Rios vazios e ancoragem das expectativas
Por Marcos Strecker
O governo comemorou, com razão, o resultado do IPCA de agosto, divulgado na última terça-feira (10). Os preços caíram 0,02%, na primeira deflação do ano. Isso alivia o questionamento sobre o risco inflacionário, já que o índice nos últimos 12 meses diminuiu para 4,24%, abaixo do teto previsto (mas acima da meta de 3%). Mesmo assim, é pouco provável que isso reverta um novo ciclo de altas da Selic, que pode ser confirmado na próxima reunião do Copom, que ocorrerá na terça e quarta (dias 17 e 18). Isso porque a pressão inflacionária permanece.
As previsões mais cautelosas de economistas e instituições têm sido desmentidas ao longo do ano, é fato. Já é quase consenso que a economia brasileira pode crescer até 3% este ano, um índice contrastante com a maioria dos países desenvolvidos e bem acima do previsto inicialmente. A transição na presidência do Banco Central, que foi adiantada em quase seis meses com a indicação de Gabriel Galípolo, um nome alinhado ao PT mas que também tem credibilidade junto ao mercado financeiro, ajudou igualmente a desanuviar o ambiente. Foi um “pouso suave”, por assim dizer, numa sucessão que parecia caminhar para um desastre de grandes proporções.
O otimismo com a economia não pode deixar de levar em conta uma necessária cautela. Os juros em patamares elevados também são uma consequência da insegurança com a política fiscal. O governo ainda não inspira confiança no rigor com as contas públicas, o que foi reafirmado com o projeto de Orçamento de 2025 enviado em agosto, que superestimou receitas e subestimou problemas em formação. As dúvidas sobre o cumprimento da meta fiscal mobilizaram até um aliado do governo, o presidente do TCU, Bruno Dantas, que receberia a equipe econômica na quarta-feira (11) para checar o andamento das contas até o final do ano. E há mais dificuldades no horizonte.
As nuvens que passam a turvar o futuro, agora, são causadas pelas queimadas que empesteiam o ambiente. O desastre climático causado pelos eventos extremos já era previsto por quase todos os especialistas, mas pouco foi feito para reverter a tragédia ou mesmo prevenir suas consequências. A criação tardia de uma Autoridade Climática, anunciada por Lula e seus ministros, em Manaus, não foi uma demonstração de proatividade, mas o reconhecimento de que as autoridades estão a reboque do problema.
Ao contrário do efeito limitado da catástrofe das chuvas no Rio Grande do Sul para frear o PIB, o fogo em boa parte do território nacional e as secas que avançam até a bacia amazônica podem gerar um impacto considerável. Terão desdobramentos na produção agrícola e no preço dos alimentos. Além disso, prenunciam uma crise hídrica, o que vai aumentar o custo da energia. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) decretou a bandeira vermelha na conta de luz em setembro. É uma reversão para um dos vetores de queda da inflação, já que a energia elétrica residencial sozinha teve a principal contribuição negativa para o IPCA de agosto. Além das queimadas e da estiagem, os “jabutis” que estão sendo acrescentados na legislação na área energética prometem transferir para o consumidor o ônus de investimentos bilionários muitas vezes injustificados. A tragédia gaúcha parece ficar cada vez mais no passado. Mas outra bem maior pode estar a caminho.