Criptografia pós-quântica: uma encruzilhada para a sociedade e os negócios
Por Luís Guedes
A segurança das transações on-line depende de intricadas chaves de criptografia, algoritmos baseados em problemas matemáticos praticamente impossíveis de resolver sem a chave digital correta. No entanto, uma ameaça gigantesca paira no ar e, tal como Ulisses que visita o gigante Polifemo sem saber do perigo que corria, estamos em busca de uma tecnologia que vai tornar inútil toda criptografia que utilizamos. Schumpeter talvez se surpreendesse com o quão longe tem chegado a destruição criativa…
A tecnologia do qual falamos irá reconfigurar tudo que conhecemos sobre o que um computador pode ou não fazer. Com sua capacidade colossal para os padrões atuais, a computação quântica mudará o paradigma de relacionamento da humanidade com tudo aquilo que funciona com um botão de liga e desliga. Os computadores quânticos se distanciam dos computadores clássicos de hoje como um Ford T está distante de um caça supersônico. O lado ruim dessa velocidade toda é que, assim que uma máquina quântica esteja operacional, toda a criptografia de hoje se tornaria a um tempo só totalmente inútil – nenhum segredo ou transação digital estaria mais a salvo.
“Os computadores quânticos se distanciam dos computadores clássicos como um Ford T está distante de um caça supersônico. Assim que uma máquina quântica esteja operacional, toda a criptografia de hoje se tornaria totalmente inútil”
A corrida em direção à computação quântica prática é uma corrida sobretudo armamentista, mas de um jeito diferente. Há muitos bilhões de dólares de bancos de investimento e ciência de ponta sendo desenvolvida por IBM, Intel, Google, Honeywell, dentre outras tantas corporações. Embora as tecnologias evoluam dia a dia, a computação quântica ainda enfrenta muitos desafios, e é provável que a operação em escala ocorra somente daqui a uma década. Mesmo assim…
Uma fronteira incrível de oportunidade se abre para empresas e pesquisadores que se dediquem a resolver o problema sem precedentes dos cadeados digitais obsoletos. Destaque para a pesquisa em Criptografia Pós-Quântica (PQC), que estuda como criar cadeados que sejam resistentes a ataques quânticos.
O problema de que falamos é urgente, apesar dos dez anos de desenvolvimento pela frente, porque os invasores podem começar a acumular dados criptografados agora, com a expectativa de decifrá-los depois, quando os computadores quânticos estiverem operacionais. Isso é conhecido como ataque “armazenar agora, decifrar depois”. As implicações sociais são difíceis de mensurar, tendo em vista como o digital está profundamente presente em nossas vidas.
O caminho para um mundo quântico seguro envolve um equilíbrio delicado. De um lado está a enorme oportunidade de inovar, construir novos negócios e criar empregos de alto valor em indústrias como cibersegurança, engenharia de software, desenvolvimento de hardware, consultoria e treinamento. Por outro lado, o risco existencial de não se adaptar de forma rápida o suficiente pode resultar em violações de privacidade generalizadas, perdas financeiras massivas e um colapso da confiança nos sistemas digitais.
Ulisses e seus homens se aventuraram a entrar na caverna de Polifemo, na esperança de serem bem-recebidos pelo ciclope. Muitos foram devorados pelo gigante. Somente por meio da astúcia, Ulisses e alguns outros conseguiram sair vivos.
Avistamos, daqui da praia, a caverna.
Luís Guedes é professor da FIA Business School