Queda de juros nos EUA e impacto nas moedas
Por Vitoria Saddi
Desde o discurso de Jerome Powell, presidente do Fed, em Jackson Hole, em 23 de agosto, houve uma significativa mudança nas configurações das principais moedas do mundo. O tom enfático e conclusivo de Powell sobre a certeza de queda de juros na próxima reunião do Fed deixou os analistas debatendo apenas o montante do corte. No dia 6, o dado da folha de pagamento nos EUA veio ligeiramente acima do esperado e ainda assim o mercado mudou muito pouco. O anúncio do corte de juros levou a uma queda (ou desvalorização) do dólar frente às principais moedas. As principais divisas (euro, libra, iene, franco suíço, dólar canadense e dólar australiano) se apreciaram frente ao dólar, em diferentes graus conforme o país. As moedas de países emergentes, no entanto registraram quedas (ou depreciação) frente ao dólar. O peso mexicano, o peso chileno, o peso colombiano e o real no Brasil se desvalorizaram frente ao dólar. A razão de tal movimento pode estar ligada à piora fiscal desses países. Todos possuem um déficit nominal como proporção do PIB entre 2,5% a 8% e a razão dívida/PIB está sempre acima de 50%, podendo chegar a 88%, no caso da Argentina.
Em geral, a queda de juros nos Estados Unidos é um fator determinante e relevante que pode levar à entrada de dinheiro no Brasil (e demais países da América do Sul). No entanto, se considerarmos o lado fiscal, percebemos que todos os países mencionados apresentam uma deterioração das contas públicas. Assim, temos o Brasil com um déficit nominal (como % do PIB) de 7,3%, seguido do México com 5,6%, Colômbia com 4%, Chile com 2,5% e Argentina com 2,4%.
A deterioração fiscal que ocorre quando há um aumento dos déficits orçamentários ou uma elevação da dívida pública de um país pode levar à saída de capital do país devido a cinco fatores.
• Primeiro, a piora fiscal pode levar ao aumento do risco-país pois quando o governo passa a ter dificuldades em gerenciar suas finanças, isso eleva a percepção de risco entre investidores. Um país com alta dívida ou déficits crescentes é visto como menos capaz de honrar seus compromissos futuros, incluindo o pagamento de juros e o principal de suas dívidas. Isso pode fazer com que investidores retirem seus investimentos do país, buscando mercados considerados mais seguros.
• O segundo fator é relacionado a uma possível elevação das taxas de juros. De fato, para financiar déficits maiores, os governos podem precisar emitir mais dívida. Isso, por sua vez, pode levar a um aumento nas taxas de juros para atrair compradores para esses títulos. No entanto, taxas de juros mais altas também podem desencorajar o investimento empresarial e o consumo, prejudicando o crescimento econômico. Além disso, se as taxas de juros internacionais estiverem mais atrativas, os investidores podem preferir investir em outros mercados.
• O terceiro fator é uma eventual desvalorização cambial. Uma situação fiscal precária pode levar a uma desvalorização da moeda local. Com o aumento do risco, os investidores podem decidir converter seus investimentos de volta para moedas mais fortes, pressionando ainda mais a moeda local. Essa desvalorização torna os investimentos no país menos atraentes para investidores estrangeiros, acelerando a saída de capital.
•Um quarto fator é ligado às reações self fullfilling do mercado. Este reage não apenas aos fundamentos econômicos, mas também às expectativas. Se os investidores antecipam que a situação fiscal de um país pode piorar, eles podem decidir retirar seus investimentos preventivamente, levando a uma saída de capital antes mesmo que a situação fiscal se deteriore de fato.
• Por fim, um quinto fator é devido ao impacto na confiança. A deterioração fiscal pode afetar negativamente a confiança tanto de investidores internos quanto externos. Isso inclui desde grandes instituições financeiras até investidores individuais, que podem ver seus ativos desvalorizados se a situação fiscal do país continuar a piorar.
Portanto, uma deterioração fiscal pode desencadear uma série de reações que levam à saída de capital, com impactos significativos sobre a estabilidade financeira e o crescimento econômico de um país. A queda de juros nos Estados Unidos ocorre num momento de piora fiscal nos países da América do Sul. A questão que apenas o tempo dirá é se haverá entrada de capital nestes países, apesar da piora fiscal, ou se tal fator irá desencorajar o influxo de capitais internacionais nos países da região.
*VITORIA SADDI é estrategista da SM Futures. Dirigiu a mesa de derivativos do JP Morgan e foi economista-chefe do Roubini Global Economics, Citibank, Salomon Brothers e Queluz Asset, em Londres, Nova York e São Paulo. Também foi professora na California State University, na University of Southern California e no Insper. É PhD em economia pela University of Southern California.