Nunca acredite em estratégia ESG sem metas
Por Ricardo Voltolini
Imagine a cena e reflita comigo. O CEO de uma empresa convoca uma reunião e, diante dos seus diretores, pergunta como estão os resultados do mês. Um dos presentes informa que, graças à estratégia, foram bons. O executivo então faz uma segunda pergunta, indagando se as metas foram atingidas. “Não temos metas”, responde um diretor. “E como sabem que fomos bem?”, questiona. Sem resposta, o CEO sorri amarelo, agradece a equipe e pede um caloroso aplauso coletivo para o “sucesso da estratégia”.
Essa situação lhe pareceu insólita? Lembrou o cinismo nonsense de um diálogo do seriado The Office? Saiba que, salvo algum exagero ficcional, ela também ocorre de algum modo nas empresas reais quando o assunto é ESG.
Volto ao tema estratégia ESG porque recentemente tomei conhecimento dos dados de uma pesquisa feita por Nexus e Aberje. Segundo a sondagem, aplicada a 401 líderes de quatro grandes setores, 51% das empresas brasileiras declaram ter uma estratégia ESG, seja lá o que considerem uma estratégia ESG.
O mesmo estudo revela que, em três anos (a primeira edição ocorreu em 2021), o número de empresas com metas ambientais subiu de 31% para 43%. Eventuais metas sociais e de governança não foram mencionadas. Cresceu de 29% para 39% o percentual de companhias que criaram estruturas para conduzir as ações de ESG.
Fazendo uma análise superficial dos números, 8% (51% – 43%) das empresas com estratégia ESG parecemnão ter metas de “E” e 12% (51% – 39%) não dispõem de estruturas para tocar os planos de ação no dia a dia. Se uma estratégia empresarial requer planos de ação para atingir objetivos e metas, parece haver mais estratégia do que metas e quadros para geri-las nas empresas brasileiras. Um contrassenso, a rigor. Claro, essa não é uma conclusão precisa. Faço-a apenas pelo direito à provocação de um especialista sexagenário.
Na minha experiência profissional, apoiando a construção de jornadas ESG, tenho visto mais projetos do que estratégias. E mesmo quando empresas afirmam ter uma estratégia ESG, falta-lhes consistência, extensão, profundidade e compromisso efetivo com mudanças.
Não são raros os casos de companhias que começam e param o processo estratégico na etapa de metas, usando argumentos prosaicos como, por exemplo, “ainda não estamos preparados para esse passo”. Lembro do caso de uma companhia que, alegando dificuldades internas, interrompeu a estratégia para se concentrar apenas na produção do relatório – segundo o CEO, uma “exigência do mercado”. Perguntei-lhe o que ele esperava relatar ao “mercado”, já que não tinha metas. E a resposta veio rápida e seca: contar as nossas iniciativas é suficiente. “Afinal, nossos stakeholders sabem que sustentabilidade está no DNA da empresa”, disparou, sem constrangimento – uma frase que, além de clichê, serve para dizer que a organização “nasceu sustentável” e, portanto, não precisa organizar com intencionalidade respostas para os seus impactos ambientais, sociais e de governança.
Também não são raras as vezes em que líderes escolhem justificativas não racionais para explicar a ausência de metas em alguns temas. “Estabelecer metas prejudica a nossa cultura de meritocracia. Quero que as coisas aconteçam naturalmente”, disse-me certa vez o CEO de uma empresa sobre o tema diversidade, equidade e inclusão. Há simplesmente os que se desincumbem de metas, repetindo o que ouvem de assessores. “Não temos nenhum plano de net zero porque é impossível medir o Escopo 3”, disse-me o executivo de grande empresa regional que ainda hoje não fez sequer o inventário de emissões de GEEs.
Dê o nome que quiser ao processo, o fato é que uma estratégia ESG exige a identificação dos temas materiais (ligados aos principais impactos da empresa) e a definição de objetivos, metas, métricas e planos de ação. O que não pode ser medido não pode ser gerenciado, já disse William Deming. O resto é conversa mole.
Ricardo Voltolini é CEO da Ideia Sustentável, fundador da Plataforma Liderança com Valores, mentor e conselheiro de sustentabilidade