursos patrocinada pela agenda social do governo Lula, como a valorização do salário mínimo e a expansão do Bolsa Família, além do pagamento de precatórios bilionários, deram uma boa ajuda. Os recursos expressivos direcionados ao Rio Grande do Sul também fizeram o estado iniciar uma recuperação rápida, evitando que a tragédia das chuvas impactasse negativamente o PIB, como se temia.

Mas a cautela se impõe, ainda que o ministro Fernando Haddad tenha anunciado a consolidação de um ciclo virtuoso na economia. As dúvidas que mantêm o freio de mão puxado na produção e renovam o receio de mais um voo de galinha permanecem. A começar pela desconfiança sobre o equilíbrio fiscal, um temor sempre renovado pelas declarações extemporâneas do presidente e por sinalizações temerárias, como o ficcional Orçamento de 2025 enviado pelo Ministério da Fazenda ao Congresso. Isso afeta o dólar, por exemplo, que parece já se firmar num patamar cada vez mais próximo aos 6 reais. Além disso, a aceleração da economia pressiona a inflação, o que pode levar o Banco Central a manter as taxas de juros elevadas, ou mesmo aumentar a Selic.

O governo poderia desanuviar o ambiente e aguçar as expectativas se deixasse de insistir nos retrocessos que se repetem. É o caso da sanha intervencionista na economia, por exemplo, que parece se acelerar junto com o PIB, como acontece no setor energético. Depois de espezinhar a agência reguladora, o governo anunciou com pompa uma reestruturação no mercado de gás. Como sempre, tudo embalado em boas intenções: o pretexto é baixar o preço do combustível, beneficiar a indústria e estimular a transição energética. Na prática, o decreto do gás assinado no último dia 26 ampliou o temor de um desarranjo no setor. Ele já está estressado, com benefícios a grupos empresarias que fogem da lógica econômica e vão encarecer a conta de luz, penalizando novamente o cidadão e afetando a produtividade. Um País que tem condições de gerar eletricidade com um dos menores custos do mundo pode ter uma das contas de luz mais caras.

O mesmo receio cerca as investidas do governo contra o Marco do Saneamento, a possível volta da tutela sobre o Banco Central, a reversão nas privatizações e o aparelhamento das estatais. Não precisaria ser assim. No seu primeiro mandato, o presidente mostrou mais flexibilidade para negociar com o “mercado”, respeitou a autoridade monetária e teve faro para atrair investimentos. Colheu o que plantou, com um grande crescimento ao final de seu governo. Na safra atual, infelizmente, o mandatário parece semear mais um círculo vicioso, que pode terminar em frustração. Ainda dá tempo de evitar esse desfecho.