Milei: “El Loco”, pero no mucho
Por Norberto Zaiet
Nos anos 1990, viajava a Buenos Aires pelo menos duas vezes ao mês. Era uma experiência e tanto, a cidade exalava prosperidade. À época, a Constituição argentina estabelecia que cada peso circulando na economia era conversível em dólares à paridade fixa de 1 por 1. Ou seja, por lei, cada peso valia um dólar. O presidente argentino era Carlos Menem. Seu ministro da economia, um sujeito extremamente inteligente, com doutorado em Harvard, havia sido presidente do Banco Central num período bastante turbulento, logo após o término da guerra das Malvinas contra o Reino Unido – seu nome era Domingo Cavallo.
Menem e Cavallo implementaram um plano econômico que envolveu a privatização em massa de ativos estatais, viabilizando uma entrada significativa de reservas internacionais que deram respaldo financeiro à convertibilidade estabelecida em lei. A inflação foi dizimada. Em certa medida, Fernando Henrique Cardoso viria a fazer algo semelhante – e muito melhor – no Brasil, após o desastre econômico e afastamento de Fernando Collor. Como se sabe, o conceito da convertibilidade acabou mal: quando não havia mais reservas suficientes para manter a paridade, ela se rompeu – e levou com ela a economia argentina. Cavallo ficou famoso ao garantir que “os especuladores serão punidos”. Na verdade, os maiores punidos foram mesmo os argentinos.
A comunidade financeira internacional parou de acompanhar o que acontecia no país depois de algum tempo. Um default atrás do outro, déficits crescentes, acordos não cumpridos com o FMI e tudo o mais tornaram o país “ininvestível”. Eis que chega 2024, e Javier Milei assume a Presidência. Apelidado nos anos escolares de “El Loco”, é um economista que se rotula anarcocapitalista. Adepto dos ideais libertários, fez campanha carregando uma serra elétrica como símbolo do governo que faria: cortaria na carne os excessos do governo.
“O sistema voltou a funcionar. O objetivo final do presidente é dolarizar a economia argentina. Mas isso significa perder o controle da política monetária. Diminui as ferramentas contra crises”
Milei acredita que a inflação é essencialmente um fenômeno monetário, e a inflação argentina certamente é. Para acabar com ela é necessário que o governo tenha déficit zero e que a dívida pública pare de crescer. Sem emissão monetária para financiar gastos do governo, a inflação desaparece. Radical na implementação de seu plano, Milei cortou fundo logo no início. Em poucos meses, o resultado começa a aparecer: a inflação baixou, o governo começa a produzir superávits fiscais e a confiança está aumentando. Os jornais noticiaram nos últimos dias que os argentinos estão tirando os dólares escondidos debaixo do colchão e depositando-os nos bancos, num sinal claro de que o sistema voltou a funcionar.
Seu objetivo final é dolarizar a economia argentina. Aí é onde, a meu ver, “El Loco” começa a fazer jus ao seu apelido. Dolarizar a economia é perder o controle da política monetária. Isso diminui as ferramentas com as quais um governo pode contar para enfrentar crises. É perder controle sobre algo importante, sem receber nada muito significativo em troca. Como para dolarizar a economia é necessário haver dólares suficientes para substituir a moeda em circulação, a coisa ainda está muito longe de acontecer. Nesse meio tempo, suas políticas de austeridade e diminuição do tamanho do governo começam a atrair, novamente, a comunidade internacional. O ETF (Exchange Trade Fund) que representa a economia argentina, ARGT, teve valorização significativa desde sua eleição e continua em tendência de alta. Ao que parece, a Argentina vai surfar com vento a favor a onda do corte de juros norte-americanos que vem por aí. Ao contrário disso, ao que parece, um irmão vizinho e bem maior também vai surfar, só que com a prancha virada para o lado errado.
Norberto Zaiet é economista, ex-CEO do Banco Pine e fundador da Picea Value Investors, em Nova York