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Influxo de Imigrantes nos EUA e política monetária

Entrada recorde de estrangeiros no país em 2023 explica a estabilidade com níveis baixos do desemprego nos EUA

Crédito: Divulgação

Vitoria Saddi: "O dado do payroll de outubro tirou o foco da recessão e deslocou a ênfase para a eventual preocupação de que a inflação possa voltar a subir" (Crédito: Divulgação)

Por Vitoria Saddi

Na primeira sexta-feira do mês é divulgado o dado da folha de pagamento nos Estados Unidos. Além dos dados de inflação, o payroll é amplamente esperado pelo mercado, com consequências para a política monetária do Fed. O último dado divulgado no início de outubro superou em muito as expectativas do mercado e mostrou que 254 mil novos postos de trabalho foram criados, o que fez o desemprego cair de 4,2% para 4,1%. Isso está ocorrendo com o Fed baixando a taxa básica de juros, a Fedfunds rate. É possível conciliar a presença de um mercado de trabalho extremamente aquecido, inflação em queda e novos cortes na taxa de juros?

Em todos os episódios passados, quando o Fed conseguiu controlar a inflação via alta de juros, houve aumento do desemprego e queda do número de empregos criados. O momento atual é único no sentido de que a alta de juros foi capaz de baixar a inflação sem alta no desemprego. Eu mesma sugeri em um artigo anterior que tal fenômeno possa estar ligado a um aumento da oferta agregada. Talvez o boom da Inteligência Artificial tenha barateado os custos das empresas, e isso tenha levado a um aumento da produtividade da economia. Ou seja, a economia estaria crescendo, e isso justificaria a criação de novos empregos e a estabilidade em níveis extremamente baixos do desemprego na economia.

A explicação do parágrafo anterior não está errada, mas incompleta. O movimento mais relevante e amplo que está acontecendo é com o brutal aumento da imigração nos EUA. Segundo dados compilados pelo Financial Times, usando a base original do Bureau of Labor Statistics, houve um influxo de imigrantes (legais e ilegais) de cerca de 2 milhões de pessoas em 2023. A força de trabalho total nos EUA é de 175 milhões de pessoas. Na pesquisa semanal de emprego, eles apenas perguntam se a pessoa está ou não trabalhando, e não seu status legal no país. Como a taxa de desemprego é uma razão onde o numerador é o número de desempregados e o denominador é a força de trabalho (soma do número de pessoas trabalhando e desempregadas), quando a força de trabalho aumenta, há queda no desemprego. Simples, não?

De outro modo fica parecendo que o Fed queria provocar recessão na economia nos episódios passados e, agora, não. Nada é mais longe da verdade do que isso. O problema da história atual é se Trump ganhar a eleição. Nesse caso, sabemos que os imigrantes ilegais serão banidos e que a atual política de imigração será revista, e o influxo deverá cair significativamente. Ou seja, num eventual governo Trump, esse tão almejado soft landing estaria ameaçado.

O dado do payroll de outubro tirou o foco da recessão e deslocou a ênfase para a eventual preocupação de que a inflação possa voltar a subir. Os dados até então revelam que a inflação está domada, mas ainda não totalmente. Um fator que ainda preocupa é o crescimento dos salários, que está estável em 4%, um ponto percentual acima do nível pré-Covid. Outro fator que pode pressionar a inflação é o eventual aumento dos preços do petróleo como resposta ao conflito no Oriente Médio.

A inflação implícita (também chamada de breakeven inflation) é a diferença entre o yield do título de dez anos do Tesouro americano e do yield do título indexado à inflação da mesma magnitude (abreviado por “TIPS”). Por esse conceito, a inflação de breakeven está subindo e atingiu 2,23% em outubro de 2024. Em outras palavras, a métrica mais relevante da inflação esperada para os Estados Unidos está subindo. Nesse contexto, o Fed deverá continuar baixando juros, mas num ritmo mais lento. Não apenas porque a expectativa de inflação ainda é crescente mas também porque os salários estão subindo, a eleição presidencial está indefinida e não está descartado um segundo mandato de Trump (e a eventual reversão da política migratória). É possível que venhamos a testemunhar um acirramento do conflito no Oriente Médio e o aumento no preço do petróleo. Por tais motivos, esperamos que o Fed baixe as taxas em 25 pontos-base em cada uma das duas últimas reuniões deste ano.

*VITORIA SADDI é estrategista da SM Futures. Dirigiu a mesa de derivativos do JP Morgan e foi economista-chefe do Roubini Global Economics, Citibank, Salomon Brothers e Queluz Asset, em Londres, Nova York e São Paulo. Também foi professora na California State University, na University of Southern California e no Insper. É PhD em economia pela University of Southern California.